Literatura

8 jun 2000, 16:24

Entrevista a Jorge Valdano

«Se as personagens-chave na vida de um miúdo souberem iluminar o que o futebol tem de formativo e obscurecer o que ele tem de perverso, se não lhe permitirem perder o olhar crítico, então é perfeitamente possível converter o futebol numa escola de todas as coisas, como se fez com o tango.» 

- Falemos de outra paixão sua, a literatura. Apesar dos seus esforços, e de outros autores, não lhe parece que esta continua a manter uma relação demasiado superficial com o futebol? 

- Não, a cada dia há maior ligação entre o mundo da cultura e o do futebol. O que se passou em Espanha, com o fenómeno de divulgação que foi a saída da biografia de Dí Stéfano, é um dado importante. E durante o mês de Maio, Javier Marías, um escritor soberbo, lançou também um livro muito interessante sobre o assunto. Acho que estamos cada vez mais próximos do grande livro sobre futebol que, reconheço, ainda não foi escrito. 

- Apetece-lhe escrever esse livro? 

(sorriso) - Não, uma coisa é escrever contos e crónicas, outra bem diferente é escrever romances. Não creio ser a personagem capaz de fazê-lo. Considero-me um homem do futebol, bem mais do que um escritor. Chamaram-me catedrático, filósofo, intelectual... Mas um intelectual é alguém que dedica a sua vida ao pensamento e eu dediquei-a ao futebol. 

- Ainda é possível que hoje um miúdo de seis anos se apaixone pelo universo do futebol com a mesma intensidade que se verificava na sua infância ou na minha? 

- Depende de quem são os intermediários desse sentimento. Depende dos pais, dos primeiros ídolos, dos primeiros treinadores e mestres, da informação que lhe é dada. Se as personagens-chave na vida de um miúdo souberem iluminar o que o futebol tem de formativo e obscurecer o que ele tem de perverso, se não lhe permitirem perder o olhar crítico, então é perfeitamente possível converter o futebol numa escola de todas as coisas, como se fez com o tango.

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