Homens musculados também podem desenvolver distúrbios alimentares

CNN , Por Madeline Holcombe
19 mar 2022, 22:00
Distúrbio alimentar (CNN Internacional)

Quando Ryan Sheldon contou à família que padecia de um distúrbio alimentar, esta ficou confusa. Quando falou sobre isso com o médico, este disse-lhe que não se apercebeu porque nunca pensou que Ryan estivesse em risco.

E quando começou a falar em público da sua experiência, um membro da plateia – também médico – levantou-se para dizer que Sheldon fora mal diagnosticado pelo facto de não ser extremamente gordo nem magro.

Ryan Sheldon, de 34 anos, presidente do programa de embaixadores da Associação Nacional de Distúrbios Alimentares, debate-se com problemas relacionados com a autoimagem desde os oito anos. Quando esses problemas se tornaram um distúrbio alimentar concreto, teve dificuldade em identificá-lo e em pedir ajuda, em parte devido ao estereótipo de que os distúrbios alimentares só afetam raparigas adolescentes.

É uma crença nociva e falsa, pois um em cada três distúrbios alimentares afetam homens ou rapazes, disse Stuart Murray, um professor-adjunto de psiquiatria e ciências comportamentais na Universidade do Sul da Califórnia e diretor do Laboratório de Pesquisa Translacional em Distúrbios Alimentares. Somente nos Estados Unidos da América, dez milhões de homens serão afetados por distúrbios alimentares a uma dada altura da vida, segundo a Associação Nacional de Distúrbios Alimentares.

Como a organização vai iniciar a campanha de consciencialização na Semana Nacional de Distúrbios Alimentares, os peritos vão explicar o impacto dos distúrbios alimentares nos homens e nos rapazes e por que razão são muitas vezes excluídos.

Como funciona um distúrbio alimentar

Quando pensamos em alguém com um distúrbio alimentar, pensamos numa rapariga ou numa mulher, que restringe alimentos, faz exercício de forma obsessiva ou come desmesuradamente em segredo e vomita.

Os homens podem viver o distúrbio alimentar dessa forma, disse Blake Woodside, o diretor médico emérito do programa de distúrbios alimentares do Hospital Geral de Toronto e professor no departamento de psiquiatria na Universidade de Toronto.

Mas os homens também sentem a pressão de corresponder a alguns tipos de corpos masculinos que a sociedade considera aceitáveis, como o super-herói musculado e o cromo informático magro, disse Woodside.

Alguns destes ideais incentivam os homens a limitar a sua contagem de calorias, mas outros fazem o oposto e encorajam treinos excessivos, o consumo de proteína em excesso e o restringimento de nutrientes como os hidratos de carbono e as gorduras, disse Murray.

Quando é que o interesse em manter um certo tipo de físico se torna um distúrbio alimentar? Isso acontece quando o nosso comportamento e interações começam a ser comandadas pelas restrições impostas por nós para um corpo ideal, disse Murray.

“O parâmetro deve ser este: isso afeta a capacidade das pessoas de ter uma vida normal e funcional?”, disse ele.

Porque é que são difíceis de tratar?

Se os homens são muito afetados pelos distúrbios alimentares, porque é que não ouvimos falar nisso? Estigma e exclusão.

Apesar de a anorexia nervosa ter sido primeiro identificada em rapazes e raparigas no século XIX, Murray disse que os rapazes foram excluídos da pesquisa e dos critérios de diagnóstico.

Até recentemente, as mudanças nos seios e a perda de menstruação foram fundamentais para diagnosticar distúrbios alimentares, disse Murray. Apesar de os critérios terem mudado desde então, os homens e os rapazes continuam excluídos da maioria das pesquisas em distúrbios alimentares, acrescentou ele.

Essa exclusão pode, muitas vezes, levar ao estigma, pois os homens e os rapazes – bem como os que os rodeiam – não reconhecem o seu comportamento ou hesitam em pedir ajuda pelo facto de acreditarem que, ao admitirem que podem padecer de um distúrbio associado a mulheres, pode pôr em causa a sua masculinidade.

Para agravar a situação, o comportamento alimentar desordenado em homens é frequentemente promovido no mundo das redes sociais, disse Murray.

Celebridades e influencers publicam os seus treinos em excesso, juntamente com fotos dos corpos e das refeições de dias livres, que se destinam a enganar os seus corpos para que não entrem em modo de fome, de forma a não queimarem músculo, acrescentou ele.

Sem avaliar o contexto do género, quase todos os médicos classificam esse tipo de comportamento como bulimia. Nos homens, “encaramos isso como uma forma pró-social para ficarem mais musculosos”, disse Murray.

O que podemos fazer?

Muitas famílias e médicos de família ainda não estão familiarizados com os sinais dos distúrbios alimentares em rapazes e homens, disse Murray, portanto, há que começar por saber o que se deve procurar.

Os rapazes adolescentes são “gafanhotos” humanos, que devoram toda a comida que encontram pela frente, disse Woodside. Se repararmos que alguém de quem gostamos altera a quantidade ou a forma como come em público, isso merece especial atenção, disse ele.

Se os homens ou os rapazes da nossa vida fazem grandes mudanças nas atividades e nas relações, talvez seja melhor ver o que se passa, acrescentou Woodside.

A partir daí, há boas e más notícias.

As más notícias? “O campo dos transtornos alimentares tem de tratar rapazes e homens com base em estudos de tratamento que incluíam apenas mulheres. Temos de fazer esta grande inferência de que estamos no caminho certo”, disse Murray.

Mas as boas notícias são que os homens e os rapazes têm bons resultados quando fazem tratamento ao transtorno alimentar, disse Woodside.

A uma dada altura, Sheldon perdeu o emprego, o dinheiro e a relação com o distúrbio alimentar. Foram precisos anos de tratamento especializado e de ajuda de grupos de apoio para que o seu corpo e a sua vida voltassem a entrar nos eixos.

Agora, ele diz que a melhor forma de ajudar homens e rapazes como ele a fazer tratamento, é partilhar a verdade muitas vezes ocultada: que não estão sozinhos.

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