A União Europeia falhou. Tentou, mas falhou. Há dois anos, em pandemia, fez o que nunca tinha feito para travar a ascensão da extrema-direita e com medo de Itália. Agora, a extrema-direita ascende… e em Itália. Depois de se afirmar na Suécia, de crescer em França, de se normalizar na Alemanha. E com uma Alemanha à beira da recessão, uma inflação espiralada, os mercados a lançar as garras e o euro a roer as unhas - a pergunta avançada é: como vai o núcleo da UE aguentar e com que custo periférico, incluindo para Portugal? É que… viu os juros hoje? Não são esses, os da Euribor você sabe-os de cor – são os outros, aqueles onde o diabo tece, os que olhávamos em 2011, os das obrigações das dívidas públicas a dez anos. Viu?
Hoje à tarde: Itália 4,5%. Grécia 4,7%. Espanha 3,3%. Portugal 3,2%. França 2,7%. Alemanha 2,1%.
Há um ano: Itália 0,8%. Grécia 0,8%. Espanha 0,4%. Portugal 0,3%. França 0,1%. Alemanha -0,2%.
São os juros mais altos em cinco anos. São indicadores de risco tal como são percebidos pelos mercados. E os mercados, os “filhos da mãe” que adoramos odiar, têm humores nervosos. Incluindo hoje.
Os juros hoje subiram porque Itália é um susto. Um susto político que numa década oscila do populismo fino de esquerda para o ultranacionalismo grosso de direita. Um susto financeiro pela dívida pública Gulliver. Um susto social, de quem vota no ou-vai-ou-racha. Meloni diz tantas coisas e os seus contrários que só se conhecerá depois de abrir. É uma antieuropeísta equívoca no alinhamento com Bruxelas, que com Salvini e Berlusconi forma um trio mata-e-esfola que sobe ao poder.
Quando, no verão de 2020, a UE armou uma bazuca e, sobretudo, quebrou o tabu das emissões de dívidas conjuntas, não o fez por uma paixão à segunda vista pelo sul e pelo leste. Fê-lo por pavor político do crescimento da extrema-direita antieuropeísta e por um medo específico de Itália, o país que mais dinheiro então recebeu, o país demasiado grande – política e financeiramente – para falhar sem nisso arrastar tudo o resto.
O plano falhou. Os antieuropeístas raivosos crescem, a Itália que não ata o crescimento nem desata a dívida elege Giorgia Meloni, partidos como o Vox em Espanha exultam, partidos de direita tradicional rendem-se a emparelhar com cavalos de corrida extremistas.
Mas olhe o verbo: “elegeu”. Ao contrário de Mario Draghi, que foi escolhido, Giorgia Meloni foi eleita. O que defende é-nos politicamente abominável, mas atacá-la com sobranceria moral será também estupidificar os italianos que a elegeram. E como a Europa são povos, não é insultando nem ameaçando com represálias que se conquista, antes se repele.
É paradoxal que, no momento em que o Ocidente se une em torno da NATO contra a Rússia, a União Europeia se esfarele.
Quando Alexis Tsipas ganhou as eleições na Grécia, pelo Syriza, foi chamado à Alemanha. Entrou radical de esquerda, saiu social-democrata alinhado. Só que Itália não é a Grécia, nem é o Portugal das “contas certas” com Passos ou com Costa, Itália tem outra força política e, com Meloni, terá agora outros amigos, a Polónia e a Hungria. Como escreveu hoje Steven Forti no El Pais, enfrentamos “um cenário polaco, resumível na tríade atlantismo-soberanismo-ultraconservadorismo”, em que Meloni fortalecerá o eixo dos países de Visegrado contra Bruxelas, no que, resume Forti, será “Itália, capital Varsóvia”. Muda tudo.
Há outra novidade: a Alemanha está agora em crise, enquanto potência política, depois da vergonha de ficar subjugada ao gás russo, e em recessão económica, o que a tornará mais ensimesmada. Não por acaso, veio de Paris – não de Berlim - a reação mais determinada sobre Itália.
A UE está em profunda reconfiguração desde a saída do Reino Unido, o que fortaleceu o eixo Paris-Berlim, Berlim que agora esmaece. Com esta inflação, com os juros a metralhar, com estas montanhas de dívidas e baixos crescimentos, não é possível não temer pelo futuro do projeto europeu. Os resgates de 2010/2011 não se repetirão, a UE mudou muito e hoje o problema já não são só países pequenos – veja como Espanha está a pagar juros mais altos que Portugal. As soluções serão diferentes, mas o problema é maior.
Ao eleger os Fratelli d’Italia (FdI), o país virou a mesa e deu um murro na União Europeia. Provavelmente, a UE vai usar os apoios financeiros como forma de pressão, mas não tem força para domar este leão, que por sua vez usará a seu favor o risco sistémico, é grande de mais para ser deixado cair. Entretanto os juros sobem e o BCE procura fórmulas de prevenção a resgates e a juros desembestados nos mercados. Se desembestarem, levam tudo à frente e vai tudo atrás. Incluindo Portugal, cujo plano parece ser o do costume, ser bom aluno, superar Espanha, descer a dívida pública.
Vamos voltar a acordar com medo dos juros, porque continuamos pendentes e dependentes. O que se passa em Itália ecoa cá e, mesmo se não votámos FdI, ou os juros param de subir ou, constando nas listas vermelhas dos ceticismos financeiros, também acabamos FdIdos.