Quando vai acabar a guerra entre Ucrânia e Rússia e quais os caminhos para se chegar lá

12 mar 2022, 19:00

E se ninguém perder nem ganhar verdadeiramente esta guerra? A resposta a isto é também uma resposta sobre a duração previsível do conflito em curso

Foi há mais de duas semanas que a Rússia invadiu a Ucrânia. O que parecia começar como uma tentativa de "ajudar" as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk depressa evoluiu para uma entrada em larga escala no país, onde as tropas de Vladimir Putin já comandam cidades como Kherson, cercando outras como Kiev, Kharkiv ou Mariupol.

Trata-se de um conflito em larga escala como não se via na Europa há muito tempo e é a primeira vez que tal acontece na era das redes sociais: a informação chega continuamente de todo o lado, num mundo totalmente globalizado. E também por isso mesmo as consequências da guerra chegam também a todo o lado e de todas as formas. Perguntas: isto vai durar quanto tempo, acaba quando, acaba de que maneira?

Uma vitória (ou derrota) militar

Era assim que antigamente se resolviam as guerras: alguém se revelava mais forte que o outro, acabando por sair vencedor. No panorama atual, e tendo em vista a sempre presente ameaça do nuclear (e o impacto global das sanções), já não é bem assim. Uma guerra tanto se joga no campo de batalha como nos bastidores, onde a dissuasão e as negociações são fortes componentes. Perde-se e ganha-se de muitas maneiras.

O general Leonel de Carvalho não vê a questão da vitória ou derrota no terreno como um fim último para o conflito. Por um lado, afirma que os militares ucranianos não têm poderio para derrotar o invasor; por outro, entende que a Rússia nunca conseguirá uma vitória “completa” sobre a Ucrânia.

“Uma vitória em termos absolutos é muito complexa. A Rússia até pode conquistar todo o terreno, com uma vitória em termos convencionais, mas terá sempre a resistência do povo ucraniano. A Ucrânia nunca terá uma vitória no terreno, mas também nunca terá uma derrota completa”, afirma, lembrando a resistência de um país que por várias vezes já demonstrou a capacidade de se insurgir. “Mesmo depois de uma vitória militar, a permanência russa seria difícil de preservar porque os ucranianos não vão desistir de lutar.”

Polícias ucranianos patrulham as ruas destruídas de Kharkiv (Sergey Bobok/AFP via Getty Images)

O general Leonel de Carvalho até admite que a Rússia se pudesse retirar, cedendo sobretudo à pressão interna, causada pelas sanções económicas que afetam o povo russo, mas também pelas consequências humanas da guerra, com um grande risco de se perderem várias vidas - o que deixaria Vladimir Putin malvisto no seu país, algo de que um “típico narcisista não gostaria”. Chegamos assim àquilo que parece ser um impasse e é isso que leva o general a admitir que este é um conflito que veio para durar anos, a menos que outras vias possam surgir - mas que também elas se perspetivam demoradas.

A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais Sónia Sénica refere que Vladimir Putin não esperava tamanha resistência do lado ucraniano, que tem demonstrado, por via do "patriotismo", que o povo está unido, tanto a nível político como de sociedade civil. Militarmente, diz a especialista, a guerra está ainda numa "fase embrionária", de grande imprevisibilidade, sendo expectável que o conflito se estenda por muito tempo.

Concessões ucranianas e Rússia com mínimos olímpicos

Quando tomou a decisão de invadir a Ucrânia como um todo, Vladimir Putin definiu vários objetivos. O presidente da Rússia até diz que todos estão a ser cumpridos, mas o general Leonel de Carvalho aponta três dos quais não vai haver abdicação: independência ou maior autonomia das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk; um acordo escrito em como a Ucrânia não adere à NATO; oficialização da independência e integração da Crimeia na Rússia.

“O objetivo principal era tirar Volodymyr Zelensky do poder. Mas entre conseguir pouco ou nada, Vladimir Putin pode aceitar o mínimo”, refere o general, que não acredita que estes moldes possam ser alcançados num acordo com a Ucrânia. É aquilo que a investigadora Sónia Sénica descreve como "mimetismo do modelo bielorrusso", uma tentativa de colocar na Ucrânia um governo que seja "neutro" internacionalmente e "pró-russo" em termos militares.

