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Quem se dissolve primeiro? A Assembleia? Ou o PSD?

3 fev 2023, 19:23

Na última semana, duas fidedignas fontes de informação davam nota de que a atual legislatura pode não ir até ao fim. No primeiro aniversário da maioria absoluta, um ano depois das eleições antecipadas de 2022, os ares do tempo ‒ pelo menos os oriundos de Belém ‒ sopram rumo a uma nova antecipação, em 2024

Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado e apoiante de Marcelo Rebelo de Sousa desde a primeira hora, expô-lo no seu habitual comentário de domingo: “Há uma forte probabilidade de eleições antecipadas no segundo semestre de 2024”, depois das eleições europeias de junho. Como? Com “uma derrota pesada do PS, um continuado desgaste do Governo e a ideia de que o país quer uma alternativa”. 

Dias antes, em entrevista ao ECO, Luís Montenegro admitia o mesmo cenário como consequência daquele que será o seu primeiro teste eleitoral. “Imaginemos que o que aconteceu neste primeiro ano de Governo acontece no segundo, que chegamos às europeias com uma decisão inequívoca a ser tomada pelo povo. Se calhar, aí chegados, haverá condições para o país político, incluindo o PSD, tirar ilações mais abrangentes do que aquelas que normalmente acontecem nas eleições para o Parlamento Europeu.” 

Em intervenção no conselho nacional do seu partido, Montenegro iria um pouco mais longe no tom e na ameaça: “No dia em que concluirmos que o Governo não tem condições para continuar, iremos ao sr. Presidente da República dizer por que é que a realidade política, económica e social reclama a interrupção da legislatura”. Isto é, eleições antecipadas, mais uma vez. 

O meu irrevogável não é pior do que o teu

O líder parlamentar do PS ripostaria no mesmo jornal, relembrando justamente o passado “normalmente”. “Não me recordo de Luís Montenegro defender eleições antecipadas quando o PS ganhou as europeias em 2014” e estava Passos Coelho no Governo, ironizou Brilhante Dias, que tão-pouco se lembra de o PSD pedir a dissolução da Assembleia em 2013, aquando da crise política do “irrevogável”, caso-siamês do de Alexandra Reis no Governo da direita. 

Na sua entrevista de um ano de Governo à RTP, o primeiro-ministro acrescentaria argumentos de retrospetiva mais extensa. “Só por três vezes é que um partido no Governo ganhou eleições europeias em Portugal. Espero que o meu partido as ganhe, mas nunca foi isso que causou uma crise política”, sustentou ele, que por acaso liderava o Governo numas dessas três vezes. 

Cavaco, Durão, Sócrates e Passos, que perderam europeias e não viram a presidência da República dissolver o Parlamento a seguir, não desmentirão. Sócrates, inclusivamente, perdeu as europeias de 2009 e ganhou legislativas no mesmo ano.

Costa, que não perde uma eleição desde 2015, tendo vencido todas as intercalares desde então, clamará o seu direito a perder pelo menos uma. 

2024, com europeias, ou 2025, com autárquicas, serão anos aptos a confirmá-lo.

Água de beber, camarada?

O Presidente da República tem difundindo uma perspetiva diametralmente oposta, decorrendo hoje uma guerra surda entre Belém e São Bento, não sobre o futuro do país mas sobre o calendário desse futuro. 

No Expresso dessa semana, a jornalista Ângela Silva escrevia que Marcelo Rebelo de Sousa “definiu na sua cabeça que coloca nas eleições europeias de 2024 o momento para avaliar se a legislatura tem condições para chegar ao fim”, ou seja, se dissolve novamente a Assembleia ou não, sendo “o seu desejo que a corda não parta até às europeias, para que a direita se organize”. 

Ora, foi precisamente essa possibilidade que Luís Montenegro procurou cavalgar e que António Costa prontamente descartou.

No Expresso desta semana, a tese persistiu, com a mesma jornalista a enunciar as premissas ‒ degradação política, económica e social ‒ que suportariam a segunda dissolução de Marcelo em apenas quatro anos, referindo o mesmo número de condições ‒ três ‒ que Mendes também trouxera à baila e o triângulo socio-económico-político que Montenegro já havia referido na reunião com os seus dirigentes nacionais. 

Todos, de uma forma ou de outra, beberam da mesma fonte: o Presidente. Resta saber se a dissolução é ‒ ou não ‒ água de beber. 

Além do lado algo bizarro de Marcelo e Montenegro transmitirem mensagens contrárias ao que defendiam há menos de um mês ‒ em janeiro, ambos rejeitavam taxativamente a hipótese de eleições antecipadas ‒, a dupla é suscetível de ainda maior contradição, na medida em que o Presidente pode acabar a não dissolver nada em 2024 e que o líder do PSD pode acabar a lutar, não para disputar o lugar de Costa mais cedo mas para não ser ele próprio a sair antes do previsto.

“A maioria estava morta”, recordou maldosamente Marcelo sobre o princípio do fim do cavaquismo a seguir a perder as europeias de 1994. 

