opinião
Psicólogo e Presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses

O Psicólogo Responde: Como se pode distinguir a tristeza da depressão?

26 jan 2022, 10:10

"O Psicólogo Responde" é uma rubrica de saúde mental do site da CNN Portugal

A tristeza é uma emoção primária, a par de um conjunto de outras emoções, classificadas do mesmo modo, como sejam a alegria, o medo, a raiva, o nojo ou a surpresa, entre outras. Todas as emoções têm um papel central no ser-humano, seja pelo seu valor adaptativo como pela função que têm na interação social.  As emoções interferem nos processos de significação que vão sendo construídos ao longo do tempo. Se a razão nos orienta, as emoções trazem-nos significados. Dificilmente alguém conseguiria tomar boas decisões sem as emoções, uma vez que estas, através do que fazem sentir, ajudam a pessoa a compreender o que será melhor para si própria. Não sentir seria como se o resultado dessa opção lhe fosse indiferente.

As emoções primárias não se aprendem – nascem connosco – e manifestam-se de forma semelhante em todas as pessoas. É como que o corpo fosse programado para reagir automaticamente em determinadas situações. O que se altera de pessoa para pessoa são os estímulos que podem provocar essas emoções. Algumas pessoas ficam tristes com umas coisas, outras ficam tristes com outras. Para além disso, o que também pode variar é a relação das pessoas com as suas próprias emoções.

Se as emoções existem, é porque estas têm uma utilidade e um papel ativo na vida das pessoas. Poderá perguntar-se o leitor porque é que ficamos tristes e sobretudo do que serve ficarmos tristes. A resposta à primeira parte da questão é simples: ficamos tristes quando nos frustramos. Quando perdemos algo ou alguém.

O ser humano é um animal focado em objetivos. O que nos anima são os objetivos que estabelecemos, as expetativas que criamos. Ora, quando percebemos que algo que desejávamos não vai acontecer, que algo ou alguém que gostávamos, desapareceu, frustramos e ficamos tristes. Mas para quê? A tristeza é uma emoção essencial porque nos faz parar. Parar para quê? Para que tenha tempo de se reorganizar, de se adaptar à perda e reconstruir outros objetivos e expetativas. Seria como mudar de comboio em andamento, o que dificilmente teria bom resultado. É necessário esperar que pare para trocar de comboio com segurança. É por isso que a tristeza nos ajuda. Contribui para evitar a insistência no erro, para evitar a persistência num caminho que não tem saída. Tão comum como a alegria, a tristeza é uma reação normal, mas desencadeada por uma situação negativa.

Precisamos de alterar a nossa relação com a tristeza, ou melhor ainda, a relação do mundo com a tristeza. Essa seria uma boa forma de prevenir a depressão. Importará refletir porque é que existe mais depressão hoje do que no passado, se as condições de vida melhoraram. Porque é a depressão a doença do século?

O mundo de hoje não dá tempo à tristeza. A sociedade atual, para se manter e desenvolver, precisa que as pessoas sejam produtivas, condição para o crescimento da economia. E por isso mesmo, o mundo de hoje (ou seja, todos nós) condena a tristeza porque esta atrapalha o crescimento económico. Veja-se a vulgarização de expressões como “tristezas não pagam dívidas”! Quando nos cruzamos com alguém que está triste é frequente defender que a pessoa deve “reagir” à tristeza, deve ser “forte” e andar para a frente. De forma não intencional, contribuímos para que a pessoa se sinta fraca ou frágil porque está triste. Potenciando assim uma obrigação de ultrapassar rapidamente este estado, até porque há outras pessoas em situações piores que estarão a reagir melhor. Na verdade, a maioria das pessoas, quando exprime tristeza, por exemplo, através do choro, pede desculpa ou esconde-se. O que é uma resposta a uma determinada situação é sentida como vergonha - vergonha de estar triste.

É esta fuga à tristeza um dos caminhos para a depressão. Quanto mais a pessoa desloca a fonte da tristeza para si própria, mais esta começa a deixar de ser o resultado de uma perda ou frustração vivida, para passar a ser uma tristeza existencial. Ou seja, a pessoa começa a sentir que está triste não em função daquilo que perdeu, mas porque ela própria é incapaz de lidar com a situação e de ultrapassar essa mesma tristeza. Assim, a pessoa começa a ficar triste, porque está triste, e quanto mais triste se sente mais triste fica, e cria-se um ciclo negativo que se auto-alimenta intensificando a tristeza.

É este ciclo que conduz e que contribui para a manutenção da depressão, e é esta a principal diferença entre tristeza e depressão. A depressão perdura além do acontecimento que desencadeou a situação de tristeza. Há a junção de uma tristeza profunda e a interpretação dessa mesma tristeza fazendo a pessoa sentir-se incapaz para resolver os seus problemas, perdendo até o interesse por atividades/situações antes consideradas prazerosas. Uma pessoa com depressão “lamenta-se” de si própria e uma pessoa triste “lamenta-se” da situação que está a viver.

A depressão é uma tristeza profunda, existencial, deslocada dos motivos que lhe deram origem. O problema é o próprio e este não se pode resolver. Daqui advém os sentimentos profundos de desesperança e por isso pessoas deprimidas muitas vezes verbalizam a expressão de que nada vale a pena. Quanto mais este ciclo se prolonga, mais a tristeza se desloca dos problemas ou dificuldades da vida da pessoa e se centra nela própria. Quanto mais vezes este processo ocorre, maior probabilidade existe para se repetir. É muito importante, por isso, invertê-lo, pelo que a procura de ajuda profissional é fundamental.

Contudo, todos podemos colaborar na prevenção, aumentando a nossa tolerância em relação à tristeza, aceitando que, ainda que negativa, a tristeza é uma emoção natural e necessária. É fundamental compreender que cada um tem o seu tempo e que esse tempo é diferente de pessoa para pessoa. No limite, motivemos a pessoa a procurar ajuda, mas nunca tentemos diminuir o sentido do problema vivido.

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