Duas semanas de guerra revelaram falhas no plano de Putin para a Ucrânia

CNN , Tim Lister
11 mar 2022, 00:04
Putin subestimou o efeito galvanizador da sua "guerra de escolha". Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

Os "ataques de precisão" da Rússia tornaram-se muito menos precisos e as suas forças terrestres estão tentar tomar o território

Na véspera da ofensiva, alguns representantes norte-americanos previram que Kiev cairia dentro de 48 a 72 horas após o início das hostilidades. No entanto, a bandeira azul e amarela da Ucrânia ainda está pendurada nos seus edifícios. Houve quem dissesse que o estado ucraniano seria "decapitado"; o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky continua a apelar à resistência.

Se, como afirmou Putin, a Ucrânia não fosse um país real, certamente já teria entrado em colapso. Mas mesmo com 150 mil soldados russos dentro das suas fronteiras, de acordo com as avaliações dos EUA, eles controlam no máximo cerca de 10% da Ucrânia.

Viajando pela Ucrânia nas três semanas antes da invasão, parecia que muitas pessoas estavam em negação. "Temos a certeza de que não haverá guerra", foi o refrão - em Mariupol, Zaporíjia e Kiev. O Governo ucraniano também minimizou a acumulação de forças russas, ansioso por não lançar o pânico entre os seus cidadãos e os mercados.

Então, a 24 de fevereiro, foi como se um interruptor tivesse sido acionado. Da noite para o dia, a negação tornou-se resistência.

Agora o refrão é: "Vou para a guerra. É a minha terra."

Postos de defesa e inúmeros postos de controlo surgiram em redor de Kiev. As forças ucranianas - para surpresa de muitos observadores - têm sido ágeis e eficazes contra o poderio russo, que tem tentado avançar. Pequenas unidades móveis que conhecem o território interromperam as colunas russas. As armas anti-tanque adquiridas principalmente aos EUA e ao Reino Unido deixaram equipamento militar destruído nas estradas de todo o país. Os drones de ataque de fabrico turco foram enviados para terem um efeito mais preciso.

Nas poucas áreas ocupadas pelas forças russas - mesmo aquelas que são predominantemente de língua russa - centenas de pessoas lançaram impropérios aos confusos soldados russos. Eles empilharam montanhas de pneus para defender as suas cidades e pintaram as placas das ruas.

Não é que os ucranianos estejam em vantagem. Eles não conseguem derrotar uma força russa muito superior, mas as evidências até agora sugerem que - reforçados com armas e outras ajudas que fluem através da fronteira da Polónia - eles ainda podem negar a vitória a Putin.

Legenda: Mapa da investida russa na Ucrânia. A laranja está assinalado o território controlado pelos soldados de Putin.

A quinzena mais longa

Um primeiro-ministro britânico disse uma vez que uma semana é muito tempo em política. As duas semanas deste conflito parecem uma eternidade, se virmos como mudaram o mundo.

Quatro ucranianos com quem eu estava sentado em Kiev olharam com horror, durante as primeiras horas do dia 24 de fevereiro, quando o discurso de Putin a anunciar uma "operação militar especial" foi transmitido na televisão russa - imaginando que as liberdades de que tinham vindo a desfrutar estavam prestes a ter um fim.

Minutos depois, o céu iluminou-se, quando os mísseis balísticos atingiram o aeroporto de Boryspil, nos arredores de Kiev. Forças russas atravessaram a fronteira, vindas da Crimeia, Bielorrússia e Rússia ocidental.

E então, não é que não se tenha visto nada, mas não foi nada avassalador. A supostamente inspiradora coluna de 60 quilómetros de tropas russas vinda da Bielorrússia ficou parada, sem ir a lado nenhum, com mais camiões do que blindados. As respeitáveis defesas aéreas da Ucrânia fizeram um trabalho melhor do que o esperado ao destruir mísseis de cruzeiro e caças russos.

E, crucialmente, falharam os esforços russos para tomar as cabeças-de-ponte a norte e sul de Kiev nos primeiros dias da campanha.

Mesmo no sul do país, onde as unidades russas encontraram menos resistência, ainda não tomaram o porto de Mariupol - a meia hora de carro da fronteira.
Ao explicar a invasão, Putin argumentou que a Ucrânia se tornaria uma plataforma para o Ocidente invadir e destruir a Rússia. Ele pode ter calculado mal a provável resposta à sua tentativa de engolir um país que, na sua obscura reescrita da História, não tinha o direito de existir.

