Candidato a Presidente da República revelou que, por ele, Centeno seria primeiro-ministro em 2023 e que só dissolverá a Assembleia da República em caso de "quebra de contrato" entre governo e povo. Na primeira entrevista desde que entrou na corrida a Belém, Gouveia e Melo tentou afastar-se o máximo possível dos partidos, ao mesmo tempo que inaugurou os seus primeiros ataques a políticos: "Imagine que tem um jogo de futebol de dois clubes e há um árbitro com a camisola de um dos clubes"
Henrique Gouveia e Melo quis sublinhar ao longo da primeira entrevista que deu como candidato à Presidência da República que é, em praticamente tudo, diferente de Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, destacou, a primeira coisa que implementaria no seu ritual em Belém é algo dissonante da campanha que o atual Presidente da República fez para chegar lá. "A primeira medida que implementaria seria começar a falar menos, e a falar só quando for necessário sobre coisas substantivas". "Farpa ou não, isso não é farpa nenhuma", referiu, quando questionado se se estava a comparar a Marcelo.
Apontando várias vezes que "não é comentador" quando interrogado sobre o modo como Marcelo Rebelo de Sousa se tem conduzido no cargo, Gouveia e Melo foi mais incisivo ao tocar no tema do caso das gémeas lusobrasileiras que foram tratadas com um medicamento milionário no Santa Maria após influências de Belém. Considerando que o que aconteceu foi um "abuso", o candidato responde com o dedo colado no CV. "A resposta a isso é o que eu fiz durante a pandemia". "A forma como lidei com casos e casinhos fala por mim".
"Eu sou o que sempre fui e podem contar comigo com essa segurança", frisou. "Sou muito imune, as pessoas que me conhecem sabem disso, pessoas novas podem julgar que me podem influenciar mas vão ficar muito desiludidas". Isto porque não dá "abrigo a procedimentos de exceção, e de favoritismo". "Se isso acontecer é por motivos humanitários, mas não porque é amigo de A ou de B, ou porque se cruzou comigo no passado".
Marcelo Rebelo de Sousa sai do cargo no início do próximo ano e, consigo, transportará o legado de um chefe de Estado que dissolveu três Parlamentos, incluindo uma legislatura de maioria absoluta. Também aqui, Gouveia e Melo salientou a sua discordância com o modus operandi aplicado em Belém, especialmente quando decidiu não aderir à ideia de indigitar Mário Centeno sem levar o país a eleições, como António Costa teria desejado. "Não teria feito o mesmo", apontou. "Porque a estabilidade é uma coisa importante em termos da governabilidade do País". "A Assembleia da República que resultava dessas eleições tinha uma maioria absoluta e portanto poderia formar um novo Governo".
Defendendo que só em casos extremos é que atuará em prol de uma dissolução do Parlamento, Gouveia e Melo admitiu, no entanto, uma brecha a essa filosofia - que explica com aquilo que diz ser um "problema das democracias modernas". "Esse problema é a introdução de alguma demagogia, de falta de coerência entre o que se promete e o que se executa". "Em situações muito graves, pode haver um desfasamento fortíssimo entre o contrato que se faz entre governantes e governados e aquilo que se vai praticar na governação". Ainda assim, afirmou, "terá de ser avaliado caso a caso".
Além de Marcelo, Gouveia e Melo centrou os ataques na "ideia de casta política" que diz existir hoje em dia na vida dos partidos e no discurso do seu principal adversário até ao momento, Luís Marques Mendes. "Essa ideia defende que o cidadão participe na democracia e na vida pública, mas só quem tiver feito um curso de política". "Na democracia, a política está acessível a qualquer cidadão".
"Imagine que tem um jogo de futebol de dois clubes e há um árbitro com a camisola de um dos clubes. Qual será a ideia de independência desse árbitro? A minha camisola interior só tem uma coisa lá a dizer, que é Portugal, não tem mais nada". "Tentarei ser um árbitro isento". Leia-se: ao contrário do que pode ser Marques Mendes, um candidato da área do PSD.
Na mesma linha, garantiu que, de um modo geral, não colocará entraves àquilo que for sendo aprovado na Assembleia da República. "Hei de promulgar todas as leis que respeitem o processo constitucional", afirmou. "O poder de veto só pode ser exercido em razões muito especiais".
Distância de André Ventura, proximidade a Rui Rio
Naquele que foi um dos primeiros espaços em que revelou como se comportaria em Belém, Gouveia e Melo passou uma boa parte do tempo a equacionar como seria a sua relação com André Ventura, líder da oposição a Montenegro, e de quem se demarcou, clarificando que "não permitirá" aquilo que permitiu a Rui Rio, mandatário da sua candidatura e antigo líder do PSD.
Destacando que, "em princípio", "não aceita que partidos políticos ou grupos organizados me apoiem". Gouveia e Melo adiantou que "não permitirá" que Ventura se junte "às suas comitivas". "O Rui Rio não é o André Ventura, não está na política ativa de momento - situou-se ao centro e tenho grande afinidade por ele", afirmou, referindo que Ventura "situa-se num outro extremo do espectro político com quem não tenho afinidade".
Ainda assim, se se deparar no futuro com um crescimento do Chega que permita dar a Ventura o apoio necessário para formar Governo, o antigo líder da Marinha não tem dúvidas do que fará: "Se o povo o eleger, e tiver condições para o governar, dar-lhe ia posse, desde que o povo assim o deseje".
Com Rui Rio, partilha também a ideia de uma necessidade de reforma da Justiça, sublinhando principalmente como os seus defeitos a não aplicação, na prática, do Segredo de Justiça. "Não existe, e isso é negativo, quebra a presunção de inocência". "São anos e anos em que se queimam as pessoas sem provas concretas".
No dia anterior, tinha ouvido da boca de José Sócrates que jamais teria o voto do antigo secretário-geral do PS que está há uma década a braços com o processo Marquês, onde é acusado de corrupção, e pelo qual irá a julgamento no mês de julho. Para Gouveia e Melo, embora a justiça se alongue e isso leve à "quebra da presunção de inocência", "José Sócrates não é um desses casos".