Vinte anos mais tarde, será que é mesmo a maioria ‒ mas do PS ‒ que irá morrer?

Tenazes e aplausos

Na análise política, mesmo que a custo, convém virar o mundo ao contrário de vez em quando para ter a certeza de que não somos nós de pernas para o ar. As prospetivas sobre os supostos 44 meses de maioria absoluta que temos pela frente obrigam a esse exercício. 

Se o primeiro semestre de 2023 será preenchido com a pergunta ‒ pode a economia salvar este Governo de si próprio? ‒, até 2024 seremos confrontados com outra, não menos relevante. Afinal, quem é que se dissolve primeiro? A Assembleia ou o PSD? O Governo de Costa ou a oposição de Montenegro? 

Examinando o último barómetro da Pitagórica para a CNN Portugal, a interrogação ganha pertinência. No período de maior desgaste do Partido Socialista desde que é Governo, merecendo um valente trambolhão de nove pontos na sondagem, o PSD não colhe nada dessa insatisfação. Zero. Pelo contrário, também cai (um ponto), sendo a única força à direita que não cresce perante um Governo em queda. 

No Observador, Nuno Gonçalo Poças assina uma autópsia mais pormenorizada do maior partido da oposição, cujo diagnóstico partilho: o desafio do PSD, cada vez mais, além de disputar a governação com o PS, será continuar liderante entre a oposição ao PS. 

A tenaz composta por Chega de um lado e IL do outro, que devorou o CDS, começa a apertar o PSD. A sua dimensão e implantação local são fatores que ajudam a adiar a erosão mas que não a param. Se a isso juntarmos a conjuntura económica menos desfavorável do que o presumido para 2023, sem recessão e com uma inflação mais branda, somos forçados a perguntarmo-nos: não serão as europeias tanto um teste para António Costa, como apregoa o Presidente da República, quanto para Luís Montenegro? 

É sabido que o líder do PSD cimentou a sua base interna desde que ganhou as diretas contra Jorge Moreira da Silva e que Rui Rio inaugurou, nos seus quatro anos sem vitórias, uma maior tolerância dos sociais-democratas a fracassos eleitorais. Mas concederá o PSD essa sala de espera a Luís Montenegro? Dependerá do resultado (nas europeias), da alternativa (no partido), do agendamento do congresso (nesse ano) e do que ocorrer até lá. 

Duas coisas podemos dar como certas: o problema do PSD ultrapassa os defeitos dos seus incumbentes e a metamorfose do sistema político português ultrapassará o PSD.

Ao celebrar em excesso uma sondagem em que vai à frente (do PS) não deixando de ficar para trás (da direita) assemelhou-se inadvertidamente a um defunto, dentro de um caixão, batendo palmas no seu próprio funeral. 

Desculpe, foi o senhor que deixou cair esta dissolução? 

Marcelo, como um passageiro desatento no metropolitano, pode acabar interpelado por um transeunte mais caridoso que lhe pergunte ‒ “desculpe, foi o senhor que deixou cair esta dissolução?” ‒ para rapidamente devolver a dita dissolução ao bolso interior da gabardine, arrumando-a de vez e seguindo sorridentemente viagem até 2026, apeando-se da presidência no conforto de janeiro e deixando o comboio da legislatura nas mãos do respetivo maquinista, até outubro desse ano. 

Nesse cenário, qualquer caos que saísse das legislativas seria da inteira responsabilidade do eleitorado ‒ que iria às urnas em tempo regulamentar ‒ e não de Marcelo, que já não seria Presidente, nem do seu sucessor, que não as teria convocado antecipadamente. Para isso, basta deixar que tudo continue a correr, como aliás vem deixando nos últimos sete anos e como é provável que deixe nos próximos três. 

Se os estudos de opinião estiverem próximos da realidade e as tendências se confirmarem, o Chega duplicaria o seu grupo parlamentar se os portugueses fossem a votos num futuro próximo. Compreensivelmente, Marcelo Rebelo de Sousa não desejaria ter a explosão da extrema-direita como legado, sendo esse um dos paradoxos mais curiosos da situação: os erros deste Governo, ao terem alimentando o populismo nas sondagens, tornaram-se um seguro de vida para o Governo, que pode afugentar as eleições que concretizariam essas sondagens. Dito de outro modo: quanto mais crescer o Chega, mais durará Costa. 

Assim como Marcelo lidou com uma ‘geringonça’ consumada e empossada no mandato de Cavaco, é ao herdeiro de Marcelo que caberá lidar com os perigos de um Parlamento mais pulverizado, polarizado e instável ‒ eventualmente até com a primeira ‘geringonça’ de sinal contrário. 

Marcelo dissolver antecipadamente (e novamente) a Assembleia da República seria assumir previamente (e escusadamente) essa instabilidade, que não tem quaisquer razões para desejar como sua. 

Sendo um político avesso ao risco por natureza e devoto à estabilidade enquanto Presidente, essa seria uma decisão verdadeiramente inexplicável. 

Capaz disso, claro, seria sua excelência. 

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