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Diretor executivo CNN Portugal

Quem é mais macho? Dez fotografias sobre o poder de homens e mulheres (e de Anitta e Miguel Milhão)

4 jul 2022, 17:45
À direita: 2022, reunião do G7 na Alemanha. Charles Michel, president do Conselho Europeu; Mario Draghi, primeiro-ministro de Itália, Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá; Emmanuel Macron, Presidente de França; Olaf Scholz, chanceler da Alemanha; Joe Biden, Presidente dos EUA; Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido; Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão; Ursula von der Leyen, president da Comissão Europeia. Foto Michael Kappeler via Getty Images. À esquerda: 2009, Vladimir Putin a cavalo durante umas férias em Kyzyl no sudeste da Sibéria Foto Alexsey Druginyn/AFP via Getty Images

Um punhado de imagens da última semana ilustra como o mesmo Ocidente que se orgulha de estar na vanguarda da história dos valores humanos baloiça num permanente regresso à pré-história

“Despimos as nossas roupas? Temos todos de mostrar que somos mais duros que Putin”.

Quando Boris Johnson disse esta frase, oito homens e uma mulher dos mais poderosos do Ocidente posavam para a fotografia. E evocavam uma imagem de Putin de tronco nu a cavalo. Já vamos a essa conversa. Antes, outra citação:

“Para os homens que amam as mulheres que amam os homens”.

A frase é de um antigo anúncio de um perfume francês. No original, é “Pour les hommes qui aiment les femmes qui aiment les hommes" e o meu francês estaca na tradução do verbo, se é amar, adorar ou gostar, tudo coisas diferentes – ou se na verdade significaria “querer”. O anúncio há de ter sido inventado por cabeças de homens – foi-o pelo menos para cabeças de homens.

Falemos disso em modo de semana ilustrada. Porque uma semana bastou para ver fotografias que são espelhos deste Ocidente a que nos orgulhamos de pertencer mas às vezes não: não quando o cavalo do progresso desembesta às arrecuas.

Fotografia #1: os homens do poder

26 junho de 2022, Alemanha. Mario Draghi, primeiro-ministro da Itália; Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá; Emmanuel Macron, Presidente de França; Olaf Scholz, chanceler da Alemanha; Joe Biden, Presidente dos EUA; Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido; Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão. Líderes dos países do G7 juntos para a fotografia de família durante a Cimeira do G7 em Schloss Elmau, na Alemanha. Foto: Michael Kappeler via Getty Images

Pela primeira vez em 16 anos, não houve numa cimeira do G7 uma única mulher eleita líder de uma das sete democracias mais ricas do mundo, assinalava Frida Ghitis na CNN, num texto que começou por inspirar este artigo: “A fotografia conta a história. Ali estão eles, um pequeno punhado de pessoas mais poderosas do mundo, sorrindo nos seus fatos escuros: cada um deles é homem”.

Fotografia #2: os homens do poder e uma mulher 

26 de junho de 2022, Garmisch-Partenkirchen, Alemanha Mario Draghi, Ursula von der Leyen, Joe Biden, Olaf Scholz, Boris Johnson, Justin Trudeau, Fumio Kishida, Emmanuel Macron e Charles Michel numa foto de grupo na cimeira do G7 Foto Thomas Lohnes / Getty Images

Mal as primeiras imagens da cimeira do G7 foram publicadas, começaram as críticas à ausência de mulheres e logo se seguiram outras sessões de fotografia, agora com uma mulher: a presidente da Comissão Europeia. Ursula von der Leyen não é líder de uma nação, nem foi eleita diretamente pelo povo, é-o de um órgão de uma organização supranacional, a UE. “Demasiadas vezes, quando olham para lugares de topo, os homens dizem que é difícil encontrar mulheres com o perfil certo”, escreveu von der Leyen no Twitter em janeiro. “Bem, se está seriamente à procura delas, irá encontrá-las”. Ursula von der Leyen não é um adereço feminino nesta fotografia, mas tê-la no alinhamento entre o rígido Mario Draghi e o estroina Boris Johnson terá sido um alívio. Em quantas fotografias e organizações não há mulheres escolhidas por homens preocupados com a perceção e não com a representatividade, menos ainda com a diversidade?

