Revisitar o luxo e encanto do Concorde

CNN , Jacopo Prisco
9 jan 2022, 14:00
Revisitar o luxo do Concorde

Em março de 1969, poucos meses antes de Neil Armstrong ter caminhado na Lua, o Concorde fez o seu voo inaugural. O avião supersónico personificava uma visão do futuro tão ousada como a da Apollo 11, mas muito mais bonita.

Nenhum outro avião capturou a imaginação do público como o Concorde, apesar de apenas 20 terem sido construídos, e de serem operados por apenas duas companhias aéreas. Hoje, quase 50 anos depois, continua a ser um dos mais notáveis feitos de engenharia da humanidade, e uma peça de design verdadeiramente intemporal.

"Muitos desenhos inspirados pelos sonhos e otimismo da era da aviação a jato conservam o ar da era em que nasceram'', disse Lawrence Azerrad, autor do novo livro "Supersonic: The Design and Lifestyle of Concorde", numa entrevista telefónica.

"Na altura, eram futuristas, agora parecem nostálgicos.

"Mas de alguma maneira, o desenho do Concorde continua a ser futurista, apesar de ter sido criado no início da década de 1960. É uma visão do nosso futuro no nosso passado."

Desenhado pela física

No mundo esteticamente homogéneo dos aviões de passageiros, o Concorde era uma distração arrebatadora. Era diferente de qualquer outro avião, com asas triangulares e um nariz pontiagudo como o de um caça a jato, duas características vantajosas para as viagens supersónicas.

"O desenho do Concorde foi inteiramente motivado pela física", disse Azerrad. "O resultado final até foi bastante bonito, mas não foi essa a intenção que motivou a forma da aeronave. É notável que, sem quaisquer floreados de desenho, tenha acabado por parecer um bonito cisne."

O Concorde fez voos comerciais durante 27 anos, desde 1976 a 2003, e podia viajar entre Londres e nova Iorque em menos de quatro horas. Fruto de uma coprodução britânica e francesa, a aeronave constava das listas de compras das principais linhas aéreas, incluindo Pan Am, Continental, American Airlines, Japan Airlines, Lufthansa e Qantas, quando fez o seu primeiro voo.

 

 

Um dos primeiros anúncios da Pan Am em 1969 com o Concorde.
 

 

"A intenção original do Concorde não era ser a ave exclusiva dos ricos e famosos", disse Azerrad.

"Depois dos aviões a hélice e da era do jato, o voo supersónico era o passo lógico. Todas as companhias aéreas tinham encomendas de aviões supersónicos. Foi apenas quando as objeções políticas e ambientais o tornaram comercialmente insustentável que se tornou uma experiência ultraluxuosa."

A maioria das encomendas foi cancelada após a crise petrolífera de 1973. Apenas a British Airways e a Air France operavam os Concordes, com duas outras companhias aéreas, a Singapore Airlines e a extinta Braniff International Airways, a alugarem-nos para meia dúzia de voos.

O fim trágico do avião teve início a 25 de julho de 2000, quando um Concorde da Air France que partia de Paris pegou fogo durante a descolagem devido a detritos na pista e despenhou-se pouco depois, matando 113 pessoas. Apesar de ser um incidente raro num historial de serviço praticamente imaculado, o acidente obrigou a British Airways e a Air France a manter a frota em terra e a gastar milhões em atualizações de segurança.

O serviço acabou por retomar em novembro de 2001, mas o Concorde não sobreviveu ao impacto que o 11 de Setembro teve na indústria aeronáutica e aos crescentes custos de operação, que fizeram os aviões deixarem de ser rentáveis. O último voo aterrou no Aeroporto de Heathrow a 24 de outubro de 2003.

Merchandising precioso

Azerrad, designer gráfico sedeado em Los Angeles, usa o seu livro para apresentar a sua impressionante coleção privada de objetos do Concorde. Etiquetas de bagagem, brinquedos, talheres, abre-garrafas, fósforos, bases para copos, conjuntos de toilette, carteiras e até frascos de conhaque. O Concorde era uma marca só por si e originou artigos que ainda rendem valores altos no eBay.

 

O voo final do Concorde da British Airways descolou do aeroporto JFK no dia 24 de outubro de 2003.

 

Levar um artigo com a marca para casa fazia parte da experiência. Tudo o que podia ser retirado do avião era levado pelos passageiros como recordação. Alguns destes artigos eram particularmente procurados, como estes desenhados por Raymond Loewy, pai do design industrial, que criou os interiores das cabinas para a Air France.

"Ele usou uma abordagem muito avançada e futurista para a altura, desde o desenho dos bancos, dos encostos de cabeça, os tecidos e, talvez o mais famoso de tudo, os talheres em aço inoxidável, que Andy Warhol era famoso por roubar", disse Azerrad. "Consta a história que (Warhol) perguntou se a pessoa sentada ao seu lado ia levar os seus talheres, ela disse que não e ele ficou com eles."

Um clube social

A experiência do Concorde começava num lounge exclusivo, antes mesmo de os passageiros embarcarem no avião. Com apenas 100 lugares, e bilhetes mais caros do que voar em primeira classe para qualquer outro sítio, o avião rapidamente adquiriu uma aura de exclusividade.

"Era como um clube social no céu", disse Azerrad. "Podíamos ter o Paul McCartney a liderar uma cantoria dos Beatles com o avião inteiro, ou o Phil Collins que ficou famoso por apanhar o avião para tocar no Live Aid no Reino Unido e nos EUA no mesmo dia. E depois a realeza, claro: a rainha, o papa e inúmeros chefes de estado."

 

A sala do Concorde da British Airways no aeroporto JFK em Nova Iorque, em 2003.

 

As janelas eram pequenas para evitar fendas na estrutura, e a fuselagem estreita significava que a cabina era bastante pequena, com um único corredor e apenas quatro lugares em cada fila.

"Mas como era marcadamente um caça a jato que transportava 100 pessoas, o tamanho até era notável. O principal era a velocidade, pelo que parecia muito mais um pequeno carro desportivo do que uma poltrona voadora", disse Azerrad.

A emoção de atingir Mach 2, ou cerca de 2000 km/h, era claramente visível nos três grandes mostradores de velocidade e altitude colocados em destaque na antepara (não havia ecrãs nos apoios de cabeça nem sistemas de entretenimento). Mas ainda mais tangível era a experiência de voar a uma altitude superior à dos jatos comuns, a 18 mil metros em vez de 9 mil metros.

 

Os talheres Raymond Loewy de um Concorde da Air France.

 

"A essa altitude vê-se a curva da Terra", disse Azerrad. "Estamos no limite da troposfera, o céu é negro. Os padrões meteorológicos são bastante visíveis. E a perceção do mundo lá em baixo é muito mais palpável do que num avião comum."

O Concorde não foi o único jato supersónico de passageiros que voou. Os soviéticos construíram o Tupolev Tu-144, que era notavelmente semelhante, mas "não tinha a elegância e graciosidade do Concorde", segundo Azerrad. Teve um breve período comercial nos finais da década de 1970.

A Boeing também teve planos para o seu próprio avião supersónico, que foram descartados antes da fase de protótipo.

Atualmente, há vários projetos a decorrer para trazer de volta as viagens supersónicas. Alguns deles prometem materializar-se em meados da década de 2020. Mas ainda antes de subirem aos céus, serão inevitavelmente comparados com o bonito cisne que deu início a tudo.

 

"Supersonic: The Design and Lifestyle of Concorde," publicado pela Prestel

 

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