Decisão teve sete votos a favor e seis votos contra. Presidente do coletivo de juízes refere duas "interpretações antagónicas" na lei apresentada
O Tribunal Constitucional deu razão ao Presidente da República e voltou a declarar a inconstitucionalidade da lei que prevê a despenalização da morte medicamente assistida (eutanásia). Trata-se do terceiro decreto aprovado pelo Parlamento sobre o tema, sendo a segunda vez que os juízes do Tribunal Constitucional declaram inconstitucionais os projetos dos partidos, depois de dois pedidos de fiscalização preventiva por parte de Marcelo Rebelo de Sousa - que devolveu a lei ao Parlamento.
O presidente do Tribunal Constitucional explicou que o coletivo de juízes - que chumbou a lei numa votação de sete votos contra a lei e seis a favor - tinha a expectativa de que fossem inseridas as modificações pedidas anteriormente, o que, segundo João Caupers, não aconteceu. "Tendo embora desenvolvido esforços no sentido da densificação e clarificação de alguns conceitos utilizados, o legislador optou por ir mais além, alterando em aspetos essenciais o projeto anterior. Tal opção teve consequências", afirmou o magistrado.
João Caupers revelou que o problema está na formulação que tipifica o sofrimento, e que se refere a sofrimento de índole "física, psicológica e espiritual". Entendeu a maioria do coletivo de juízes que a utilização da conjunção "e" coloca uma dúvida sobre se a exigência daquelas caraterísticas é cumulativa, ou se se verifica em cada um dos casos. Na prática, o Tribunal Constitucional pretende ver esclarecido se, para recorrer à eutanásia, uma pessoa tem de sofrer daquelas três caraterísticas, ou se pode sofrer de apenas uma das três.
O responsável sustentou que, dessa forma, o legislador "fez nascer a dúvida, que lhe cabe clarificar, sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)".
“Foi criada, desta forma, uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei", declarou.
João Caupers afirmou que o TC tinha considerado, numa anterior pronúncia, "que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias e que as condições em que é legalmente admissível a morte medicamente assistida têm de ser «claras, antecipáveis e controláveis» (Acórdão n.º 123/2021), cabendo ao legislador defini-las de modo seguro para todos os intervenientes”.
O juíz referia-se ao primeiro acórdão, de março de 2021, que também declarou inconstitucional uma anterior versão do diploma.
Na sequência daquele acórdão, notou João Caupers, a Assembleia da República aprovou uma nova versão da lei relativa à morte medicamente assistida não punível e “a expectativa do Tribunal era a de que nela tivessem sido introduzidas as modificações insinuadas naquele aresto”.
“Comprovou o Tribunal que o legislador, tendo embora desenvolvido esforços no sentido da densificação e clarificação de alguns conceitos utilizados na versão anteriormente fiscalizada, optou por ir mais além, alterando em aspetos essenciais o projeto anterior”, salientou.
Admitindo que, ao fazê-lo, o parlamento “limitou-se a exercer as competências que a Constituição lhe atribui”, João Caupers observou que tal opção "teve consequências, pois implicou que o Tribunal, chamado a pronunciar-se e aplicando a Lei Fundamental, houvesse de proceder a uma nova fiscalização, incidindo sobre as normas alteradas que foram objeto do pedido do Presidente da República”, disse.
Esta é a segunda vez que o Tribunal Constitucional chumba um decreto sobre o tema da morte medicamente assistida. A primeira vez foi em março de 2021, altura em que os juízes deram razão às dúvidas levantadas pelo Presidente da República quanto aos “conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida, e consagra a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar".