Esta Superliga vai mesmo avançar

3 jun 2022, 09:27
As espetaculares imagens do Open de Abu Dhabi

Está aí um novo circuito profissional de golfe, à revelia das principais organizações da modalidade e financiado pela Arábia Saudita. Entre milhões em jogo, acusações e ameaças de sanções, o desporto a mudar

Entre milhões em jogo, acusações e ameaças de sanções, vai mesmo avançar um novo circuito profissional de golfe, em guerra aberta com o PGA Tour, a principal organização da modalidade, que pode revolucionar o futuro do desporto. As comparações com o para já abortado projeto da Superliga no futebol são óbvias. Só que este circuito já saiu do papel. Financiado pelo regime da Arábia Saudita, o LIV Golf Invitational Series promete muito mais dinheiro em prémios para os jogadores. Para já, entre os participantes anunciados na primeira prova estão 16 jogadores do top 100 do ranking. Mas não estão algumas das principais figuras do golfe mundial, como Tiger Woods ou Rory McIllroy.

O novo circuito tem início a 9 de junho em Londres, para o primeiro de oito eventos de uma competição que se anuncia mais concentrada e mais dinâmica do que as provas existentes. O percurso tem 54 buracos, contra os 72 dos grandes torneios (o nome LIV é aliás o número 54 em numeração romana). Além disso, tem menos etapas, um sistema de competição individual e por equipas, bem como maior estabilidade para os participantes, na lógica de evento «fechado» que presidia também ao projeto da Superliga no futebol. E há, claro, mais dinheiro. Além dos valores gastos para «converter» alguns jogadores ao novo projeto, há prémios monetários bem superiores aos que se pagam no PGA Tour ou no circuito europeu. Para este primeiro evento, o prémio monetário é de 25 milhões de dólares, mais do que qualquer outro torneio, com 4 milhões garantidos para o vencedor (quando o campeão de um Major não ganha atualmente mais do que 2,7 milhões) e 120 mil para o último classificado.

Como termo de comparação, basta ver os prémios atribuídos pelos dois principais torneios que coincidem no calendário: o Open do Canadá, prova do PGA Tour, distribui 8.7 milhões em prémios. O European Open, na Alemanha, prova do circuito europeu, tem dois milhões de prize money.

Do golfe ao Newcastle, petrodólares sauditas

O australiano Greg Norman, antiga estrela do golfe, é o rosto deste novo circuito, através da LIV Golf Investments, uma empresa que tem por trás o Fundo de Investimento Público do Governo saudita, o mesmo que adquiriu recentemente o Newcastle, em Inglaterra. Norman diz que dispõe de dois mil milhões de dólares para alargar o evento nos próximos anos.

O LIV Golf entra literalmente em território do PGA Tour. Quatro dos oito eventos deste ano estão previstos para os Estados Unidos, dois deles em campos que pertencem ao ex-presidente americano Donald Trump.  

A ideia já vinha de trás e foi sofrendo avanços e recuos. Há um ano, Rory McIllroy criticava a iniciativa, comparando-a ao projeto da Superliga no futebol. «Vejam o que aconteceu com a Superliga europeia no futebol. As pessoas conseguem vê-la pelo que é, uma forma de agarrar dinheiro. Tudo bem, se se joga golfe para ganhar tanto dinheiro quanto possível», dizia o norte-irlandês: «Mas eu jogo para cimentar o meu lugar na história e o meu legado. Honestamente, não acredito que haja uma melhor estrutura do que a que existe e não creio que venha a haver.»

Sanções em cima da mesa

McIllroy, atual número 8 do mundo, continua a não aderir ao projeto, mas diz agora compreender a motivação de alguns dos golfistas que aderiram: «Quando comecei jogava por dinheiro. Agora não. Mas alguns jogadores estão numa posição em que não têm emprego garantido no próximo ano. É difícil manter-se entre os 125 primeiros do ranking, sobretudo quando tens mais de 40 anos e talvez não lances a bola tão longe como antes. Hoje este é um jogo para jovens. Se chega outra entidade e te diz: ‘Garantimos-te este valor durante três anos’, além de ganhar muito mais dinheiro, jogar menos eventos e poderes passar mais tempo com a família, é muito atrativo para alguns.»

A Superliga do golfe vai mesmo tornar-se realidade, enquanto o PGA Tour e o circuito europeu vão ameaçando sanções a quem participar. «Os membros da PGA Tour não foram autorizados a participar no evento da Liga Saudita de Golfe», disse o organismo norte-americano em comunicado: «Quem violar os regulamentos estará sujeito a ação disciplinar.»

E alguns dos jogadores que estarão na primeira etapa do circuito também já perderam patrocinadores. É o caso de Dustin Jonhson, ex-número 1 do mundo e atualmente na 13ª posição. O norte-americano, o nome mais sonante entre os que estarão no novo circuito, tinha jurado em fevereiro fidelidade ao PGA Tour, mas entretanto mudou de ideias.

O espanhol Sergio Garcia é outro dos golfistas já confirmados em Londres. Foram anunciados até agora 42 jogadores. Serão 48 no total e ainda pode juntar-se ao grupo Phil Mickelson, multicampeão que foi responsável por uma boa parte da polémica em torno do novo circuito.

«Um registo de direitos humanos horrível»

Em fevereiro, o autor de uma biografia não autorizada de Mickelson divulgou declarações muito controversas do norte-americano a propósito do regime saudita e do PGA Tour. «Sabemos que eles mataram o (jornalista norte-americano) Khashoggi e têm um registo de direitos humanos horrível. Executam pessoas por serem homossexuais», dizia, acrescentando: «Sabendo isto tudo, porquê considerar aderir?  Porque é uma oportunidade única de reformular a forma como o PGA Tour opera. Eles têm-se imposto com táticas manipulativas e coercivas, porque nós, os jogadores, não tínhamos recursos. O dinheiro saudita deu-nos peso.»

As palavras de Mickelson caíram mal em ambos os lados da barricada. O norte-americano apressou-se a pedir desculpa e anunciou uma licença sabática, que o afastou nomeadamente da defesa do título do PGA Championship deste ano. Agora, ainda se aguarda para saber se fará parte do novo projeto.

Quem não tem dúvidas sobre a polémica é Tiger Woods, a grande referência do desporto nas últimas décadas, que se mantém do lado do PGA Tour. «Compreendo diferentes pontos de vista, mas eu acredito em legados. Acredito em grandes campeonatos, em grandes eventos, em comparações com figuras históricas do passado», diz o norte-americano: «Há aí muito dinheiro. O Tour está a crescer. Mas é preciso merecê-lo. É preciso jogar por ele. Temos a oportunidade de tentar. Não está garantido à partida.»

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