Glam faliu com dívidas de 1,5 milhões. Famosos exigem justiça e apontam gestão desastrosa

24 out, 21:46

Relatório da insolvência revela anos de decisões ruinosas, confiança cega entre os irmãos Beatriz e Luís Lemos e suspeitas de ocultação de património. Sofia Ribeiro, Ana Guiomar, Rui Unas e Nelson Évora estão entre os lesados

Durante mais de duas décadas, a Glam Celebrity foi uma das agências mais influentes no agenciamento de figuras públicas em Portugal. Mas em agosto de 2025, a empresa foi declarada insolvente, deixando um rasto de dívidas que ultrapassa 1,5 milhões de euros. Entre os credores estão atores, apresentadores, atletas, bancos, empresas e o Estado.

O relatório da administradora judicial revela uma gestão marcada por decisões comerciais desastrosas, falta de controlo financeiro e uma relação de confiança cega entre os irmãos Beatriz e Luís Lemos, fundadores da agência. “A gerente Beatriz Lemos nunca questionou o irmão acerca da situação financeira da devedora”, lê-se no documento. Já Luís Lemos “nunca foi capaz de contrariar as decisões comerciais da sua irmã, apesar de saber que a situação financeira da Glam não permitia tais decisões”.

A Glam faturava cerca de 3,3 milhões de euros, mas os custos fixos absorviam 2,7 milhões, deixando apenas 600 mil euros para salários, impostos e fornecedores. A estrutura financeira da empresa era frágil e mascarada por “grandes somas de dinheiro na conta bancária principal, que distorciam a realidade financeira da Glam”.

A criação de novas empresas, Glam Music, Glam Models, BOXMNG e Social Buzz, consumiu recursos da Glam e agravou a situação. A maioria acabou dissolvida ou vendida. “As más decisões comerciais traduzidas na criação de novas empresas consumiram elevados recursos da insolvente”, concluiu o relatório.

A relação entre os irmãos é descrita ao Exclusivo como de ascendente absoluto de Beatriz sobre Luís, que alguns agenciados consideram “sem capacidade para gerir uma empresa”. Outros garantem que Beatriz “tratava o irmão como um filho” e confiava-lhe a gestão financeira sem questionar.

Mas essa confiança já tinha sido posta à prova. Em 2019, Luís Lemos foi condenado a dois anos e dois meses de pena suspensa por abuso de confiança, num processo relacionado com outra agência. “Atuou o arguido Luís Lemos de forma livre, voluntária e consciente com intenção de se apropriar das quantias supramencionadas, integrando-as na esfera jurídico-patrimonial da sociedade, contra a vontade dos assistentes, causando-lhes prejuízo patrimonial”, lê-se na sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os lesados foram Joana Santos, Maria João Bastos, Nuno Lopes, Pedro Górgia e Rita Blanco, num total de 53 mil euros.

Apesar da condenação, Luís continuou como responsável financeiro da Glam até abril de 2025, quando Beatriz comprou a parte do irmão. A insolvência foi declarada quatro meses depois. “O Luís queria sair em abril, mas não obteve resposta”, afirmou a deputada Dália Miranda, ex-mulher de Luís Lemos, envolvida nesta polémica familiar.

Do património da Glam sobraram apenas 3.348 euros numa conta bancária. Mas a advogada dos lesados, Luísa Assunção, acredita que há mais a recuperar. “Entendo que há créditos que devem reingressar no património da sociedade insolvente para depois os credores serem pagos. Tenho fortes expectativas de recuperar a totalidade do nosso crédito”, afirmou.

A mesma advogada levanta dúvidas sobre movimentações suspeitas antes da insolvência, incluindo a passagem de duas casas para o nome de Dália Miranda - uma moradia em Gaia avaliada em 141 mil euros e outra na Afurada, de 189 mil euros. Dália garantiu que os negócios são seus e que é ela quem paga. Mas a advogada alerta: “Se conseguirmos demonstrar que determinado divórcio e partilha de bens são simulados, a consequência será a anulação da partilha e os bens voltam para a esfera patrimonial da pessoa”.

Dália explora atualmente dois alojamentos locais no Porto e admitiu que Luís Lemos “ajuda porque é o pai da filha”. Durante a reportagem, foi visto a entrar na casa da ex-mulher, no carro dela. “Ele cuida da minha filha, vai estar sempre lá em casa”, afirma Dália.

Beatriz Lemos, por sua vez, falou apenas através do advogado, Paulo Cerqueira, que garantiu que “a gestão financeira não estava a seu cargo” e que “ela se dedicava à parte comercial”. Luís Lemos, em resposta escrita, afirmou: “Fui responsável porque nunca me opus às decisões tomadas. Limitava-me a fazer pagamentos conforme iam recebendo as respetivas faturas. Não tenho qualquer formação na área financeira”.

Apesar de afirmar que abandonou a vida empresarial, Beatriz Lemos mudou o nome da página da Glam no Instagram para House of Talents, onde continuou a promover agenciados. O contacto era o dela. Após o início da reportagem, a página foi apagada.

Entre os famosos lesados, há quem fale em traição e indignação. “Esperava honestidade, lealdade e respeito”, afirmou a atriz Ana Guiomar. Já o atleta Nelson Évora sublinhou: “Lamento ter de tornar esta situação pública, mas considero essencial defender a transparência e o cumprimento de compromissos profissionais”.

O Exclusivo sabe que já foram apresentadas queixas-crime.

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça