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Açores: a geringonça de direita tem medo da geringonça de esquerda 

9 mar 2023, 21:40

A crise política nos Açores é mais política do que propriamente crise. 

Empoleirada no alheamento dos partidos nacionais à sua circunstância e no desinteresse geral do continente à sua especificidade, a paisagem política açoriana serviu para tudo ao longo das últimas 24 horas: quem quis dramatizar dramatizou, quem procurou ares de responsabilidade assim o fez e até o silêncio dos que estiveram calados passou despercebido. 

Lisboa nacionaliza o que se passa na Assembleia Regional porque não conhece ‒ nem quer conhecer ‒ o que se passa no arquipélago, além do uso que lhe possa dar para retórica nacional. Mas fora do utilitarismo dos nossos políticos há uma realidade merecedora de análise nas regiões autónomas. 

À primeira vista, naturalmente, pareceu uma loucura. Um dia depois de a Inspeção-geral de Finanças confirmar que uma ilegalidade foi cometida na TAP, a Iniciativa Liberal – o partido mais dedicado ao escrutínio à companhia área ‒ gera um facto político e rompe com o acordo parlamentar que sustentava o governo PSD/CDS/PPM, nos Açores. 

Lá estão os liberais outra vez, depois de não atinarem nas autárquicas em Lisboa, a comprometerem uma solução política que retirou o PS do poder. A posição de Rui Rocha nas eleições internas do partido ‒ contra a inclusão do Chega nessa solução ‒ dava-o a entender. 

À segunda vista, não é assim tão simples. Descentralizando a perspetiva, a história tem mais que se lhe diga. No mínimo, seria ingénuo responsabilizar a IL como fator de instabilidade único na governação açoriana. Ventura já ameaçara rasgar o assinado mais do que uma vez e perdera um deputado para a tribuna dos não-inscritos. 

Mesmo a orgânica interna do executivo não é fácil, com um vice-presidente (do CDS) quase todo-poderoso e um presidente (do PSD) avesso ao conflito. Para não falar no estado de descapitalização do Serviço Regional de Saúde (confesse lá, caro leitor, que nem sabia que tal coisa existisse), com um problema de dívida em mãos. 

A saída recente do secretário regional da Saúde tem tanto de desgaste ‒ atravessou quase toda a pandemia ‒ como de divergência, tendo descongelado carreiras sem unanimidade entre as chefias do governo. A influência desproporcional do PPM (sim, caro leitor, o PPM) na coligação, por via do seu domínio sobre o Corvo e as Flores, também é outro fator de instabilidade a ter em conta. Nesse e noutros aspetos, os Açores deixaram de ser socialistas em 2020, mas não deixaram de ser portugueses em 2023.

Com um orçamento em falta até às próximas eleições (para o ano) e com o PS sem pressa de ir a votos no imediato, o governo regional dos Açores negociará medida a medida, proposta a proposta, como aliás António Costa fez entre 2019 e 2022, sem grande insucesso para o próprio. 

O percalço desta semana é prejudicial para os Açores, com a privatização da SATA em curso, mas não é desastre nenhum para a direita açoriana. Bolieiro permanece no palácio de Sant’Ana e os liberais emanciparam-se de um governo que não lhes vale mais do que não ser socialista. 

Se escaparão ou não ao abraço de urso do PSD, como o BE e o PCP não escaparam ao do PS, é a questão que fica por responder ‒ mas que já ajuda a explicar melhor o que se passou.

A geringonça de direita, afinal, não ambiciona o destino da sua versão original.

Parece-me compreensível.

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