A Ómicron é mesmo a oportunidade para Portugal avançar rumo à imunidade natural? O que une e o que separa os peritos

29 dez 2021, 18:21
Covid-19 em Portugal

Todos os peritos ouvidos pela CNN concordam nisto: mais cedo ou mais tarde, é preciso ir para a imunidade natural. Onde não estão de acordo: se deve ser cedo ou tarde

Face ao comportamento atual da variante Ómicron, mais transmissível mas menos propensa a causar doença grave, a possibilidade de atingir a imunidade de grupo de forma natural - através da infeção - foi colocada em cima da mesa pelo epidemiologista Manuel Carmo Gomes e reiterada pelo virologista Pedro Simas (a Ómicron "é o fim da pandemia" e "o melhor é deixar o vírus disseminar-se", defende Simas). O médico Bernardo Gomes, especialista em Saúde Pública, defende algo semelhante: “se há país que está bem posicionado para a mudança de estratégia é Portugal” e por isso também acolhe a possibilidade de imunidade natural..

Carlos Palos, intensivista e coordenador da Comissão de Prevenção, Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos do Hospital Beatriz Ângelo, diz À CNN que “esta variante permite o objetivo do vírus - que é transmitir e não matar". "Transmite sem tantos danos e é esse equilíbrio que leva ao desenvolvimento de endemias."

Maior transmissibilidade, menor doença, menor período de incubação, menos sintomas em pessoas vacinadas. A variante Ómicron veio mudar o jogo da covid-19, trazendo alguma esperança para a passagem à situação endémica, quase dois anos depois de ter sido declarada pandemia. “Não me surpreenderia muito que a Ómicron ou uma outra variante como a Ómicron, que cause uma doença mais ligeira mas que se transmite mais rapidamente, fosse aquilo que se iria estabelecer na população humana e causar surtos epidémicos como acontece com outros vírus respiratórios. Acho que é mais ou menos uma variante como esta que se vai estabelecer na população humana”, disse a investigadora Marta Nunes, do Departamento de Análise de Vacinas e Doenças Infecciosas da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, em declarações à CNN Portugal.

Miguel Castanho, especialista em Bioquímica e investigador Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, defende que, clinicamente - e quando comparada, por exemplo, com a Delta -, a Ómicron “é uma variante aparentemente menos má” e por isso “a prazo poderá ser algo positivo para nós”.

Por ser clinicamente mais favorável, sobretudo no que diz respeito ao baixo número de internamentos face ao alto número de infeções, esta variante é vista como uma boa notícia para o combate à pandemia - porque conseguiu tirar de cena a variante Delta, até agora dominante, mais fatal e mais impactante nos serviços de saúde.

Para Miguel Castanho, e avaliando o comportamento atual desta nova variante, a Ómicron “sobrepõe-se a outras variantes” e, além de ser já dominante, “causa doença, em média, menos grave e é rapidamente mais detetável, fatores que ajudam para controlar a situação pandémica e chegar a uma situação endémica”, algo que, se não houver mutações ou novas variantes à mistura, poderá acontecer em breve.

Olhando para todos estes fatores, o investigador do IMM diz que “é possível [atingir a imunidade natural] porque já começamos a reunir indícios que apontam, de facto, para um conjunto de características da Ómicron que podem, a prazo, contribuir para uma instalação endémica do vírus”. Mas deixa o alerta: “Diria que é possível, mas não é prudente”. Pelo menos agora.

Faz sentido apostar nessa imunidade natural agora?

Não, defendem alguns especialistas entrevistados pela CNN Portugal. E são unânimes nos argumentos: a variante é muito recente para haver evidência robusta sobre as suas características e impacto - especialmente a longo prazo - e ainda não é possível prever as consequências das últimas duas semanas do ano, marcadas pelas festividades e por maiores contactos sociais e familiares.

O cenário da imunidade natural mostra-se positivo tendo em conta a forma como o vírus atua atualmente. Se entrarem na equação mutações ou até chegadas de novas variantes, o cenário muda e reina a incerteza sobre a eficácia e segurança do abandono de algumas medidas não farmacológicas para dar azo à imunização natural. E por isso mesmo o médico intensivista Carlos Palos mostra-se cauteloso: “Não sei se é um pouco precoce dizermos com firmeza o que esta variante vai implicar a médio e longo prazo”.

“Para já, o que parece é que tem maior transmissibilidade e menor gravidade, mas ainda estamos só com um mês de evolução, não sabemos exatamente quais as consequências das pessoas que sofrem desta variante, podem não sofrer numa fase aguda mas sofrer numa fase avançada. Temos de ser cautelosos”, continua o médico.

Também Filipe Froes, pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid-19, fala em prudência, embora se mostre otimista com o rumo que a pandemia está a levar, cada vez mais na direção de se tornar uma situação endémica.

“Eu acho que é possível [atingir a imunidade natural com a Ómicron]. Não sei se é prudente, porque não temos dados para avaliar com todo o rigor os riscos da doença a curto prazo em termos de gravidade, que aparentemente é menor, como a longo prazo, como a long covid”, esclarece Filipe Froes.

Por estar “em circulação há muito pouco tempo”, o pneumologista acrescenta ainda que, apesar de a Ómicron ser clinicamente mais favorável do que as anteriores variantes, “não sabemos qual vai ser a evolução do SARS-CoV-2, nem o vírus sabe - o que podemos esperar é que seja a última variante de preocupação”.

Para o médico Carlos Palos, “tem de haver muitas cautelas e por essa mesma razão a OMS, CDC [Centro de Controlo e Prevenção de Doenças] ou a ECDC [Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças] não tomaram medidas no sentido de deixar de ter as precauções de transmissão”. Deste modo, frisa, “pode ainda não ser seguro neste momento”.

Também Pedro Simões Coelho, diretor e professor catedrático da NOVA Information Management School (NOVA IMS) e investigador na  plataforma Covid-19 Insights, apela à “prudência” e avisa para o facto de ainda não haver “muito tempo de dados de evolução para saber exatamente as suas características”. “A ausência de dados externos torna impossível fazer previsões fiáveis.”

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