«Comecei a gostar de futebol exatamente no dia 12 de junho de 2000»

25 mai 2022, 09:29
Luís Rodrigues

«Um café com...» Luís Rodrigues: o Insónias em Carvão que colocou o país a rir com os memes sobre futebol, política e a sociedade portuguesa.

Chama-se Luís Rodrigues, mas o país conhece-o por Insónias. Nasceu em Inglaterra, veio com cinco anos para Portugal e ainda hoje é conhecido por «inglês» entre amigos. Tem 43 anos, é licenciado em Comunicação Empresarial, casado e pai de dois filhos.

Há oito anos que põe os portugueses a rir à gargalhada com as montagens que cria. Por isso tornou-se um fenómeno na internet, o que lhe mudou a vida. Deixou o emprego em pós-produção televisiva e agora dedica-se em exclusivo aos memes.

Curiosamente foi no emprego em pós-produção, onde trabalhou durante 14 anos, que aprendeu a mexer nos programas de tratamento de imagem da Adobe. Os colegas da produtora tiveram a paciência de o ensinar e a prática conduziu à perfeição.

Já colaborou com vários jornais e revistas, faz há vários anos parte da equipa de Ricardo Araújo Pereira e tem um enorme legião de fãs: cerca de 73 mil seguidores no Twitter, 267 mil no Facebook e 285 mil no Instagram.

Apesar disso, gosta de preservar a privacidade e não é frequente vê-los em entrevistas. O Maisfutebol contactou-o em fevereiro, explicou que naquela semana já ia dar uma entrevista. Pediu para ligar um mês mais tarde, que se transformou em três meses.

Como é que começou a sua paixão pelo futebol?

Começou muito tarde, na verdade. Começou exatamente no dia 12 de junho de 2000. Não deve haver muitas pessoas que se lembrem do dia em que começaram a gostar de futebol.

Verdade, verdade. Mas porquê nesse dia?

Porque nesse dia aconteceu o Portugal-Inglaterra do Euro 2000. O meu irmão e os meus amigos já gostavam de futebol, viam os jogos todos do Benfica e da Seleção, mas eu não ligava nada. Naquela tarde vi o jogo com amigos e percebi que aquilo afinal valia a pena. A partir daí comecei a ver, vi a competição toda e passei a ter sentimento pelo futebol.

O Portugal-Inglaterra que foi um grande, grande jogo...

Foi espetacular, obviamente. Foi uma bela maneira de começar, sem dúvida.

Tinha quantos anos nessa altura?

Devia ter uns 21 anos.

Portanto, viu o Portugal-Inglaterra e pensou: se calhar o meu irmão e os amigos têm razão...?

Sim, lembro-me de pensar: ‘epah, isto é emocionante’.  E foi emocionante, não é? Lembro-me perfeitamente que o McManaman marcou o segundo golo, depois há um momento em que o Alan Shearer olhou para ele com aquele ar de 'isto está ganho', isso despertou o orgulho nacional e então foi Figo, João Pinto e Nuno Gomes. O Euro 2000 foi, aliás, uma muito porreiro, fomos quase até ao fim. Fomos até à França e a mão do Abel Xavier.

Aí viveu a sua primeira grande de desilusão com o futebol...

Sim, sim, sim. Mas como sou benfiquista, depois seguiram-se muitas outras.

Foi também aí que se tornou benfiquista?

Não, já era benfiquista, mas só porque sim. O meu irmão era benfiquista e, pronto, eu também era. Mas não gostava minimamente de futebol e, portanto, não tenho aquela coisa do ‘sempre gostei do Benfica desde pequenino’. Não, comecei a gostar a partir de uma data específica: 12 de junho de 2000. Foi a partir desse dia, e desse Portugal-Inglaterra, que comecei a ver futebol.

A partir daí começou a seguir tudo sobre futebol?

Sim, sim. Mas sempre tive um carinho muito especial pela Seleção. Há muita gente que não liga, que gosta sobretudo dos clubes, mas eu gosto muito, muito da Seleção. Talvez por isso não tenha aquela coisa de ser um adepto tão parcial, tão apaixonado por um clube.

Até porque brinca com todos os clubes de maneira igual e se for preciso ser corrosivo com o Benfica, também o é...

Sim, acabo por brincar um pouco com todos. Se calhar até sou mais crítico com o meu, porque há aqueles momentos em que estás menos satisfeito e acabas por ser influenciado por isso.

Já alguma vez teve alguma chatice com adeptos por causa dos seus memes?

Nada. Pelo menos nada que me chateie. Obviamente que recebi e recebo algumas mensagens mais ou menos...  mal dispostas. Mas nada que não desapareça quando pouso o telemóvel. Até acho que devia receber mais para o que faço.

