Canábis medicinal e autismo: “Começo a ter o meu filho de volta”

CNN , Natalie Angley
3 jan 2022, 17:00
Ezra Fouquette foi diagnisticado com autismo aos 22 meses de idade

Pais experimentam canábis para ajudar filhos autistas

Inicialmente, o filho de Joann Fouquette, Ezra, estava a atingir todas as metas. É o que todas as mães esperam, bebés felizes e saudáveis.

Mas por volta dos 17 meses, tudo começou a mudar. Ele deixou de falar. Começou a tapar as orelhas e a bater com a cabeça no chão como se algo o incomodasse.

Fouquette lembra-se de a mãe lhe dizer: "Acho que tens de lhe fazer exames. Sem dúvida que se passa alguma coisa."

Cinco meses depois, em 2012, Ezra recebeu o diagnóstico de perturbação do espetro do autismo.

"É devastador", disse ela ao correspondente chefe de medicina da CNN, Dr. Sanjay Gupta. "Já ouvi pessoas a compararem isto a perder um filho. Perdemos a ideia do filho que íamos ter, da vida que íamos ter, da vida que ele vai ter."

O autismo é um distúrbio do desenvolvimento neurológico que afeta 1 em cada 44 crianças nos Estados Unidos, segundo o CCD (Centro de Controlo de Doenças). Tem início nos primeiros tempos de vida e os principais sintomas são problemas sociais e de comunicação, bem como comportamentos repetitivos e rigidez.

Crianças e adultos com autismo tendem a ter dificuldades em termos de comunicação verbal e não-verbal e nas interações sociais, dependendo da gravidade.

"São pessoas com dificuldades em comunicar, especialmente em termos sociais. Podem falar muito bem, mas não conseguem levar a cabo uma conversa. Depois há o lado oposto do espetro em que há crianças e adultos que não se expressam verbalmente", declarou a Dra. Doris Trauner, neurologista pediátrica e professora laureada de neurociências e pediatria na Universidade da Califórnia, em San Diego.

"Eles têm uma certa rotina. Gostam de fazer coisas repetidamente", disse ela a Gupta. "Têm comportamentos repetitivos, sendo os mais típicos abanar as mãos ou rodopiar em círculos."

Mas o autismo pode também levar a problemas mais preocupantes como comportamentos disruptivos graves e automutilação.

A deteção precoce do autismo em crianças melhorou, mas mantêm-se as disparidades, sugerem estudos do CCD

"Comportamentos agressivos e de autoflagelação são, infelizmente, muito comuns, especialmente em crianças com autismo grave", declarou Trauner. "Tudo, desde bater repetidamente com a cabeça numa parede a bater na cabeça com as mãos, a beliscarem-se ou a morderem as mãos."

A terapia comportamental, a terapia ocupacional e a terapia da fala podem ajudar, mas não há tratamentos aprovados pela Administração para a Alimentação e para o Medicamento (FDA) dos EUA para os sintomas principais do autismo.

Há dois fármacos antipsicóticos aprovados pela FDA, usados para tratar o distúrbio bipolar e a esquizofrenia, que foram aprovados para tratar crianças com autismo, mas só nos casos em que demonstram agressões graves ou automutilação.

"Estes medicamentos são eficazes para esses sintomas, mas infelizmente estão associados a significativos efeitos secundários", declarou o Dr. Eric Hollander, diretor do Programa de Autismo e Espetro Obsessivo-compulsivo, no Montefiore Health System em Nova Iorque. "Pode predispor os doentes para o desenvolvimento de doenças como como a diabetes ou problemas cardiovasculares."

"Há uma importante necessidade de desenvolver novos tratamentos, tanto para tratar os sintomas principais do autismo... para que o peso dos efeitos secundários seja menor", acrescentou.

Em busca de respostas

Quando foi o caso do seu filho Ezra, Fouquette tentou tudo o que podia para o ajudar.

"Tentámos sem glúten, sem caseína, sem laticínios. Tentámos remédios homeopáticos. Tentámos todas as terapias que existem", disse ela a Gupta.

Mas ela não queria dar-lhe fármacos psicotrópicos quando ele começou a tornar-se mais agressivo.

"Não queria experimentar nenhum deles porque têm muitos efeitos secundários," disse ela. "Mas, a dada altura, eu tinha muitas nódoas negras porque ele estava a tornar-se mais violento."

Fouquette estava desesperada para encontrar ajuda. Foi quando viu uma reportagem no noticiário local sobre um ensaio clínico que envolvia crianças com autismo e CBD, a parte não-psicoativa da planta da canábis, no Centro de Investigação da Canábis Medicinal na UC-San Diego.

"Nessa altura, ele tinha 9 anos", disse ela. "O que vou fazer no futuro, à medida que ele vai crescendo, se já tenho dificuldades com as agressões dele neste momento?"

Fouquette não hesitou quanto a experimentar canábis medicinal para tratar o filho.

"Vi que o CBD é usado em crianças com epilepsia", disse ela. "Vi o quanto ajudou outras pessoas e pensei: “É tudo natural. Pode não ter quaisquer efeitos secundários. Porque não tentar?' "

Inscreveu Ezra no ensaio clínico.

Canábis, autismo e o cérebro

Trauner é o investigador responsável pelo ensaio UCSD, um estudo cruzado duplo-cego placebo-controlado, o que significa que os participantes não sabem quando recebem o placebo ou o medicamento, nem os médicos sabem. Os investigadores estão a examinar como o CBD poderia afetar o cérebro das crianças com autismo.

"Sabemos que no autismo há determinadas diferenças na química cerebral. Há alterações nos sistemas de neurotransmissores no sistema da dopamina e serotonina, que podem contribuir para alguns dos sintomas", disse ela a Gupta.