"Ao assumir este extraordinário risco, ele parece ter falhado em lembrar os eventos que desencadearam o fim do império russo", escrevem Liana Fix e Michael Kimmage em Foreign Affairs.

"O último czar russo, Nicolau II, perdeu uma guerra contra o Japão em 1905. Mais tarde, foi vítima da Revolução Bolchevique, perdendo não apenas a coroa, como a vida. A lição: os governantes autocráticos não podem perder guerras e permanecer autocratas."

Talvez embalado pela anémica resposta ocidental à anexação da Crimeia em 2014, Putin subestimou o efeito galvanizador da sua "guerra de escolha".
A própria NATO raramente parecia tão focada, muito longe daquilo que caracterizou a aliança durante a presidência de Donald Trump. Camiões carregados de armas antitanque chegaram à fronteira da Ucrânia.

Antes desta invasão, enquanto era debatida uma série de sanções internacionais contra a Rússia, parecia impensável cortar as instituições russas do sistema bancário internacional, apreender os bens dos oligarcas russos, cancelar ou reduzir as importações de petróleo e gás russo e descartar o gasoduto Nord Stream 2. Agora, tudo isso aconteceu.

Uma empresa atrás da outra, da McDonalds à Zara e à Apple, romperam as ligações ao país - privando os russos dos bens de consumo que estes tanto amavam, desde o fim do comunismo. O rublo vale menos de metade do que valia em meados de fevereiro.

Superado no campo de batalha, o Kremlin também foi criticado pela opinião pública - não que isso tenha incomodado Putin. Zelensky, um ator de comédia que se tornou Presidente, enfrentou o desafio, de forma contundente, exigindo diretamente uma zona de exclusão aérea.

Enquanto se especulava sobre como Zelensky poderia ser retirado da Ucrânia, ele disse que precisava de munições, e não de boleia. Gravou uma mensagem de vídeo quase atrevida, a partir do Palácio Presidencial, dizendo que não se esconderia.

Zelensky - e a resiliência da Ucrânia perante as probabilidades esmagadoramente desfavoráveis - causou um grande impacto em todo o mundo. Estádios de futebol de toda a Europa foram decorados com as cores ucranianas. A Torre Eiffel brilhou em tons de azul e amarelo. O fluxo aparentemente interminável de mensagens de vídeo de Zelensky trouxe multidões para as ruas de Praga e Tbilisi e conseguiu ovações de pé dos Parlamentos britânico e Europeu.

Putin, pelo contrário, parecia isolado, tratando mal os subordinados, gravando discursos extensos e tortuosos ou rodeando-se de comissárias de bordo da Aeroflot.

A grande questão agora é se um líder russo em fúria, apesar de afirmar que a "operação" continua conforme previsto, reforça o vasto arsenal à sua disposição: mísseis balísticos e de cruzeiro, sistemas de rockets devastadores e bombas termobáricas. Irá ele transformar Kiev noutra Grozny, a capital chechena arrasada durante o seu primeiro ano no poder?

O diretor da CIA, William Burns, afirmou na terça-feira que Putin está "determinado a dominar e controlar a Ucrânia", e previu umas "próximas semanas feias", com "pouca consideração pelas baixas civis", face à oposição do povo ucraniano.

As conversações na Turquia entre os ministros dos Negócios Estrangeiros russo e ucraniano poderão dar-nos a primeira pista sobre se existe uma alternativa a essas semanas feias.

O Kremlin exigiu que a Ucrânia reconhecesse a soberania russa na Crimeia - anexada em 2014 - a independência de duas repúblicas-fantoche no leste da Ucrânia e a neutralidade do país.

A Ucrânia recusou, embora Zelensky agora pareça reconhecer que o sonho da Ucrânia de aderir à NATO, consagrado na sua Constituição, pode estar ainda mais distante do que antes. Por sua vez, Moscovo parece ter abandonado a demanda por aquilo a que chamou desnazificação e desmilitarização da Ucrânia - a sua fraseologia absurda para a mudança de regime.

Entretanto, o sofrimento diário dos civis ucranianos continua. Alguns são mortos em ataques de mísseis que destroem prédios, outros são capturados por ataques de artilharia menos precisos. O número já vai em muitas centenas, mas não há um balanço oficial.

Dois milhões fugiram do país, sobretudo mulheres e crianças. Se e quando voltarem, encontrarão cidades como Kharkiv, Sumy, Mariupol e Chernihiv quase irreconhecíveis.

Sem algum avanço nos próximos dias, uma lista muito mais longa é inevitável.

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