Fotografia #3: as mulheres dos homens do poder

29 de junho de 2022, Segovia, Espanha: Lydia Abela, primeira-dama de Malta; Annik Penders, primeira-dama da Bélgica; Begona Gomez, primeira-dama de Espanha; Lidija Đukanović, primeira-dama do Montenegro; Ingrid Schulerud, primeira-dama da Noruega; Juraj Rizman, parceira do Presidente da Eslováquia; Jill Biden, primeira-dama dos EUA; Rainha Letizia de Espanha; Diana Nausédiené, primeira-dama da Lituânia; e Emine Erdoğan, primeira-dama da Turquia, participam num encontro de Primeiras-Damas no Palácio Real de La Granja de San Ildefonso durante a cimeira da NATO em Segovia, Espanha. Foto Carlos Alvarez/Getty Images

Outra cimeira, a da NATO, na mesma semana. Enquanto os homens se fechavam a discutir gravemente o mundo, as suas mulheres cumpriam o programa paralelo desenhado para elas. Houve muitas sessões de fotografia nas cimeiras da última semana, pensadas por assessores de imagem para criar perceções. Como estão alinhados, com que paisagem, com que luz, se de casaco ou em mangas de camisa, de gravata ou sem ela, sorrindo ou seriamente. Não me ocorre que assessor magicou esta sessão das mulheres dos líderes. É a fotografia mais machista de todas: enquanto os homens fazem girar o mundo, as suas mulheres são passeadas nos jardins, veem tapeçarias, tomam chá, pousam à frente de fontes luminosas.

Fotografia #4: as mulheres que ganham poder

29 de junho de 2022, Madrid, Espanha. Reunião de ministras dos Negócios Estrangeiros e da Defesa durante a cimeira da NATO. Da esquerda para a direita: Irene Fellin, representante especial para as Mulheres, Paz e Segurança; Melanie Joly, ministra dos Negócios Estrangeiros do Canadá; Anniken Huitfeldt, ministra dos Negócios Estrangeiros da Noruega; Ann Linde, ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia; Liz Truss, secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido; Thordis Kolbrun Gylfadottir, ministra dos Negócios Estrangeiros da Finlândia; Tanja Fajon, ministra dos Negócios Estrangeiros da Eslovénia; Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha; Ludivine Dedonder ministra da Defesa da Bélgica. Foto Manu Fernandez/AP

Claro que há mulheres no poder. Incluindo estas, duas ministras da Defesa e sete ministras dos Negócios Estrangeiros, na primeira reunião na história do género (e de género) da NATO. Entre os 60 ministros da Defesa e Negócios Estrangeiros na cimeira, 19 eram mulheres (incluindo Helena Carreiras, ministra da Defesa de Portugal). Nunca foram tantas. Boris Jonhson (é sempre Boris Johnson) já afirmou que, se Putin fosse mulher, não haveria guerra. Irene Fellin, da NATO, respondeu-lhe: "As mulheres são mais pacíficas e com mais mulheres no poder teríamos menos guerra. Nunca saberíamos [se haveria guerra caso a Rússia fosse liderada por uma mulher], porque não temos mulheres suficientes no poder", afirmou. E pediu que se dê mais poder às mulheres “para que se chegue a uma conclusão”.

Fotografia #5: Quem é mais macho?

