Beatrice passou a ser "a advogada do diabo". E o diabo, diz, "é um bom francês, não é psicopata nem imigrante" - como o caso de Gisèle Pélicot vai além do julgamento

CNN Portugal , DCT
28 nov, 13:16
Gisèle Pélicot

Este caso mostrou que há muitos outros Dominique Pélicot, homens franceses, com famílias, a cometer crimes como este

Beatrice Zavarro aceitou defender o que para um país inteiro - e mundo - parece impensável. Mas fê-lo. No dia do seu aniversário, assumiu o papel de “advogada do diabo”, como a própria assume, num dos mais chocantes casos da história de França. O diabo é Dominique Pélicot, homem que violou e permitiu que a sua mulher, Gisèle Pélicot, fosse violada por 50 homens durante dez anos. 

Zavarro sabia que saíria derrotada neste processo, que acabou por fazer correr tinta em todo o mundo. Ainda assim, manteve-se convicta daquele que diz ser o seu propósito: defender “o ser humano”. E o ser humano é Dominique Pélicot, também “o diabo” que a colocou a si e a ele “contra o mundo”, um diabo que tinha numa pen mais de 20 mil imagens da mulher a ser violada por desconhecidos, completamente inconsciente. “Este vínculo que criámos gerou em mim uma enorme solidão, que pesa muito”, admitiu a advogada, citada pelo Le Monde.

Mas a entrada de Beatrice Zavarro em cena colocou o caso de Gisèle Pélicot num outro nível. A advogada nunca quis fazer de Dominique Pélicot a vítima, levou mesmo a que o agora acusado reconhecesse tudo o que fez - “nem sequer pediu liberdade condicional durante todo este tempo” - e mostrou que o “diabo” que dizem que defende pode estar em qualquer lado: “O violador comum é o bom francês, não é psicopata nem imigrante.” São aquilo a que os franceses chamam “Monsieur Tout-le-Monde”. “Eles têm irmãos e irmãs, vizinhos, parceiras, filhos. São pedreiro, jardineiro, jornalista, precário, enfermeiro, soldado, engenheiro, guarda prisional, reformado, bombeiro, vereador... Não têm patologia mental e, na sua maioria, parte, sem antecedentes criminais”, como se lê no jornal La Provence.

O sal foi, assim, colocado na ferida de um país que tende a catalogar aqueles que chama de criminosos. E Zavarro mostrou ainda que há muitos outros Dominique Pélicot, homens franceses, com famílias, a cometer crimes como este. “Alguns [dos homens que violaram Gisèle] dizem que foram drogados por [Dominique] Pélicot, que foram manipulados, que ele foi violento... Ele ameaçou alguém? Não. Trancou a porta da casa? Não. É responsável pelas ações de cada um deles? Não”, disse Beatrice Zavarro durante o julgamento, que terminou com o pedido do Ministério Público francês para que Dominique fosse condenado à pena máxima de prisão efetiva, um pedido que surgiu no dia de aniversário do acusado.

Joan Kwai, de 26 anos, não assistiu ao nascimento da filha porque estava na casa de Pelicot a violar Gisèle. Foi detido enquanto servia o exército francês. Jean-Pierre Maréchal, de 63 anos, não violou Gisèle, mas assistiu a várias das suas violações para ele mesmo violar a sua mulher e permitir que outros homens também o fizessem. São quase todos de Mazan, a pequena vila com cerca de seis mil habitantes onde os crimes de violação aconteceram, lê-se no The Telegraph.

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