Pediatras não queriam avançar já para a vacinação universal das crianças, Comissão Técnica diz que podem ser evitados 27 mil casos (mas admite mudar o seu parecer)

10 dez 2021, 22:07
Graça Freitas e António Lacerda Sales na conferência de imprensa conjunta sobre a vacinação de crianças

Parecer técnico divulgado esta sexta-feira revela que os pediatras queriam mais tempo e informação para se tomar uma decisão. Comissão que deu o "sim" à vacinação universal das crianças entre os 5 e os 11 anos admite "alterar a recomendação sempre que tal se justifique". A CNN Portugal resume-lhe o essencial do parecer, no qual os técnicos incluem modelos matemáticos para um cenário pessimista, mediano e otimista

Ponto prévio: a vacinação universal das crianças dos 5 aos 11 anos arranca no fim de semana de 18 e 19 de dezembro, mas as crianças com comorbilidades são prioritárias na toma da vacina. A decisão está explicada num documento que a Direção-Geral da Saúde (DGS) divulgou esta sexta-feira e no qual se lê que a Comissão Técnica de Vacinação contra a covid-19 (CTVC) admite mudar o seu parecer consoante o que vier a ser conhecido sobre a Ómicron. 

"A CTVC mantém o acompanhamento da situação epidemiológica, da evidência científica e das recomendações dos Estados-membros da UE sobre a vacinação das crianças com 5 a 11 anos, as quais ainda não são conhecidas, podendo alterar a presente recomendação sempre que tal se justifique, nomeadamente com dados que venham a ser conhecidos sobre o potencial de escape vacinal da variante Ómicron", lê-se no documento. 

A decisão de avançar para a vacinação universal das crianças nesta faixa etária não é um assunto consensual entre os peritos referidos no documento que a DGS revelou esta sexta-feira. "A CTVC solicitou parecer técnico a um grupo de especialistas em Pediatria e Saúde Infantil que considerou que 'deve ser dada prioridade à vacinação dos adultos e dos grupos de risco, incluindo as crianças dos 5 aos 11 anos. Poderá ser prudente aguardar por mais evidência científica antes de ser tomada uma decisão final de vacinação universal deste grupo etário. No entanto, consideramos que este grupo de trabalho é constituído por elementos com experiência para avaliar os benefícios e os riscos da vacinação para a saúde da criança e considerações detalhadas sobre impactos educacionais, sociais e económicos mais amplos deverão ser procuradas junto de outros peritos.'"

O documento cita outro especialista consultado pela CTVC e aí já não é colocado qualquer entrave. "Numa perspetiva bioética foi auscultado o membro consultivo da CTVC para a bioética que considerou que 'a decisão de administrar às crianças compreendidas no grupo etário 5 -11 anos as aludidas vacinas, em dose pediátrica, contra o SARS-CoV-2, obedece aos princípios da não-maleficência (não causa, previsivelmente, prejuízo à sua vida, à sua saúde e à sua integridade pessoal), da beneficência (apresenta probabilidade elevada de prevenir a contração da doença e contribui, deste modo, para a saúde física e mental da criança), e da justiça (contribui para a quebra das cadeias de transmissão da doença, pelo menos relativamente às variáveis conhecidas, em particular a Delta, contribuindo, deste modo, para um significativo atenuar da Pandemia, uma vez que os dados epidemiológicos revelam uma alta transmissibilidade da doença nesta faixa etária, em Portugal).'"

O parecer da CTVC contém dados sobre o número de crianças nesta faixa afetadas pela covid. "Desde 2 de março de 2020 até 4 de dezembro de 2021 registaram-se cerca de 175 mil casos de infeção por SARS-CoV-2/COVID-19 em menores de 18 anos, sendo cerca de 69.800 em idades compreendidas entre 5 e 11 anos". E depois o texto confere detalhes sobre os 69.800 casos: "Durante 2021, 6,9% do total de casos de COVID-19 ocorreram em crianças dos 5 aos 11 anos. Esta percentagem apresenta tendência crescente desde o início do ano, tendo subido de 4% a 1 de janeiro para 14% em novembro. Esta tendência é idêntica à registada nos países da UE". O  grupo etário dos 5-11 anos "é o que apresenta maior risco de infeção: o grupo etário mais próximo é o dos jovens de 18 a 24 anos".

