Já esteve numa situação em que conheceu uma pessoa e tudo está a correr bem quando, de repente, eles desaparecem da face da Terra sem aviso e sem qualquer explicação? É nessa altura que percebe que foi ignorado, talvez jurando nunca tratar ninguém como foi tratado.
“O ghosting provavelmente existe desde o início dos tempos, de alguma forma”, afirma Jennice Vilhauer, psicóloga de Los Angeles e autora do livro “Think Forward to Thrive: How to Use the Mind’s Power to Transcend Your Past and Transform Your Life” (Pense no futuro para prosperar: como usar o poder da mente para transcender o seu passado e transformar a sua vida, na tradução).
Mas quando, em meados da década de 2010, começaram a surgir as aplicações de encontros, o ghosting tornou-se ainda mais comum. A sua popularidade levou Vilhauer a escrever um dos primeiros artigos de psicologia sobre o tema, em 2015, e, dois anos depois, a editora Merriam-Webster acrescentou o termo ao seu dicionário. As pesquisas por ‘ghosting’ no Google atingiram o pico em 2019.
Hoje em dia, há milhares de artigos sobre ghosting. Está de tal forma enraizado que muitas pessoas já o antecipam quando conhecem alguém, observa Vilhauer.
Mas isso não significa que ser rejeitado não magoe.
“Somos programados para estar conectados a outras pessoas, e ser rejeitado tem um efeito negativo sobre nós, nomeadamente na forma como nos avaliamos, bem como na nossa perceção de segurança no mundo”, explica Vilhauer. “A dor é tão real quanto uma dor física”, compara.
O ghosting não tem a clareza e a certeza de uma rejeição explícita, que, segundo os especialistas, ajuda as pessoas a processar o que aconteceu, a saber que um relacionamento chegou ao fim e seguir em frente. A ausência dessas coisas pode ser angustiante, especialmente se começar a preencher essas dúvidas com os piores cenários. As pessoas podem tornar-se mais cautelosas, o que é prejudicial para encontrar o amor ou uma nova amizade.
Aqueles que fazem ghosting podem sentir alívio, culpa (até podem sentir estes dois sentimentos ao mesmo tempo), ou apatia, aponta Vilhauer.
Porque é que as pessoas fazem ghost
Vivemos numa época em que a conveniência e a natureza desumana da tecnologia e das aplicações de namoro deixam muitas pessoas desconfortáveis com a partilha de emoções e conversas difíceis, e, ao mesmo tempo, menos responsáveis para com pessoas que sabemos que nunca mais encontraremos pessoalmente, como descrevem os especialistas.
Nas aplicações de encontros, o ghosting pode ser uma maneira simples e eficaz de acabar com um dos vários ‘matches’ encontrados, indica o professor de psicologia Rich Slatcher, da Universidade da Geórgia, EUA. Quanto mais anónima for uma pessoa, mais fácil é desumanizá-la, explica o especialista, acrescentando que não é universalmente claro o quanto devemos a alguém, sobretudo nas fases iniciais de conversa.
Antecipar qual é que será a última mensagem e, ao mesmo tempo, proteger os sentimentos, pode ser um desafio. Algumas pessoas não têm maturidade nem empatia. Outras têm personalidade evitativa e não gostam de interações que possam envolver conflitos, já que as pessoas geralmente reagem mal ao ouvir palavras como “Não quero sair mais contigo nem voltar a falar contigo”, explica Slatcher.
Se tem tendência a fazer ghosting por essa razão, provavelmente está a evitar conflitos noutras áreas da sua vida, teoriza o professor de psicologia. Procurar a ajuda de um terapeuta pode ser o primeiro passo para superar esse hábito.
A decisão de ignorar outra pessoa nem sempre é tomada conscientemente - por vezes, as pessoas simplesmente deixam o problema de lado porque não sentem vontade de lidar com ele no momento e acabam por nunca responder.
“Algumas pessoas são simplesmente péssimas a responder a mensagens e não conseguem dar a volta”, afirma Slatcher.
Quando é aceitável fazer ghosting
Se algumas pessoas pudessem escolher, provavelmente prefeririam ser ignoradas em vez de saber o quanto a pessoa que as deixou não gostava delas, afirma Vilhauer. Mas não é possível prever o que a outra pessoa vai sentir. Assim, se quiser acabar uma relação, seja de amizade ou amorosa, é sempre melhor dizer alguma coisa para que a pessoa do outro lado possa, pelo menos, processar melhor o que se está a passar, aconselham os especialistas.
O motivo mais aceitável para o ghosting é, sem dúvida, em situações de abuso, afirma Vilhauer, sublinhando que sair de um relacionamento abusivo é a parte mais perigosa.
Por vezes, as pessoas “tentaram rejeitar alguém antes, e essa pessoa respondeu com muita raiva ou agressividade, e então têm medo de tentar novamente”, explica Gili Freedman, professora associada de psicologia no St. Mary’s College of Maryland e autora de um estudo divulgado em 2018 sobre ghosting nas amizades. Nesses casos, diz, as pessoas “fazem ghosting para se proteger.”
O ghosting também é aceitável se a outra pessoa tiver comportamentos inapropriados, como enviar fotografias explícitas não solicitadas, aparecer no seu local de trabalho, entrar em contacto com os seus ex-namorados, desrespeitar os seus limites ou até mesmo roubar, acrescenta Vilhauer.
“O que não sabemos é: será realmente essa a estratégia que lhe dá mais segurança? É possível no imediato, sim. Mas, e se voltar a encontrar essa pessoa na rua? O facto de ter desaparecido piora ou melhora as coisas? Não sei”, problematiza o especialista.
Algumas pessoas consideram aceitável fazer ghosting a alguém com quem só saíram uma ou duas vezes, mas os especialistas discordam. Regra geral, o que eles aconselham é enviar uma mensagem rápida como a seguinte: “Foi muito bom conhecer-te, mas não senti uma ligação.”
Se está a pensar ativamente em deixar de falar com alguém, pergunte-se a si mesmo se é realmente necessário ou se apenas quer evitar uma situação embaraçosa. O ghosting vai resolver o problema de uma forma que lhe parece fazer sentido? Sente-se bem com isso?
Quando somos ignorados
Se for a pessoa que acabou por ser rejeitada, Slatcher aconselha a que tente não pensar muito nisso, sobretudo porque essa pessoa provavelmente não está a pensar em si. É claro que isto é mais fácil de dizer do que fazer, admite, mas há muitas maneiras saudáveis de se distrair - praticar exercício, ouvir música ou outros hobbies.
“Quando alguém nos ignora, muitas vezes podemos sentir uma sensação de falta de pertença”, começa por explicar Freedman. “Pode ajudar entrar em contato com outros amigos para se reconectar com eles ou entrar em contato com a família para que reafirme as outras partes da sua vida onde pode ter esse sentimento de pertença e uma ideia mais positiva de si mesmo.”
Slatcher aceita que até possa desabafar sobre o assunto, mas, diz, chega a uma altura em que falar muito sobre isso torna-se um exercício em vão, já que não tem controlo ou conhecimento do motivo pelo qual aquela pessoa deixou de falar consigo.
Pedir uma explicação uma ou duas vezes, se quiser, é aceitável, mas não continue a exigir uma, aconselha Vilhauer. Reconheça que a pessoa está ativamente a escolher não responder — isso já é uma resposta em si, e não deve continuar a escolher alguém que não o está a escolher a si.