“O cérebro é uma máquina que nos permite viajar no tempo”, defende neurocientista

Agência Lusa , BMA
8 abr 2022, 18:29
Cérebro

Dean Buonomano diz que cérebro “usa o passado para prever o futuro", uma “habilidade cognitiva única aos seres humanos”

O neurocientista Dean Buonomano acredita que o cérebro é uma máquina do tempo porque “usa o passado para prever o futuro”, uma “habilidade cognitiva única aos seres humanos” que possibilita o desenvolvimento da ciência ou da agricultura.

“O cérebro é uma máquina do tempo porque nos permite viajar no tempo - voltamos ao passado, na nossa mente (…), e também para os futuros possíveis. Essa habilidade de pensar no futuro é uma coisa que define a nossa espécie, a nossa habilidade de engajar com a ciência, tecnologia, medicina, estudos, agricultura, tudo isto é orientado para o futuro, e que os outros animais não fazem. É uma habilidade cognitiva única aos seres humanos”, explica o especialista, em entrevista à agência Lusa.

Dean Buonomano falava à Lusa durante o simpósio “Aquém e Além do Cérebro”, organizado pela Fundação Bial no Porto, que arrancou na quarta-feira e termina no sábado, sobre o tema “O Mistério do Tempo”.

É no último dia deste encontro que o professor de neurobiologia e psicologia da Universidade da Califórnia irá fazer a apresentação “The brain is a time machine: The neuroscience of time” (“O cérebro é uma máquina do tempo: a neurociência do tempo”, em tradução livre), com base no seu livro com o mesmo nome, sem edição em português.

Num simpósio dedicado ao tema, parece ser consensual entre os vários especialistas que “o tempo é difícil de definir”.

Mas Buonomano refere que “é difícil, em parte, porque o tempo não é apenas uma coisa”.

“Usamos a palavra tempo para nos referirmos a muitas coisas. Quer dizer o tempo de relógio, esse é um significado de tempo. Há o tempo subjetivo, quando dizemos que algo durou muito. É outro sentido. Tem o tempo da natureza, da física, de espaço-temporal, de tempo como uma dimensão da física. O primeiro passo para definir o tempo é tentar definir diferentes tipos de tempo. Filosoficamente e cientificamente, ainda estamos a tentar procurar as definições”, prosseguiu.

Também no cérebro, o conceito não é único: “o cérebro também é uma máquina do tempo porque tem relógios, é uma máquina que marca o tempo. E tem muitos relógios, não tem só um”.

“Tem um para as horas do dia, o circadiano, outros para marcar microssegundos que usa para processamento de som, e tem outros ‘timers’ para tocar música, ouvir música, marcar o ritmo de música. De certa maneira, é uma máquina do tempo, porque nos dá um conceito percetual, uma experiência temporal. Percebemos o tempo a passar, e isso dá-nos uma sensação temporal”.

O tempo é fundamental para “todos os animais com cérebro”, porque está presente quando se “fala, para andar ao mesmo tempo em que se fala, e se pensa que se está atrasado, enquanto o metabolismo está a funcionar”, por isso diz que “não faria sentido ter um relógio centralizado que faz todos os tipos ao mesmo tempo”.

“Cada movimento que faz tem de ser bem cronometrado. Argumentamos que sim, o tempo é um processo distribuído pelo cérebro, e a maioria dos circuitos neurais, de certa maneira, podem processar o tempo, em diferentes escalas e diferentes maneiras”, concretiza.

Numa edição dedicada ao tema em que participam cientistas da física à neurociência, passando pela biologia e psicologia, as dúvidas continuam a ser muitas.

“O tempo, realmente, é um mistério que atravessa, influencia e se relaciona com muitas questões fundamentais da ciência, inclusivamente o livre arbítrio, no sentido de que se temos livre arbítrio quer dizer que o tempo não é predeterminado. A consciência parece uma coisa que é um produto da evolução dos sistemas neurais e relacionado com sistemas neurais dinâmicos”, elenca.

Entra também em questões da física, “da natureza do tempo, do espaço natural, se o universo é tridimensional ou tetradimensional e se o passado, presente e futuro existem simultaneamente, ou se só o presente existe de verdade”.

“Mas os avanços são lentos, é pouco a pouco, e acho que não há nada fundamental que tenha mudado nos últimos 10 anos, por exemplo”.

Dean Buonomano é neurocientista e professor na University of California Los Angeles (UCLA) e investiga a perceção do tempo no cérebro, as dinâmicas neurais, aprendizagem e memória.

Com muitos ou poucos avanços sobre o tema, a 13.ª edição do evento, dedicada ao “Mistério do Tempo”, acontece até sábado, na Casa do Médico, no Porto.

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