Tensões com a Rússia preocupam antigos astronautas dos EUA quanto à parceria no espaço

CNN , Kristin Fisher
2 fev 2022, 17:00
Uma imagem da Estação Espacial Internacional captada pela Crew Dragon Endeavour da SpaceX, 423 quilómetros acima do Oceano Pacífico, em novembro de 2021. Foto: NASA

Há mais de duas décadas que a Estação Espacial Internacional transcende os problemas políticos terrestres entre os Estados Unidos e a Rússia. Mas alguns antigos astronautas da NASA, que passaram meses a flutuar ao lado de cosmonautas russos, estão preocupados que a atual crise na Ucrânia possa acabar com a parceria EUA-Rússia no espaço

A EEI, que é uma colaboração entre os EUA, a Rússia, o Japão, o Canadá e a Agência Espacial Europeia, permaneceu até agora afastada da batalha geopolítica que fervilha na fronteira da Ucrânia, embora o chefe da agência espacial russa Roscosmos, Dmitry Rogozin, tenha recentemente falado em “ventos frios que agora sopram de Washington e de Bruxelas”, segundo o grupo de notícias do estado, a TASS.

“Assusta-me pois penso que, se isto se transformar numa guerra, será difícil a EEI sobreviver”, disse à CNN o antigo astronauta da NASA Garrett Reisman.

O administrador da NASA, Bill Nelson, está confiante de que a Estação Espacial Internacional permanecerá afastada da política global, especialmente depois de a Administração Biden ter anunciado em dezembro que está empenhada em alargar as operações até 2030. A Rússia, no entanto, ainda não se comprometeu com esta extensão de seis anos da Estação Espacial Internacional.

“As conversas com a NASA para alargar a operação da EEI até 2030 estão a decorrer”, disse Rogozin à TASS, em janeiro.

“Pode haver problemas políticos”, disse Nelson em entrevista à CNN. “Mas no que toca ao programa espacial civil e à nossa cooperação, nunca houve problemas e espero que continue assim”.

Quando, em 2014, a Rússia ocupou e posteriormente anexou a Crimeia (uma manobra não reconhecida pelos Estados Unidos), os astronautas da NASA Rick Mastracchio e Steve Swanson estavam a bordo da Estação Espacial Internacional. Eles dizem que no Controlo da Missão em Houston, ninguém mencionou as tensões existentes.

“Ninguém falou sobre isso. Era mesmo como se não estivesse a acontecer”, disse Swanson à CNN. “Nós estávamos a tratar das nossas coisas habituais e não nos preocupámos com isso.”

Mas Mastracchio diz que falaram com os colegas cosmonautas sobre a turbulência política que estava a acontecer 400 quilómetros abaixo deles.

“Ninguém apontou o dedo a ninguém, não houve acusações nem ‘quem está certo ou errado’. Apenas discutimos diferentes pontos de vista”, diz ele.

Mas mesmo se chegasse ao ponto de haver uma divisão da estação espacial, uma separação no espaço é mais fácil de dizer do que de fazer. Os astronautas e os cosmonautas dependem uns dos outros e dos respetivos equipamentos, enquanto vivem e trabalham no perigoso vácuo do espaço sideral.

“O segmento russo não pode funcionar sem a eletricidade do lado norte-americano, e o lado norte-americano não pode funcionar sem os sistemas de propulsão que estão do lado russo”, disse Reisman. “Portanto, não podemos ter um divórcio amigável. Não podemos fazer uma desvinculação consciente.”

A complexa interdependência até se estende ao abastecimento de água na estação.

“Na verdade, reciclamos a urina dos cosmonautas para o nosso lado ter mais água para beber”, disse Swanson. “Isso transcende a política. Isso é sobrevivência.”

“Sempre foi problemático ir pedir a alguém para usar um depósito de urina”, disse Mastracchio.

É um tipo de vínculo difícil de duplicar na Terra, e é parte da razão pela qual o administrador da NASA descreve a estação como uma "referência na pacífica colaboração científica internacional”.

“Sempre que tivemos problemas políticos com o governo da Rússia, os astronautas e os cosmonautas não perdem o ritmo”, disse Nelson.

Mas os políticos russos já ameaçaram usar a estação como moeda de troca durante crises geopolíticas anteriores. 

Quando impuseram sanções à Rússia após a anexação da Crimeia, em 2014, os EUA dependiam inteiramente dos foguetes russos Soyuz para enviar os astronautas da NASA para a estação espacial e fazê-los regressar em segurança a casa.

“Depois da análise às sanções contra a nossa indústria espacial, sugiro que os EUA usem um trampolim para levarem os seus astronautas para a EEI”, disse Rogozin, na altura vice-primeiro-ministro da Defesa da Rússia, num tweet na época.

Mastracchio, que estava a bordo da estação quando Rogozin fez essas observações, diz que “pessoalmente, não ficou preocupado”, mas que a família dele temeu “que ele ficasse preso no espaço porque os russos não o levariam de volta a casa.”

No entanto, as ameaças de Rogozin nunca se materializaram, e as operações na estação prosseguiram, sem interrupções, durante a crise de 2014.

Desde então, uma empresa privada norte-americana desenvolveu o seu próprio veículo de lançamento - o foguete Falcon 9 da SpaceX e a cápsula Crew Dragon – o que reduziu drasticamente a dependência da NASA face à Rússia. Os Estados Unidos também estão a tentar estender essa parceria no espaço até a Lua com o novo programa Artemis da NASA. Mas, até agora, a Rússia recusou-se a participar e, em vez disso, planeia juntar-se à China.

O embaixador da Rússia na China anunciou na terça-feira que um acordo para construir uma base na Lua “está praticamente terminado e parece que pode ser assinado em breve”, segundo a TASS.

O possível acordo com a China, aliado à crise na Ucrânia e ao recente teste russo com um míssil antissatélites, pode ser o início do fim da aliança EUA-Rússia nos voos espaciais civis, que vigora sem interrupções desde 1975. 

“Infelizmente, acho que está destinada a acabar”, disse Reisman.

Mas o administrador da NASA está mais otimista, descrevendo a parceria como “uma das histórias verdadeiramente notáveis ​​do nosso tempo”.

“É verdadeiramente incrível que, quando a política em terra firme nos leva a estar em desacordo uns com os outros, nós, terráqueos, possamos superar isso através de um programa espacial civil comum e cooperar de forma tão maravilhosa”, disse Nelson.

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