Há cada vez mais russos a sair da Rússia. Mas nem sempre são bem recebidos

11 mar 2022, 13:49
Russos fogem da Rússia para a Finlândia (AP)

Jornalistas estão entre os que mais procuram refúgio no estrangeiro. Sentimento anti-Rússia no resto do mundo está a aumentar

A invasão russa à Ucrânia originou a maior vaga de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial. De acordo com a estimativas da Organização Internacional para as Migrações, organismo da ONU, cerca de 2,5 milhões de pessoas já fugiram da Ucrânia, havendo outros 2 milhões de deslocados internos.

No entanto, está a crescer uma outra vaga no continente europeu: há cada vez mais russos a sair da Rússia. As pesadas sanções económicas, a suspensão da atividade de centenas de empresas no território, bem como a forte desvalorização do rublo e a oposição ao regime de Putin e à invasão da Ucrânia, contribuíram para este aumento súbito.

No Twitter, o jornalista Pjotr Sauer documentou o aumento na Rússia de pesquisas no Google pela palavra “emigração”.

Todas os dias, o comboio diário que faz a ligação entre São Petersburgo e Helsínquia fica totalmente preenchido por cidadãos russos. O expresso Allegro é, atualmente, a única ligação ferroviária entre a Rússia e a União Europeia, fazendo o trajeto cinco vezes por dia. Esta ligação é também importante dada a ausência de voos que liguem a Rússia ao resto da Europa.

“Conseguimos ver, pela bagagem que levam, que as pessoas estão a mudar-se para outro sítio, estão a sair definitivamente da Rússia”, afirmou Topi Simola, vice-presidente da companhia ferroviária VR, à France24.

A migração não se faz somente em direção à Finlândia. Os países bálticos são também uma opção bastante escolhida, dada a existência de grandes comunidades russófonas nestes países. Quem não consegue um visto para a União Europeia procura a Geórgia, a Arménia, a Turquia, o Azerbaijão e a Sérvia.

Andrei, um realizador baseado em Moscovo, contou ao The Guardian que foi retido pelas autoridades russas quando procurava embarcar num voo para Baku. “Um polícia pegou no meu telemóvel e passou uma hora a ver tudo. Felizmente eu tinha apagado todas as conversas sobre a minha oposição à guerra no Telegram e no Signal. Perguntou-me se amava ‘verdadeiramente’ o meu país e porque queria fugir. Foi um dos momentos mais assustadores da minha vida”, disse, tendo posteriormente sido autorizado a entrar no avião.

Lei aprovada por Putin coloca em causa a independência do jornalismo

Entre os que saem da Rússia estão muitos jornalistas. Uma lei aprovada por Putin a 4 de março criminaliza a divulgação de “informações falsas” (como classificar a “operação militar especial” de “invasão” ou “guerra”) sobre o exército russo e a sua atividade na Ucrânia e colocou em risco o trabalho dos jornalistas e meios de comunicação independentes na Rússia. Muitas estações televisivas estrangeiras, como a CNN, a RAI e a CBC, também decidiram suspender a sua atividade no país.

A pena de prisão para este crime pode atingir os 15 anos. “Sei de pelo menos 80 jornalistas que fugiram da Rússia na última semana precisamente porque poderiam acusados com esta nova lei”, afirmou à NPR Masha Gesser, jornalista russo-americana da revista New Yorker.

Gesser encontra-se na Geórgia, onde as autoridades do país estimam que já tenham entrado entre 20 mil a 25 mil russos desde o início da invasão. “Hoje falei com um sociólogo, um professor de ciência, um padre ortodoxo, um podcaster e um editor. Não são jornalistas. Sentiram que podiam estar em perigo porque já tinham sido detidos em protestos anteriormente. (…) Mas mais do que isso, estão a fugir do medo de acabar do outro lado da Cortina de Ferro, que se está a reerguer rapidamente. Também não querem pertencer a um país invasor”, contou Gesser.

Russos no estrangeiro sofrem de xenofobia

A vida para os russos que vivem fora do país de origem também não é fácil. Um pouco todo o mundo, incluindo em Portugal (onde crianças russas se queixam de ter sofrido bullying dos colegas de escola), há relatos de xenofobia e de aumento de sentimentos anti-Rússia.

Anton Dolin, crítico de cinema residente do talk-show de Ivan Urgant - popular comediante russo que se manifestou publicamente contra a invasão -, fugiu para a Letónia, onde os russos representam um quarto da população.

“Saímos. Há mais razões, mas na verdade é só uma – a guerra criminosa na Ucrânia, iniciada pelos líderes da Rússia”, escreveu no Facebook, confessando também que está sem emprego e tem pouco dinheiro disponível.

Contudo, o acolhimento não foi o melhor. Num dia, quando ia a sair de casa, Dolin reparou num “Z”, que já se tornou o símbolo dos russos durante a invasão, desenhado na sua porta. “O objetivo é claro, é dizer ‘sabemos onde a tua família vive, tem cuidado’”, lamenta Dolin.

A notícia avançada pela Reuters de que a Meta permitirá incitamento ao ódio contra russos e ameaças de morte a Vladimir Putin no Facebook e no Instagram não contribuiu para serenar os ânimos. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse esperar que a permissão de apelos à violência nas redes sociais “não seja verdade”.

"É difícil imaginar tal coisa. Se for verdade, têm de ser tomadas ações para encerrar as atividades da empresa", afirmou.

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