À direita: junho de 2022, reunião do G7 na Alemanha. Charles Michel, presidente do Conselho Europeu; Mario Draghi, primeiro-ministro de Itália, Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá; Emmanuel Macron, Presidente de França; Olaf Scholz, chanceler da Alemanha; Joe Biden, Presidente dos EUA; Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido; Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão; Ursula von der Leyen, president da Comissão Europeia. Foto Michael Kappeler via Getty Images. À esquerda: 2009, Vladimir Putin a cavalo durante umas férias em Kyzyl no sudeste da Sibéria Foto Alexsey Druginyn/AFP via Getty Images

Voltamos à cimeira do G7 e desta vez está tudo em mangas de camisa. Para a fotografia, claro, homens arregaçados são homens a trabalhar. Antes deste momento, o grupo tinha já sido inadvertidamente gravado a falar à mesa enquanto pousava para fotógrafos:

Boris Jonhson – “Com casaco? Sem casaco? Despimos as nossas roupas? Temos todos de mostrar que somos mais duros que Putin”.

Justin Trudeau – “Vamos assumir a pose de montados a cavalo de tronco nu”.

Ursula von der Leyen – “… montado a cavalo é o melhor.”

Boris Jonhson – “Aí está! Temos de mostrar-lhes os nossos peitorais!”

Estavam a gozar com Putin, referindo-se a uma antiga sessão de fotografias do então primeiro-ministro (hoje Presidente) da Rússia, de férias em tronco nu montado a cavalo (e num urso e a pescar e com uma espingarda, sempre de tronco nu). Há poucos meses, Marwan Bishara chamava Putin na Aljazeera de “um czar-moderno macho”, que não aceita a separação da Ucrânia como um macho não aceita a separação de uma mulher que o rejeita, como se o traindo.

Fotografia #6: “Agarrá-las pela passarinha”

2018, 9 de junho, Charlevoix, Canadá. A chanceler alemã Angela Merkel com o Presidente dos EUA Donald Trump, na cimeira do G7. Também na fotografia estão (da esquerda para a direita): Larry Kudlow, diretor do Conselho Económico Nacional dos EUA; Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido; Emmanuel Macron, Presidente da França; Yasutoshi Nishimura, chefe de gabinete adjunto do Japão; Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão; Kazuyuki Yamazaki, ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros do Japão; John Bolton, conselheiro de segurança dos EUA. Foto oficial do gabinete de imprensa do governo alemão, Jesco Denzel /Bundesregierung

Flashback até outra cimeira da NATO, em 2018, quando duas mulheres lideravam países do G7: Angela Merkel era chanceler da Alemanha e Theresa May primeira-ministra do Reino Unido. “De vez em quando, parece que uma tendência está a começar”, escreve Frida Ghitis, mas “agora estamos de volta aos 100% de membros do G7 liderados por homens”. Esta fotografia foi então imensamente publicada, não apenas pela cénica disposição das pessoas mas sobretudo pela atitude corporal de Merkel e Trump, ela enérgica, ele com ar mimado.

A falta de respeito de Trump por mulheres poderosas (incluindo por Merkel, a quem terá chamado de “cabra” na Sala Oval) é fácil de relatar, e por mulheres em geral também (“Tens de agarrá-las pela passarinha” é só uma das frases ignóbeis de uma vasta coleção). Pior talvez só Putin, que gozou e tentou humilhar Merkel quando a surpreendeu com um dos seus cães num encontro com fotógrafos, sabendo do medo que a então chanceler tem de cães.

Fotografia #7: mulheres privadas de direitos

26 de junho de 2022, Washington: uma manifestação de ativistas pelos direitos ao aborto enfrenta outra manifestação de ativistas anti-aborto, depois da decisão do Supremo Tribunal dos EUA de anular a decisão de Roe vs. Wade que há 50 anos legitimava o direito federal ao aborto. Foto Nathan Howard/Getty Images

Trump não é o único americano com a cabeça nas trevas. "Uma decisão de Deus (…) para a qual contribuí", reagiu o antigo Presidente, depois de o Supremo Tribunal dos Estados Unidos ter revertido a decisão que dava às mulheres o direito ao aborto. A suposta “democracia mais avançada do mundo” recua décadas na lei e séculos na mentalidade, sem instituições (legais e políticas, pois bastaria mudar a lei) capazes de reconhecer os direitos das mulheres, condenando as vidas sobretudo das mais pobres. Aconteceu. Na América. No Século XXI. Às mulheres.

