"A minha vida ficou de pernas para o ar. A minha mãe disse: 'Passei a maior parte do dia na esquadra da polícia. O teu pai drogou-me para me violar com estranhos. Obrigaram-me a ver as fotografias'", contou Caroline Darian
A filha de Gisèle Pélicot, mulher violada mais de 90 vezes por cerca de 70 homens diferentes ao longo de uma década, falou pela primeira vez em tribunal esta sexta-feira desde que começou o julgamento do pai e de cerca de 50 homens que contactou para violarem a mulher.
Caroline Darian, de 45 anos, descreveu o pai, Dominique Pélicot, como "um dos piores criminosos sexuais dos últimos 20 anos".
"Como é que é suposto reconstruirmo-nos quando sabemos" o que ele fez, disse Darian, citada pela AFP.
Em tribunal, a filha de Gisèle lembrou o momento em que, a 2 de novembro de 2020 soube que o pai tinha convidado mais de 70 homens, entre 2011 e 2020, para violar a sua mulher enquanto esta estava inconsciente.
"A minha vida ficou de pernas para o ar. A minha mãe disse: 'Passei a maior parte do dia na esquadra da polícia. O teu pai drogou-me para me violar com estranhos. Obrigaram-me a ver as fotografias'", contou Caroline.
"Foi aquilo a que se chama um ponto de viragem, o início de uma lenta descida ao inferno onde não fazemos ideia de quão baixo nos vamos afundar. Não sabíamos o que nos estava a acontecer".
A AFP conta que Caroline saiu em lágrimas do tribunal esta terça-feira ao fim de 20 minutos de audiência, após o juiz ter referido que foram encontradas imagens adulteradas de si, nua, numa pasta com o nome "ao redor da minha filha, nu".
O caso
Segundo a polícia, Dominique Pélicot esmagava comprimidos para dormir e para a ansiedade, misturando-os no jantar ou no vinho da mulher na casa de ambos em Mazan, uma cidade com seis mil habitantes na Provença.
O marido recrutaria depois outros homens para violar e abusar sexualmente da companheira, recorrendo a plataformas digitais cujos membros assumiam a fantasia de levar a cabo atos sexuais não consentidos.
Os homens eram instruídos a não usarem qualquer tipo de fragrância e a não fumarem, para não correrem o risco de a mulher se aperceber da sua presença. Além disso, tinham a indicação para abandonar a casa se ela mexesse sequer um braço, explicaram os investigadores.
O pensionista acabou detido em novembro de 2020, depois de ter sido apanhado por uma câmara de videovigilância a filmar por baixo das saias de mulheres num supermercado.
A polícia encontrou depois uma pasta chamada “abusos” numa pen que estava ligada ao computador do principal arguido. Nela encontravam-se mais de 20 mil imagens e vídeos da sua mulher a ser violada cerca de uma centena de vezes.
Os registos mostram que o francês terá obtido 450 comprimidos para dormir em apenas um ano. Desde que foi detido, declarou-se sempre culpado.
Além de Dominique Pélicot, a lista dos 50 homens que vão a julgamento inclui um conselheiro local, enfermeiros, um jornalista, um antigo polícia, um guarda prisional, um soldado e um bombeiro. Viviam todos perto de Mazan. Estes homens tinham entre 26 e 73 anos na altura em que foram detidos.
Muitos dos acusados rejeitaram as acusações, explicando à polícia que não faziam ideia de que a mulher não autorizava aqueles atos sexuais e acusando Dominique de os ter enganado.
Segundo os investigadores, a mulher era drogada “até quase a um estado de coma”, daí que não tivesse qualquer memória desses atos. Quando soube deles, ficou devastada, explicaram.
A mulher acreditaria ter uma doença sem explicação e chegou a consultar vários médicos, sempre acompanhada pelo marido, que atirava as culpas para o cansaço de ter de tomar conta dos netos. Outros familiares, incluindo os filhos, chegaram a suspeitar tratar-se de Alzheimer.