A serotonina e a dopamina são neurotransmissores que transportam sinais ou informação de uma célula nevosa para outra. Julga-se que a serotonina regula o humor e que tem grande efeito no desenvolvimento inicial do cérebro. A dopamina pode reforçar o comportamento quando se recebe uma recompensa.

Vários estudos demonstraram que, quando os níveis de dopamina estão muito baixos ou muito altos em crianças com autismo, podem provocar disfunções em certas áreas do cérebro, resultando em elevados níveis de comportamentos repetitivos e reduzidos níveis de interação social, declarou Trauner.

Em modelos animais de estudo do autismo, os níveis de serotonina no cérebro podem estar mais baixos do que se esperaria, e aumentar a serotonina melhora o desempenho social em ratos, declarou.

"E o CBD, entre muitas outras coisas, tem efeitos no sistema de serotonina com aumento da disponibilidade de serotonina", acrescentou. "E isso pode estar a ajudar sobretudo em termos das interações sociais."

Do outro lado do país, em Nova Iorque, um ensaio semelhante, que envolve crianças e adolescentes com autismo e o canabinoide cannabidivarina (CBDV), está também a decorrer no Montefiore Health System.

"Sabemos que o autismo é um distúrbio do desenvolvimento que começa cedo, quando o cérebro está a formar-se", disse Hollander, o investigador chefe deste estudo placebo-controlado e duplo-cego.

"Acho que o CBDV pode ter um papel importante no autismo", disse. "Pode diminuir a excitação nos neurónios e aumentar a inibição.”

Quando crianças com autismo estão demasiado excitadas, não têm inibição suficiente, o que pode desencadear comportamentos explosivos, birras, raiva ou automutilação, e podem ter comportamentos repetitivos, declarou Hollander.

"Por isso, altera a rácio de excitação para inibição em diversos neurónios", declarou ele.

A mãe de Ezra, Joann Fouquette, diz que acha que o comportamento agressivo do filho advém do facto de ele não conseguir comunicar as suas necessidades, já que quase não fala.

Apesar de ambos os estudos ainda estarem a decorrer e não se ter desvendado nada, o feedback tem sido positivo.

"Alguns dos doentes tiveram um benefício realmente substancial", disse Hollander. "Vimos o que tínhamos esperança de ver, que foi uma diminuição significativa dos sintomas de irritabilidade, birras ou episódios explosivos. Também tivemos doentes com uma melhoria nos comportamentos repetitivos."

Na Califórnia, chegam relatos semelhantes dos pais.

"Temos assistido a mudanças impressionantes", declarou Trauner. "As crianças cujo comportamento agressivo era diário, deixaram de o ter. Quer dizer, desapareceu... Crianças cujo comportamento de automutilação diminuiu, e começa a ver-se que os calos nos pulsos começam a sarar", declarou ela. "Muitos dos miúdos estão mais sociáveis."

Mas Trauner é cautelosa e diz que é preciso fazer mais investigação.

"É demasiado cedo para nos entusiasmarmos com isto. Acho que há motivos para ter esperança, mas não é boa ideia sair, comprar e usar de moto próprio", disse ela.

"Há vários motivos para isso. Um deles é que pode ser tóxico. Pode provocar disfunção hepática", acrescentou. "Também não é claro que dose é a melhor se resultar, e se o que se compra é realmente o que se espera, uma vez que não está regulamentado."

“Estou a recuperar o meu menino"

Durante o ensaio, o filho de Fouquette, Ezra, recebeu o placebo em determinada altura e CBD em determinada altura, mas Fouquette e os médicos continuam sem saber quando recebeu.

 

Fouquette não hesitou quanto a experimentar canábis medicinal para tratar o filho

Ezra quase não falava no início do ensaio, disse ela. Mas nas primeiras semanas algo notável aconteceu.

"Um dia, estava na mercearia, e o meu marido enviou-me um vídeo. Era do Ezra deitado no chão embrulhado num cobertor, e ele estava a cantar", disse ela. "Ele nunca tinha cantado... e cantou a canção toda."

Fouquette disse a Gupta o que lhe passou pela cabeça nessa altura. "Estou a recuperar um meu menino. Estou a recuperar o meu menino", disse ela a conter as lágrimas.

"Consigo comunicar com ele. Ele fala comigo. Ele está feliz. Já não está agressivo. Ele canta", disse ela. "Que mais posso desejar?"

Desde que Ezra terminou a participação no estudo, há um ano, que não revela qualquer agressividade e continua a comunicar.

"Não teve qualquer regressão", disse ela. "Ajudou-o... seja o que for que se passa no seu cérebro, fez as ligações que ele precisava de fazer. E quando essas ligações foram feitas, ele não as perdeu."

Não é claro que papel o tratamento pode ter tido no progresso do Ezra. O estudo não foi publicado, e não pretendia ver se a canábis ou o CBD poderiam ser neuroregeneradores do cérebro. É preciso investigar mais.

"Alguns dos miúdos que revelaram efeitos... revelaram-no várias semanas depois de o fármaco do estudo ter sido retirado. E alguns parecem manter algumas melhorias", disse Trauner. "Mas não sei porque será."

Independentemente do motivo por que aconteceu com Ezra, que tem agora 11 anos, Fouquette sente-se grata.

"Acho que não é uma cura. Proporcionou-lhe a capacidade de falar. Proporcionou-lhe a capacidade de comunicar mais. Acho que foi por isso que a agressividade desapareceu", disse ela. "Só vai facilitar-lhe a vida, será mais fácil viver, será mais fácil ser ele próprio."

Clarificação: este artigo foi atualizado para clarificar os feitos do autismo na comunicação e na interação social..

 

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