Fotografia #8: as americanas contra Trump

Cassidy Hutchinson, Rep. Liz Cheney, Ruby Freeman, Wandrea "Shaye" Moss and Caroline Edwards. 

O seu nome é Cassidy Hutchinson, tem 26 anos, foi assessora do chefe de gabinete de Donald Trump e até há cerca de uma semana era uma perfeita desconhecida. Até que prestou depoimento na comissão que investiga a invasão do Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, que provocou cinco mortes e ia causando um golpe, ante a passividade se não o apoio de Trump, que demorou a convocar as forças de segurança e a demover os desordeiros, que pediam literalmente o enforcamento de Mike Pence.

O depoimento de Hutchinson foi arrasador, relatando a fúria de Trump quando perdeu as eleições e a forma como não só ignorou os alertas de violência como até terá querido rumar ao Capitólio, atirando-se ao volante e agredindo o segurança que o impedia. Cassidy Hutchinson não é a única mulher corajosa a enfrentar Trump e a ala trumpista dos republicanos. Como escreveu Stephen Collinson, “uma jovem assessora de West Wing [ala da Casa Branca], uma agente da polícia do Capitólio, duas mulheres que trabalharam nas eleições na Georgia e uma republicana que escolheu a verdade em vez do seu partido estão a escrever os seus nomes na história ao (…) porem a descoberto a manhas rufias do ex-Presidente”.

Todas estão a desempenhar um papel essencial numa investigação sobre um caso tão mau ou pior do que Watergate. Antigos colegas de Hutchinson disseram à CNN estarem “preocupados com a sua segurança à medida que Trump e o seu bando a enlameiam”. Alyssa Farah Griffin, que foi directora de comunicação de Trump até se demitir em 2020, afirmou: "Para os membros do Congresso que têm medo da reeleição [de Trump], bem, esta mulher anda por aí a falar sob ameaças à sua vida”.

Fotografia #9: as mulheres e ex-mulheres do poder na Europa

Christine Lagarde, presidente do BCE; Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia; e Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha 

Há dois anos, quando a União Europeia lançou o plano de recuperação para combater os efeitos económicos causados pela pandemia da covid-19, quatro políticos foram determinantes para quebrar tabus, incluindo o das emissões conjuntas de dívida e os apoios generalizados e sem austeridade do "norte" imposta a "sul". Três eram mulheres (o quarto foi Macron), o que levou a elogios generalizados: à presidente do BCE, à presidente da Comissão Europeia e à chanceler da Alemanha. Entretanto, Merkel passou de bestial a besta, com os erros da Alemanha na dependência da Rússia a manchar os louros com que saíra do poder. Lagarde está agora a ser muito criticada por o BCE ter reagido tarde e desvalorizado avisos quanto à inflação. Ursula von der Leyen é a única que se mantém relativamente incólume, liderando na União o discurso contra a Rússia.

Lagarde e von der Leyen são particularmente ativistas dos direitos das mulheres. Nos seus corredores de poder, lidam essencialmente com homens. Em março do ano passado, Lagarde disse esperar que as mulheres jovens não tenham de passar pelo sexismo que ela experimentou. E contou vários casos, desde advogados a pedirem-lhe para ir buscar café por ela ser a única mulher na sala até ouvir um deputado francês cochichar “pergunto-me com quem é que ela irá para a cama para ficar com este lugar”: era ministra.

Fotografia #10: Anitta vai a Portugal

Anitta no Rock in Rio de Lisboa, a 26 de junho de 2022 (Miguel A. Lopes/Lusa)

Enquanto isso, em Portugal, o assunto era Anitta. Por causa de uma bandeira de Espanha, as redes sociais fizeram o que fazem bem: “incendiaram-se”. Leram-se coisas reles, da bandeira passou-se para o rabo e do rabo passou-se para a voz e da voz passou-se para o playback e do playback passou-se, como sempre, para a extinção do “incêndio”.