Mas antes disso, gostava por exemplo de jogar à bola na escola?

Não, nada, nada. Nunca joguei à bola, só gostava de jogar computador e de ler. Mas depois do Euro 2000 comecei a jogar, o que é curioso. A partir daquele Europeu comecei a gostar mesmo de ver e de jogar futebol. Antes disso não era nada desportista. Tenho essa data específica e a partir daí comecei a jogar. Parei durante a pandemia, como toda a gente, mas, entretanto, já recomecei.

Para quem começou a jogar com 21 anos, no início não era um bocado aselha?

Claro, obviamente [risos]. Ainda sou um pouco, mas agora muito menos. Para quem começou a jogar futebol com vinte anos, imaginem... Só que eu jogava muito, jogava duas e três vezes por semana, portanto fui evoluindo. Agora jogo uma vez por semana.

Disse que em criança gostava sobretudo de ler e jogar computador, jogava jogos de futebol?

Não, zero. Não gostava nada de jogos de futebol. Mas depois desse Euro 2000 comecei também a jogar. O que é engraçado. E agora jogo muito. PES, FIFA, esses jogos.

Que tipo de adepto é que é agora?

Sou um adepto tranquilo. Não sou de ficar com melão, ou com azia. Não sou nada dessas coisas. Prefiro que o Benfica e Portugal ganhem, mas não perco o sono, nem nada disso. Gosto de ver, mas associo sempre o futebol a convívio. A malta junta-se para ver os jogos e tal, gosto de ver e se puder vejo-os todos. Mas não deixo de ir a um sítio porque vai dar um jogo, não faço isso. Ao fim de semana também vejo um bocadinho da Liga Inglesa, mas é mais a televisão tipo aquário a dar os jogos do que propriamente eu sentado no sofá a ver.

Aliás, o seu projeto do Insónias em Carvão não começou com futebol, não é?

Não, não, comecei com ilustrações, mais ou menos em 2013. Não tinha nada a ver com o que é agora. As ilustrações eram o quê? Eu fazia desenhos em cima de fotografias. E vendi muitos trabalhos. Para pessoas com bebés, grávidas, crianças. Desenhava ursinhos e coisas em cima das fotos.

E como é que daí evoluiu para o humor?

Essa coisas de gozar e fazer montagens, eu já fazia nessa altura, mas era para gozar com os amigos e coisas assim. Até que houve um que me disse: ‘Epah, tens que pôr estas coisas na tua página’. E aí comecei a partilhar nas redes sociais. Comecei pela política, até que há um dia em que fiz uma montagem com futebol e a partir daí o projeto deu um boom. O futebol é outro mundo. E eu gosto de fazer sobre futebol, também. Acho muito divertido.

Ou seja, com o futebol é que percebeu que o impacto era enorme?

Com a política já sentia um bocado, mas depois com o futebol foi muito mais. E o que eu fazia por vezes era juntar as duas coisas: montagens em que o futebol aparecia misturado com a política e aquilo tinha algum sucesso.

Já deve ter feito uns milhares de montagens dessas...

Sim, sim, já vai nuns milhares. Eu faço uma média de uma montagem por dia, o Insónias já vai em oito anos, portanto isto já vai nuns milhares, sim.

E há alguma que ainda hoje pense: ‘aquela estava brutal...’?

Guardo muito carinho por aqueles da seleção no Euro 2016. Ainda por cima ganhámos, portanto foi tudo fantástico. Aquelas montagens dos jogadores com bigode, em que lhes juntei a portugalidade, mesmo até ao Fernando Santos, com os garrafões de vinho e o bacalhau. Gostei muito desses. Foi uma boa altura.

Há um que eu tenho de partilhar que é sempre a minha referência, que é do Nhaga...

Sim, sim, sim, o do Nhaga.

Em que pôs um feiticeiro em África a dançar.

Sim, sim, com uma televisão pequenina a mostrar o golo falhado do Bryan Ruiz. Epah, já nem me lembrava desse, veja lá [risos].

E planeia continuar a fazer isto até quando?

Enquanto puder. Basicamente é a minha vida agora, eu vivo disto. Deixei o trabalho há dois anos e tal, agora dedico-me só a isto, portanto espero que possa continuar a fazê-lo durante muito tempo.

«Um café com...» senta o Maisfutebol à mesa com figuras eminentes da nossa sociedade, nomes sem ligação aparente ao desporto, a não ser a paixão. A música, a literatura, o cinema ou a política enredados nas quatro linhas de conversas livres e descontraídas.

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