Mas, mesmo que isso não aconteça, Vladimir Putin não pode “voltar para casa de mãos a abanar”, terá de apresentar resultados que sejam vistos como uma “não derrota”. É aí que o general Leonel de Carvalho integra os três objetivos que aponta, lembrando que um “governo de fantoche” em Kiev será sempre difícil de manter, novamente por causa da resistência que os ucranianos têm demonstrado. Recorde-se que foi aquele país que, entre o fim de 2013 e o início de 2014, passou vários meses em protestos nas principais ruas da capital, tudo com o objetivo de destituir o então presidente Víktor Yanukovytch, o que acabou por ser bem-sucedido.

Para chegar a esta via da concessão são necessárias negociações, coisa que já ocorreu por três vezes, nas quais nunca se chegou a entendimentos sobre o fim da guerra. De resto, um dos acordos feitos, o cessar-fogo para evacuação de cidades, foi violado pela Rússia em Mariupol.

Imagem do segundo encontro entre as delegações da Ucrânia e da Rússia (AP)

Para Sónia Sénica, a forte "incursão militar" russa teve um objetivo desde o início, objetivo esse que se começa a verificar agora. A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais entende que Vladimir Putin apostou as fichas todas num cerco forte, não só em termos militares mas também civis.

"Na última ronda de negociações foram sinalizados corredores, mas as escapatórias eram para a Bielorrússia e Rússia, o que apanhou a Ucrânia de surpresa", refere, dizendo que não estão a ser cumpridos os termos acordados à mesa de negociações, nomeadamente com o violar de cessar-fogo em algumas cidades.

O peso das sanções

É a principal arma do Ocidente e tem sido usada em peso contra a Rússia. As sanções económicas, que afetam dos mais pobres aos mais ricos, estendem-se da Nova Zelândia aos Estados Unidos, e muitos países já anunciaram que as mesmas podem durar todo o ano de 2022. Mas e se a guerra se mantiver?

Leonel de Carvalho assinala que a Rússia “sabe bem que a NATO e o Ocidente não vão desistir enquanto não houver resultados positivos”. Mas algum lado terá de quebrar. O general não acredita que as sanções se possam eternizar, até porque, em último caso, também afetam gravemente os países que as aplicam. “A Rússia, apesar dos prejuízos, pode acabar com a cedência de energia, sobretudo gás natural”, nota o militar, lembrando que isso é uma questão particularmente sensível na União Europeia, nomeadamente em países como a Alemanha.

Sónia Sénica vê esta como uma das grandes forças contra a Rússia. A investigadora entende que Vladimir Putin não esperava esta "unidade e coesão" da comunidade internacional, que "ao início foi mais reativa" mas que agora atua de forma severa. "Vladimir Putin equacionava uma certa fragilidade, nomeadamente do Ocidente, e aconteceu exatamente o contrário", acrescenta.

A isso acresce as reações da sociedade civil, onde também cabem os mais variados grupos económicos, numa tentativa de deixar a Rússia "isolada internacionalmente". "As sanções económicas têm um impacto maior para a Rússia, mas também há um isolamento político-diplomático", aponta Sónia Sénica.

A via da mediação (e quem pode ajudar a terminar o conflito)

Arábia Saudita, China, Emirados Árabes Unidos, Israel ou Turquia foram alguns dos países que apareceram nesta questão com a intenção de serem mediadores, algo que os dois últimos chegaram mesmo a oficializar. Todos têm mantido uma posição relativamente neutra, mas na resolução da Organização das Nações Unidas que condenou a invasão russa apenas a China não votou contra, abstendo-se.

Para o general Leonel de Carvalho, a hipótese da mediação seria a melhor. Mas o general julga que é desta posição que Vladimir Putin está mais distante, até porque isso o obrigaria sempre a fazer concessões. “Só haveria melhorias através de uma intermediação se ela fosse aceite por ambas as partes e tivesse força para avançar.”

Resumindo: é uma guerra que ainda está para durar. Mesmo que se tome o mais viável dos caminhos, serão sempre meses, quiçá anos, até chegarmos às tréguas.

Relacionados

Europa

Mais Europa

Patrocinados