Hesitação ou recusa da vacina da covid-19 podem estar ligadas a traumas na infância

Brooklyn Neustaeter, da CTVNews
9 fev 2022, 08:30
Vacina contra a covid-19. Foto: AP

Um novo estudo sugere que a hesitação face à vacina da covid-19 pode estar ligada a eventos traumáticos vividos na infância, como a negligência, a violência doméstica ou o abuso de substâncias.

O estudo observacional, realizado por investigadores do Reino Unido, descobriu que a relutância ou a recusa face às vacinas da covid-19 foi três vezes maior entre aqueles que sofreram quatro ou mais tipos de trauma na infância do que entre aqueles que não sofreram nenhum.

“As experiências adversas na infância (ACE) podem afetar a saúde e o bem-estar ao longo da vida, incluindo comportamentos que impliquem risco e a confiança”, escreveram os autores do estudo.

Os investigadores descobriram que o maior número de ACE também estava relacionado à pouca confiança nas informações sobre a covid-19, com essas pessoas a sentirem-se “injustamente limitadas” por medidas governamentais, além de serem a favor do fim das máscaras obrigatórias e do distanciamento social.

As descobertas foram publicadas no início do mês no jornal científico de acesso aberto BMJ Open. O estudo foi realizado através de uma sondagem telefónica “nacionalmente representativa” de adultos a viver no País de Gales entre dezembro de 2020 e março de 2021. De um número inicial de 6763 pessoas contactadas, 2285 cumpriam os requisitos de elegibilidade e foram incluídas na análise final.

Segundo o estudo, os investigadores questionavam os participantes sobre nove tipos de traumas na infância e se tinham vivido algum deles.

Os tipos de traumas incluíam os abusos físicos, verbais e sexuais, a separação dos pais, a exposição à violência doméstica e residir com um familiar com uma doença mental, com uma dependência de álcool e/ou drogas, ou que tinha estado preso.

Os investigadores dizem que também recolheram pormenores pessoais e experiências de problemas de saúde a longo prazo, níveis de confiança nas informações governamentais sobre a covid-19 e posturas face às restrições de saúde pública e à vacinação.

Segundo o estudo, aproximadamente metade dos entrevistados (52%) disse não ter sofrido qualquer trauma na infância, enquanto um em cada cinco relatou ter sofrido pelo menos um tipo.

Os investigadores descobriram que cerca de uma em cada seis pessoas contactadas (17%) relatou ter sofrido entre dois a três tipos de traumas, e uma em cada 10 (10%) relatou quatro ou mais.

Impacto do trauma infantil

Segundo o estudo, a hesitação face à vacinação foi três vezes maior entre aqueles que têm quatro ou mais traumas de infância, e foi relatada com mais frequência nas faixas etárias mais jovens.

Os investigadores estimam que as taxas prováveis de hesitação face à vacinação segundo o trauma infantil e a idade variam de aproximadamente os 3,5% entre aqueles com 70 anos ou mais e sem experiências adversas na infância, aos 38% entre os que têm 18 a 29 anos, que sofreram quatro ou mais tipos de traumas.

O apoio ao fim do uso obrigatório das máscaras foi quatro vezes maior entre aqueles que sofreram quatro ou mais tipos de traumas na infância, em comparação com aqueles que não sofreram nenhum.

Os homens mais jovens sem histórico de problemas médicos a longo prazo foram “significativamente associados a esta postura” sobre as máscaras, disseram os investigadores.

O estudo descobriu que passar por quatro ou mais tipos de traumas na infância também estava associado ao desejo de pôr fim ao distanciamento social.

“A probabilidade de admitir desrespeitar as restrições da covid-19 ocasionalmente aumentou com a contagem de traumas na infância”, observaram os investigadores no estudo.

De acordo com os resultados, ir contra as restrições de saúde pública foi duas vezes maior para aqueles que sofreram quatro ou mais tipos de traumas do que entre aqueles que não sofreram nenhum (38% versus 21%), após ter em consideração fatores sociodemográficos, uma infeção anterior por covid-19 e o historial de saúde.

No entanto, como o método de estudo foi observacional, os investigadores reconhecem que há “várias ressalvas” nas descobertas, uma das quais a de que o estudo não conseguiu estabelecer uma causa.

Embora em conformidade com outras sondagens telefónicas, os investigadores dizem que a taxa de resposta foi de apenas 36%, e as descobertas tiveram como base a memória da pessoa. Além disso, as mulheres estavam sobrerrepresentadas no estudo, e as pessoas de minorias étnicas estavam sub-representadas. Os investigadores dizem que os estudos futuros devem trabalhar para resolver estas desigualdades na representatividade.

Apesar destas ressalvas, os investigadores repararam que aqueles que sofreram traumas na infância são “conhecidos por terem maiores riscos de saúde ao longo da vida. Os resultados sugerem que esses indivíduos podem ter mais dificuldade em cumprir as medidas de controlo de saúde pública e, consequentemente, exigir apoio adicional”.

Os investigadores dizem que isso não é importante apenas durante a pandemia da covid-19, mas noutras emergências de saúde pública que possam surgir no futuro. Dizem que as descobertas sugerem que os especialistas e as autoridades de saúde públicas precisam de encontrar “urgentemente” formas de aumentar a confiança e o cumprimento das orientações de saúde para as pessoas com traumas de infância.

Caso contrário, os investigadores dizem que quem está nesse grupo tem um maior risco de infeção e representa um potencial risco de transmissão para as outras pessoas.

“Aumentar o recurso às informações e intervenções de saúde pública, como a vacinação, para aqueles que sofreram ACE, deve ser tido em conta nas respostas de proteção à saúde”, escreveram os autores do estudo.

“A longo prazo, no entanto, alcançar uma melhor conformidade com a pandemia e outros conselhos de saúde pública é outra razão para investir em infâncias seguras para todas as crianças”.

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