Vivemos em Portugal um período marcado pela proliferação de ódios. Os portugueses, herdeiros de uma História de descoberta e engenho, parecem hoje ceder ao desperdício emocional. Nos cafés, nas redes sociais, nos comentários às notícias… parece que o ódio de tornou o passatempo nacional. Contra os vizinhos, contra os políticos, contra o mundo. No entanto, enquanto nos perdemos nas minudências deste processo autodestrutivo, ignoramos um panorama externo que deixa antever um terror frio e calculado.
O cenário internacional é sombrio. O envolvimento do Irão no conflito Israel-Hamas e a crescente instabilidade no Médio Oriente prenunciam um desastre económico e energético que pode afetar dramaticamente a Europa, incluindo Portugal. A dependência do petróleo que passa pelo estreito de Hormuz deixa-nos reféns de eventos que se desenrolam a milhares de quilómetros.
E não é apenas o petróleo. É também a divisão global que se intensifica. Um mundo em blocos, como bem exemplifica o atual quadro nos Estados Unidos, desmantela os frágeis equilíbrios geopolíticos que nos protegeram desde a Guerra Fria. A Rússia e a China assumem protagonismo enquanto aliados estratégicos contra a ordem unipolar americana. A Europa hesita entre autonomia e dependência. Perante este quadro, as previsões são de conflito e não de consensos.
E ainda assim, em Portugal, a preocupação recai sobre “o uso do carro oficial para ir buscar os filhos à escola”. Este episódio ilustra bem o quanto nos deixámos capturar por questões inexistentes e por preocupações irrelevantes. A verdade é que a sociedade portuguesa parece preferir alimentar polémicas que garantem manchetes, mas que, à luz do período histórico de ameaça externa que vivemos, serão sempre consideradas insignificantes. É aos políticos que cabe esclarecer e preparar os portugueses para os perigos reais, como é o caso, por exemplo, da ameaça nuclear premente.
Enquanto se alimentam rancores domésticos, esquecemos que a ameaça nuclear paira mesmo sobre nós. Ainda ontem, na CNN Portugal, ouvíamos João Cruz, investigador de Física Atómica e Nuclear, a garantir que os líderes políticos estão "cientes" das consequências de um acontecimento nuclear: cinco mil milhões é o número de mortos previsto caso haja um conflito nuclear.
Cinco mil milhões de mortos no caso de uma guerra nuclear total. Não é o enredo de um filme; é a realidade científica. E, mesmo assim, somos incapazes de encarar o elefante na sala. Os políticos não podem continuar a desviar os olhares dos portugueses das ameaças externas. Nesta fase, o discurso político de curto prazo não serve os interesses de Portugal. Pelo contrário.
A opção por alimentar divisões e ódios internos, em vez de preparar os portugueses para enfrentar os desafios globais, ignora a gravidade da conjuntura atual. Face à severidade do quadro externo, é imperativo que a consciência coletiva seja despertada nos portugueses. O mundo não espera por Portugal. A cisão global, as crises económicas e a ameaça nuclear não serão adiadas só porque estamos ocupados a debater assuntos que serão sempre triviais quando comparados com os acontecimentos históricos em curso no plano externo.
Ou a sociedade portuguesa reordena as prioridades nacionais ou arriscamo-nos a ser meros espectadores de um espetáculo de ódio interno, enquanto o mundo à nossa volta arde.