Não dá para acabar com as cheias em Lisboa (mas há soluções para atenuá-las) - as explicações dos especialistas

8 dez 2022, 13:15

E fica outro aviso: a solução apresentada por Carlos Moedas para resolver o assunto é boa mas não chega

Lisboa é a cidade das sete colinas. E também dos sete rios, mesmo que eles estejam tapados. E isso faz parte do problema: se há cheias, é porque a orografia da capital a isso incentiva. Assim, por mais soluções que se arranjem, na engenharia ou na arquitetura, não é possível evitar as cheias quando se dá uma chuva tão intensa como a desta quarta-feira. Quanto muito, consegue diminuir-se o seu impacto, apontam os especialistas ouvidos pela CNN Portugal.

Num período de duas ou três horas, “ontem choveu em Lisboa um décimo da precipitação anual na cidade”, diz o arquiteto paisagista Henrique Pereira dos Santos. E com uma chuva que não se via desde 2014, a rede de esgoto não foi capaz de dar resposta. “Porque foram dimensionados há muitos anos, alguns com séculos, para uma cidade que não é aquilo que é hoje”, completa o engenheiro civil Carlos Mineiro Aires.

A água da chuva tem de correr para algum lado. Segue pelas colinas abaixo, até ao rio Tejo. Mas se não houver espaço no caminho ou no sítio que a acolhe, acaba por vir à superfície. “Se as infraestruturas não dão resposta e houver uma combinação com marés altas, o problema agudiza-se”, explica Carlos Mineiro Aires.

“O que se pode evitar são as consequências negativas se planearmos a cidade a contar com isso”, completa Henrique Pereira dos Santos. Mas, numa cidade com tanta história, seria, por exemplo, tirar as habitações e os negócios de Alcântara? “Ou se tiram de lá. Ou, na sua forma de funcionar e de organizarem, contam com as cheias. É uma questão de fazer contas. O que não faz sentido, numa zona inundável, é ter um ‘data center’, já um café é uma questão de custo-benefício.”

Solução de Carlos Moedas não chega

No ponto de situação, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, apontou como solução o plano de drenagem da cidade, que prevê a construção de dois túneis, cada um deles com cinco metros de diâmetro: um entre Campolide e Santa Apolónia, outra entre Chelas e Beato. As obras devem arrancar em março, implicando também obras na rede de esgotos. “Permitia escoar toda esta água”, diz o autarca.

Mas, alertam os especialistas, numa chuva como a desta quarta-feira, esta solução não chegaria. A obra visa “evitar que as águas afluam para as zonas mais baixas, onde se concentram”, áreas que estão já “perfeitamente identificadas” pelas autoridades, como na Baixa ou em Alcântara, diz Carlos Mineiro Aires.

Segundo o engenheiro civil, a obra “está bem pensada” e vai “atenuar e mitigar” inundações. “Se olharmos para a quantidade de água que correu ontem, rapidamente ficariam cheios. Criar nos cidadãos a ideia de que isto resolve o problema para toda a vida - não resolve. Não se consegue domar a natureza”, resume.

Henrique Pereira dos Santos segue no mesmo sentido: “Não é fácil deixar de se repetir. Mesmo a história dos túneis não quer dizer que deixem de existir cheias”, avisa.

Os depósitos (que ajudam mas não resolvem)

Mas os túneis de drenagem são a única solução? Não. Na altura de planear uma cidade, há outras opções para evitar que a forte precipitação cause danos.

“Em cheias como estas, urbanas e rápidas, a única coisa que há a fazer é desimpedir as áreas que vão ser inundadas e criar capacidade de encaixe a montante.” Henrique Pereira dos Santos aponta o exemplo da reformulada Praça de Espanha, onde foi criado um depósito. Isso não evitou que a zona fosse afetada, mas longe do que já aconteceu no passado, com menos chuva.

Carlos Mineiro Aires também reconhece que a criação de depósitos ou bacias de retenção, evitando o fluxo da água das áreas mais altas para áreas mais baixas da cidade, é uma estratégia que pode ser adotada, apesar dos fortes custos que essas obras implicam. “Mas, se olharmos para a quantidade de água que correu ontem, rapidamente ficariam cheios.”

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