Os chefes de Estado dos EUA, Japão, França, Itália, Alemanha, Grã-Bretanha e Canadá estão reunidos e têm decisões difíceis para tomar
Os líderes do G7 começaram esta quinta-feira a sua cimeira anual, em Puglia, no sul de Itália. Alojados num hotel de luxo com um restaurante com estrela Michelin, a ementa do encontro é variada. Na agenda há conversas sobre África, o clima, Inteligência Artificial, Médio Oriente e a China, mas o prato principal é mesmo o apoio à Ucrânia com duas medidas prestes a serem anunciadas. Uma delas pode vir a ter um impacto estrondoso no sistema financeiro mundial.
“O acordo em torno da utilização dos ativos russos congelados é de longe a questão mais importante. Há uma divergência grande entre a Europa e os Estados Unidos. Mas utilizar esses fundos seria uma autêntica bomba atómica económica para a economia europeia”, alerta o major-general Agostinho Costa.
Em causa está um princípio de acordo anunciado esta quarta-feira pela presidência francesa em relação à utilização dos ativos congelados do Banco Central da Federação Russa como colateral para um empréstimo de 46,3 mil milhões de euros por ano à Ucrânia. A ideia passa por utilizar os juros destes fundos, aproximadamente três mil milhões de euros por ano, para pagar o empréstimo concedido pelos Estados Unidos, de forma a ajudar a Ucrânia a resistir à invasão russa.
Mas vários especialistas alertam que a decisão pode ser abrir um precedente legal perigoso e pode mesmo ter repercussões bastante negativas para o sistema económico mundial, particularmente contra os Estados Unidos, Reino Unido e a União Europeia. O princípio da proteção da propriedade privada garante aos países ocidentais um estatuto privilegiado perante países terceiros na hora de serem escolhidos para depositar as suas reservas e as suas fortunas.
“Esta decisão é muito importante, mas também é muito perigosa. Na prática o G7 quer que sejam os russos a pagar a guerra. Do ponto de vista legal abre-se um precedente que se pode virar contra o ocidente. Não se pode tomar esta decisão contra a Rússia e não esperar que não sejam tomadas este tipo de medidas contra o ocidente”, sugere o professor Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais.
E esse é um debate que existe no seio dos países da NATO está longe de encontrar consenso na Europa, onde estão congelados a maior fatia destes fundos. Dos quase 300 mil milhões de euros confiscados, 207 mil milhões encontram-se na posse das autoridades belgas. Os Estados Unidos congelaram 67 mil milhões e o Reino Unido outros 37 mil milhões. Muitos países temem perder a reputação e o estatuto de refúgio seguro para ativos financeiros.
"Os europeus estão bem conscientes dos danos que tais decisões podem causar à sua economia e à sua imagem, à sua reputação como garante fiável, por assim dizer, da inviolabilidade da sua propriedade", disse Peskov aos jornalistas, em março.
O próprio setor bancário europeu já se mostrou preocupado com a possibilidade de uma retaliação russa. No mês de maio, fontes da indústria revelaram à agência Reuters que estavam a fazer lobby junto da União Europeia, de forma a evitar que a medida levasse a uma maior erosão da confiança no setor financeiro europeu. Os bancos mostraram-se particularmente receosos de uma extensão do confisco de bens a indivíduos e empresas sancionadas.
Existe o receio de que estas medidas desencadeiem uma verdadeira tempestade legal, com milhares de processos contra centenas de entidades, que podem arrastar-se durante décadas e custar dezenas de milhões de euros aos envolvidos.
“Temos de nos meter na pele dos outros. Como é que os países do Médio Oriente, da América Latina, de África e da Ásia olham para a Europa a partir do momento em que confiscamos os ativos de outros países porque não concordamos com eles? Eles pensam que hoje é a Rússia e amanhã são eles”, reforça Agostinho Costa.
Olhos no Oriente
Nem todos os olhos estão postos nas fronteiras de leste. Parte significativa do trabalho dos líderes destes sete países vai focar-se no que tem vindo a ser apelidado de “excesso de capacidade” industrial da China. Segundo os Estados Unidos e a União Europeia, Pequim tem combinado o seu potencial industrial com uma forte política de subsidiação para tornar o seu mercado automóvel mais competitivo do que o ocidental, oferecendo produtos de melhor qualidade a preços mais baixos. Só que esta medida coloca em causa algumas das principais indústrias ocidentais.
"Há muito trabalho a fazer, mas estou certo de que nestes dois dias conseguiremos ter discussões que conduzirão a resultados concretos e mensuráveis", disse a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.
Esta quarta-feira a União Europeia anunciou a decisão provisória de aplicar tarifas provisórias aos fabricantes automóveis europeus que podem chegar aos 38%. O governo chinês já reagiu, criticando o que diz ser um “ato flagrante de protecionismo”.
Prego no caixão
Desta reunião deverá também sair a assinatura de um acordo de segurança entre os Estados Unidos da América e a Ucrânia para um horizonte de dez anos, para garantir o apoio norte-americano na luta ucraniana contra a invasão russa. De acordo com o conselheiro de Segurança americano, Jake Sullivan, este documento pretende assegurar a continuidade do apoio, caso o antigo presidente Donald Trump volte a ser eleito.
O documento é semelhante ao assinado em Lisboa, no passado mês de maio, entre Volodymyr Zelensky e Luís Montenegro, que determina a cooperação em várias áreas do domínio da segurança, que passam pelo apoio à indústria da defesa ucraniana, investigação científica, informações militares, formação de militares e abre a porta para um apoio mais alargado em caso de um novo ataque.
Vários outros países da NATO assinaram este tipo de acordo com Volodymyr Zelensky. Alguns especialistas criticaram a natureza destes acordos, que não vinculam legalmente os governos a ajudar a Ucrânia. O próprio Jake Sullivan admite que a próxima administração norte-americana pode sair do acordo, uma vez que este não foi ratificado pelo Congresso. Além disso, o documento não garante mais apoio militar à Ucrânia do que o que foi enviado.
Para os especialistas, estes acordos podem ser interpretados como uma forma que os aliados arranjaram para dar garantias à Ucrânia, sem correr o risco de desencadear uma guerra com a Rússia com a entrada de Kiev na NATO no curto-prazo.
“Este acordo é o último prego no caixão das aspirações da entrada da Ucrânia para a NATO. É uma medida compensatória. É uma promessa de acordo a longo prazo para compensar a não entrada na NATO. Isto é a confirmação de que Ucrânia não entra na NATO. É uma mão cheia de nada”, defende Agostinho Costa.