Quanto a internamentos, e "de acordo com a informação constante nas bases de dados BI-SINAVE e Base de Morbilidade Hospitalar", "em 217 crianças de 5 a 11 anos que foram hospitalizadas em Portugal por COVID-19 (diagnóstico principal e diagnósticos adicionais) até 3 de novembro de 2021 registaram-se 20 casos que requereram assistência em cuidados intensivos, 9,2% do total". Mais informação: "De acordo com os dados preliminares de um estudo multicêntrico realizado pela Sociedade Portuguesa de Pediatria foram internadas 104 crianças por COVID-19 entre março de 2020 e junho de 2021. Neste estudo, 53% das crianças admitidas em UCI apresentavam pelo menos uma comorbilidade. Até 4 de dezembro de 2021 foram registados 3 óbitos em idade pediátrica (< 18 anos), com 4 meses, 7 meses e 4 anos de idade".

O parecer técnico inclui uma previsão matemática para avaliar o "impacto esperado da exposição ao SARS-CoV-2 das crianças de 5 a 11 anos" durante dezembro e março sem vacinação e com vacinação em três cenários de incidência - otimista, mediano e pessimista. No cenário pessimista estão previstos 45.442 infeções se as crianças desta faixa etária não forem vacinadas face a 18.404 casos se houver vacinação (uma diferença de 27 mil casos); estão previstos 20 internamentos em cuidados intensivos sem vacinação e 4 com vacinação; estão previstos 18 casos de síndrome inflamatória multissistémica sem vacinação e 3 com vacinação; finalmente, não está previsto qualquer caso de miocardite vacinal sem vacinação e estão previstos 12 casos com vacinação num cenário pessimista e 7 num cenário otimista. Para saber mais sobre a síndrome inflamatória multissistémica e a miocardite clique AQUI e para ver este quadro matemática da comissão técnica veja a página 22 AQUI.

Posto tudo isto, a CTVC lembra que "A Agência Europeia de Medicamentos deu parecer positivo à formulação pediátrica da vacina contra a covid-19 Comirnaty® para as crianças com 5 a 11 anos de idade, com base num ensaio clínico com mais de 2.000 crianças, tendo concluído, após avaliação da eficácia (90,7%) e segurança (perfil de segurança semelhante ao observado na população com mais de 12 anos), que os benefícios superaram os riscos nestas faixas etárias". Mais: "A avaliação do perfil geral de segurança de Comirnaty® em crianças com idade entre os 5 e 11 anos foi baseada em dados de monitorização durante pelo menos 2 meses após a segunda dose da vacina em 1518 crianças (Grupo 1) e pelo menos 2,4 semanas após a segunda dose em 1591 crianças (Grupo 2). De uma forma geral, a vacinação foi bem tolerada e o perfil de segurança foi semelhante ao observado para a população acima dos 12 anos".

Quanto a reações adversas, as "mais comuns foram as locais e principalmente ligeiras a moderadas, tendo ocorrido 1-2 dias após qualquer dose e com resolução entre 1-2 dias. Comparativamente aos indivíduos com idade superior a 12 anos  foi observada uma frequência semelhante de dor no local de injeção e uma maior frequência de eritema e edema". Outros detalhes: "As reações adversas sistémicas foram predominantemente fadiga, cefaleias, mialgias, febre, artralgias (por ordem decrescente de frequência) e ocorreram mais frequentemente após a segunda dose, tendo sido classificadas como ligeiras a moderadas, com reporte 1-4 dias após vacinação e com uma duração média de 1 dia. Comparativamente aos resultados para a população acima dos 12 anos, a reactogenicidade sistémica foi comparável no grupo dos 5 aos 11 anos e menos frequente para algumas reações (febre, calafrios, cefaleias e fadiga). Nenhuma reação adversa grave relacionada com a vacinação foi reportada, não tendo sido reportado nenhum caso de MIS-C, miocardite/pericardite ou morte".

Perante toda esta informação, a CTVC conclui que "os benefícios quantitativos conseguidos com uma campanha de vacinação muito abrangente das crianças dos 5 aos 11 anos são superiores aos riscos". "Num horizonte temporal que abrange o inverno de 2021-22, a vacinação evitará muitos milhares de infeções, dezenas de hospitalizações e várias complicações associadas à covid-19. Os riscos são comparativamente muito inferiores, tendo sido estimados com base em informação decorrente da administração da vacina em formulação não pediátrica em adolescentes e jovens adultos". 

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