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A esperança no clube de paz está perdida?

27 mai 2023, 13:12

As peças do xadrez estão na mesa, talvez só não seja a hora de movê-las para a frente do tabuleiro

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

A esperança continua, mas a ideia de uma negociação baseada na paz para pôr fim à guerra na Ucrânia parece distante - mas não perdida. Frases prontas como “temos de montar um clube da paz” repetidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva há quase seis meses estão prestes a se tornar um clichê, entre declarações acertadas e outras muito menos.

Na sexta-feira (26), Lula conversou durante 30 minutos por telefone com Vladimir Putin, que parou uma reunião com empresários para atender o chefe de estado brasileiro. Não é nada errado que dois presidentes conversem. Aliás, Lula teve uma posição bem equilibrada ao recusar o convite para ir à Rússia. 

Mesmo que o pano de fundo fosse o Fórum Internacional em São Petersburgo, obviamente a guerra estaria no centro das discussões e a viagem poderia ser vista como mais um aceno entre Brasília e Moscou. Novamente, Putin continua delirando com a ideia de culpar a Ucrânia e o Ocidente pelo conflito que ele mesmo iniciou. A invasão é um capítulo sanguinário da história em que inocentes morrem por puro capricho do presidente russo.

Apesar de destacar que está disposto a negociar, Putin é sempre categórico ao afirmar que não aceita retirar as tropas do território ucraniano. Por outro lado, e de forma bastante legítima, o exército da Ucrânia prepara uma contraofensiva nesta primavera para tentar retomar áreas ocupadas.

A conversa, que segundo o Kremlin partiu do lado brasileiro, ocorre menos de uma semana depois do G7, onde um “conflito de agendas” impediu que um encontro entre Lula e Volodomyr Zelensky fosse concretizado. Infelizmente, não se sabe ao certo o que aconteceu no Japão, já que as versões são conflitantes. 

Quem ficou esperando quem? Os horários oferecidos pelas delegações eram compatíveis? A equipe de Zelensky deixou de atender os diplomatas brasileiros? O Itamaraty sabia que o presidente ucraniano estaria no evento e não conseguiu preparar melhor a agenda? No fundo, cada país apresenta uma versão e ficamos sem saber o que de fato ditou o final da história.

Porém, três fatos confirmados nos dão pistas sobre os interesses e egos de ambos. O primeiro deles, comprovado em vídeo, é que Lula fingiu não ver Zelensky na sala de reuniões e não o cumprimentou. A justificativa é que estava concentrado lendo um documento e sem intérprete no local.

Ora, desde quando um aperto de mão ou um aceno com a cabeça precisam de tradução? São gestos universais. Por outro lado, Zelensky está mesmo acostumado com a atenção que recebe - e merece solidariedade - mas nada o impedia de, literalmente, dar alguns passos e tomar a iniciativa de cumprimentar Lula.

O segundo e o terceiro ponto são as declarações dos presidentes aos jornalistas. O chefe de estado ucraniano foi irônico em dizer que Lula ficou desapontado com o não encontro, utilizando um tom de brincadeira para algo bastante sério: “Acho que ele ficou desapontado”, disse entre sorrisos. Ali, parece que estava agindo mais como comediante do que o presidente de um país em guerra.

Lula, que declarou ficar “chateado” em não ter encontrado Zelensky, não usou de ironias e deu uma explicação antes mesmo de ser questionado pelos jornalistas. No geral, o tom foi adequado, disse que o chefe de estado ucraniano “é adulto e sabe o que faz”. Sim, ele sabe. Diplomaticamente, a análise é que Zelensky não estava interessado, ao menos naquele momento, em se reunir com Lula, que também não envidou grandes esforços. 

Diante de todos os sinais, parece cada vez mais claro que agora não é a hora de sentar à mesa, mas isso não impede que o plano de paz continue sendo almejado e traçado. Afinal, até agora pouco se sabe sobre o que se trata em termos práticos. Lula nunca responde objetivamente e apenas repete que são necessárias “pessoas dispostas a falar de paz”. E o Brasil, que fala bastante em paz, não é o único com essa proposta. Outros atores estão nos bastidores do complexo e fascinante jogo diplomático. 

A Dinamarca já manifestou interesse em sediar as negociações, apesar de ser cética sobre a participação russa. O chanceler alemão, Olaf Scholz, também afirmou na sexta que “na hora certa” voltará a falar com Putin, com quem não conversa desde dezembro passado. De uma forma mais discreta e quase misteriosa, a China também atua em negociações com ambos os governos. 

Fato é que não se pode tirar o mérito de Lula em insistir no tema da paz, apesar de algumas declarações totalmente fora do tom e a falta de consistência nos comentários. Se for o presidente brasileiro ou outro político a liderar e conseguir acabar com a guerra não importa, desde que o objetivo seja alcançado, pois vidas dependem disso. De certa forma, o futuro da Europa também depende do fim do conflito. As peças do xadrez estão na mesa, talvez só não seja a hora de movê-las para a frente do tabuleiro. 

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