Decisão marca um retrocesso em relação a um caso judicial que legalizou o aborto em todo o país há quase 50 anos
O Supremo Tribunal dos Estados Unidos reverteu esta sexta-feira uma decisão sobre o direito ao aborto, que dita uma mudança na lei e deixará de proteger constitucionalmente uma mulher que faça um aborto.
Esta decisão vai dar início a novas regras que limitam ou proíbem o acesso ao procedimento de alguns estados, em alguns deles de forma imediata.
Esta decisão vai contra o decidido em 1973, há quase 50 anos, no caso Roe vs Wade. A votação passou com os votos da maioria de juízes conservadores (seis contra três).
O caso Jane vs Roe surgiu depois de uma mulher que engravidou na sequência de uma violação ter vencido um caso num tribunal do condado de Dallas, no estado do Texas. A mulher, Norma McCorvey, venceu contra o representante do estado, Henry Wade, que se opunha à legalização do aborto. A decisão acabou por reconhecer o direito ao aborto em todo o país, ao abrigo da 14.ª Emenda Constitucional.
A decisão é o culminar de vários anos de esforços dos grupos anti-aborto, sendo que esta decisão acabou por ganhar força com a nomeação de três juízes por parte do anterior presidente, Donald Trump. É que os nove juízes do Supremo Tribunal têm cargo vitalício, o que acabou por dar uma maioria conservadora na mais alta instância dos Estados Unidos.
Na prática, e a partir de agora, caberá a cada estado decidir se vai ou não proibir o aborto, o que deve acontecer nos locais mais conservadores, sobretudo no sul do país e no Midwest, onde já existem grandes entraves à realização deste procedimento. Por exemplo, no Texas, já é proibido o aborto assim que a atividade cardíaca é detetada, o que acontece geralmente por volta das seis semanas de gestação, quando, muitas vezes, a mulher ainda não sabe se está grávida.
Ainda antes desta decisão, o Centro para os Direitos Reprodutivos estimava que 24 estados poderiam adotar a proibição: Alabama, Arizona, Arkansas, Georgia, Idaho, Indiana, Kentucky, Louisiana, Michigan, Mississippi, Missouri, Nebraska, Carolina do Norte, Dakota do Norte, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah, West Virginia e Wisconsin. O Instituto Guttmacher, que promove a investigação em saúde e direitos reprodutivos, diz mesmo que podem ser 26 os estados a avançar com a proibição, numa lista sem a Carolina do Norte e a Pensilvânia, mas com a Florida, o Iowa, o Montana e o Wyoming.
Na prática, e a julgar pelos dados estatísticos da população dos Estados Unidos, cerca de 80 milhões de mulheres poderão ver proibido o direito ao aborto.
Decisão já esperada
O acórdão aprovado esta sexta-feira surge mais de um mês depois de ter surgido um esboço da opinião do juiz Samuel Alito, que já indicava que o tribunal se preparava para dar um passo neste sentido. Precisamente por esperarem a decisão, ativistas anti e pró-aborto juntaram-se desde manhã em frente ao Supremo Tribunal para se manifestarem. Numa das fotografias do dia são representados os seis juízes conservadores com cartazes pejorativos.
No documento de 98 páginas o juiz conservador Samuel Alito, nomeado pelo presidente George W. Bush, considerava que a decisão no caso Roe vs Wade “é totalmente errada desde o início”. No texto, o magistrado foi mais longe, dizendo que o direito ao aborto “não está protegido por qualquer disposição da Constituição” norte-americana e, por isso, a decisão devia ser revogada. .
“A sua fundamentação foi excecionalmente fraca e a decisão teve consequências danosas. Ao invés de ter trazido um consenso para a questão do aborto, inflamou o debate e aprofundou a divisão. (...) A Constituição não proíbe os cidadãos de cada Estado de regular o aborto. A decisão Roe vs. Wade arrogou essa autoridade. Agora, nós anulamos essa decisão e devolvemos essa autoridade ao povo e aos seus representantes eleitos”, escreveu Samuel Alito.
A reversão do caso Roe vs Wade marca a segunda decisão em dois dias favorável a uma maioria conservadora, depois de os mesmos seis juízes terem decidido que transportar armas em público é um direito fundamental dos norte-americanos.