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Diretor executivo CNN Portugal

Um banqueiro sem peruca loira nem rabo de cavalo não é natural

23 nov 2021, 15:07

O caso João Rendeiro precisa de Restaurador Olex, para regressar às cores primitivas da verdade

 

“Um homem corre na noite

É uma imagem banal

Por que foge? De onde vem?

Por que olha para trás inquietado?

Será soldado? Vagabundo?

Criminoso? Ratoneiro?”

 

Será banqueiro, condenado, meliante, será Rendeiro?

 

“Será apenas o primeiro

Dos que vão fugir com ele?

Foge para salvar a pele? Só a sua?”

 

 

Estas letras, da música “O Fugitivo”, de Sérgio Godinho, são aqui dedicadas a João Rendeiro, depois da entrevista do fundador do Banco Privado Português à CNN Portugal, dada atrás de um computador, em certa parte incerta, “é óbvio que não estou no Belize”, ele está onde faz uma vida “perfeitamente normal”, vai a restaurantes, ginásio, praias, “não usa peruca nem rabo de cavalo” porque não disfarça, um homem que nem precisa de muito para viver e vive “do seu trabalho”, que trabalho?, “operações internacionais”, assessora agora um negócio de 500 milhões de dólares, sabe-se lá para quem, sabe-se lá que nacionalidades ele passaporta ou para que país se pré-evadiu da prisão, sabe-se lá onde é aquele quarto de cortinados cerrados, sabe-se lá se é noite ou se é dia.

 

 

“Podia ser em Madrid

Ou Joanesburgo, ou em São Paulo

Ou Budapeste, Nova Iorque

Ou Hollywood

Ou é claro em Portugal”

 

Na prisão não há cortinados. Na prisão não há condenados. Não nesta, a prisão portuguesa onde deveria arrostar João Rendeiro, condenado em três processos, um dos quais com trânsito em julgado depois de esgotados os recursos do chão até tecto jurídico português.

Falsidade informática e falsificação de documento querem dizer aldrabar as contas do BPP e para isso já não há apelo, há cinco anos e oito meses de pena por cumprir. Recursos há ainda para as condenações por burla, fraude, branqueamento de capitais, abuso de confiança, que querem dizer coisas piores: enganar clientes e sacar dinheiro nem sequer declarado ao Fisco.

Rendeiro tem razão: a justiça é lenta, lentíssima, e outros como Ricardo Salgado envelhecem ao sol que amarelece as folhas dos autos. Já passaram mais de sete anos desde o colapso do BES e o processo é tão grande e tão complexo que um dia poderemos acordar do delírio de acreditar que o processo será julgado em vida útil, e vê-lo esmaecer de inútil. Se caso BPP demorou tantos anos – e mesmo assim foi o primeiro -, quanto durarão os demais? De mais.

Em mais de uma década de escândalos financeiros, o BPP foi o caso menos complexo e talvez menos grave. Menos grave que o Banif, muito menos grave do que o BPN, muitíssimo menos grave do que o do universo Espírito Santo. Mas é grave. Tão grave que houve perdas de clientes, clientes de produtos de capital garantido que acabaram a de mãos vazias à porta do banco. Tão grave que ditou cadeia

João Rendeiro pode processar o Estado Português nos tribunais internacionais, é um direito que lhe assiste. Pode pedir indultos ao Presidente da República, que em cinco minutos lhe dá uma nega em direto, em termos aliás imprecisos. Pode insistir na inocência e emocionar-se quando fala da sua mulher, que gosta da sua conchinha e dos seus amores de estimação. Mas não pode fazer-se passar pelo que não é - Rendeiro é um criminoso, um criminoso condenado, foragido e com mandados de captura internacionais. Um criminoso que não pode criar ficções sobre “condenações simples” e “apelos”, justificar-se com “legítima defesa” para fugir ou vender obras de arte arrestadas, criar uma realidade paralela lá no paralelo e meridiano onde se faz de exiliado quando é asilado de país monoparental sem extradição.

É uma ficção.

“Um homem luta contra o sangue que derrama e diz: valeu a pena?”, pergunta ainda Sérgio Godinho na música do álbum “Na Vida Real”, de 1986. Por esse ano havia um anúncio do Restaurador Olex, que usando frases hoje inaceitáveis promovia um produto que retirava pinturas de cabelos restituindo-lhes “a sua cor primitiva". A cor primitiva do caso BPP data dos idos de 2008, quando o banco quebrou. É a cor da verdade. É a cor dos processos julgados após todos os recursos.

Está tudo esgotado. Tempo e paciência. Mas há descaramento para ficcionar. E há uma cela vazia.   

 

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