A primeira onda foi “a gaja não canta nada, é só cu e mamas”, a segunda foi “eu nem conheço a música [ah, o distanciamento de segurança do complexo estético], mas é uma grande artista que enche palcos e é uma mulher, viva Anitta!”, a terceira foi dos auto-intitulados corajosos do politicamente incorreto porque “ela é bonita e usa o corpo e qual é o mal?”, a quarta já ia numa algazarra de amores e ódios, exércitos de nós e eles, intolerâncias e cultura de cancelamento, etc. etc. etc. Como é que uma miúda pode ser alvo de tantos insultos é coisa que, infelizmente, nos passa e não ultrapassa.

Imagem #11: o gestor Milhão

4 de julho de 2022. Destaque de entrevista de Miguel Milhão, dono da Prozis, ao Negócios, depois deste defender a decisão do Supremo Tribunal dos EUA que anulou a decisão federal que permitia o aborto em todo o país.  

Miguel Milhão é dono de uma empresa, a Prozis, que segundo ele fatura mais de 150 milhões de euros em todo o mundo. Diz que respeita toda a gente, incluindo, entre os seus funcionários, “os que se podem chamar de homossexuais”. Eis uma frase semelhante ao “eu até tenho amigos negros”. Esta entrevista ao Negócios, depois da polémica sobre Milhão ter defendido a decisão do Supremo Tribunal dos EUA que anulou o precedente jurídico que permitia o aborto em todo o país, é uma espécie de “vão-se lixar”. Miguel Milhão diz que não precisa para nada da dúzia de influencers portuguesas que largaram a marca, reitera a sua posição anti-aborto e defende o uso de armas.

Nos mesmos dias, um docente universitário português clamava alto “com certeza que sou homofóbico” e “há muita coisa que só se resolve com violência". Violência.

 


Este álbum de fotografias não é uma lição de moral, é uma breve exposição do pensamento nos dias em que vivemos. Machismo, homofobia, armas, cultura de cancelamento, incitamentos ao ódio, Putin homem de guerra de violência e de violações, Trump homem de mentiras que pode voltar a candidatar-se (e a ganhar), o #metoo histerizado para ficar esterilizado, justiça dos ricos e Johnny Depp a derrubar Amber Heard porque uma das advogadas era muito melhor do que a outra, justiça dos pobres e mulheres que não falam ou falam e perdem os empregos, justiça pelas próprias mãos e mortes por violência doméstica, as redes sociais e a política, as armas e a política, a religião e a política, a violência que é monopólio do Estado e ou se muda o monopólio ou se muda o Estado, tudo isto não é só uma cacofonia alucinada, é um Ocidente mais turvo e curvo do que supomos, e em que o ultraconservadorismo se está a reeleger com a política e escolher com a força.

Não estamos a andar para a frente, estamos a recuar, a retroceder e a regredir para um mundo de onde muitas cabeças nunca saíram, qualificando agora como “opiniões próprias” o que são direitos e deveres e assumindo como lei e ordem o desejo de reinstaurar a opressão, a supressão, o seu lugar cativo lá em cima de onde observam os cativos lá em baixo. 

Sim, estamos a despir as nossas roupas. E é isto que vemos, atrasos de vida e vidas de atraso.

Eu sou homem, vivo na Europa, falo branco, estou no lugar mais quente do mundo, onde o instinto de ser melhor e de evitar o insuportável paternalismo pode parecer ou ser um viés de observação e uma projeção de superioridade. Talvez as mulheres respondam como a personagem Polly Gray responde a um homem na série "Peaky Blinders", "I'm having trouble these days, and I'm twice the man you are", estou a ter problemas por estes dias e sou o dobro do homem que tu és.

Portugal não é o país favorito de Miguel Milhão, são os Estados Unidos, "terra dos livres", afirma citando o hino norte-americano, "Land of the free and the home of the brave". No álbum "Home of the Brave", na música “Smoke Rings”, Laurie Anderson faz um concurso de televisão : 

“O que é mais macho? O ananás ou a faca?”, pergunta. “O que é mais macho? A lâmpada ou o autocarro da escola? O icebergue ou o vulcão? A escadaria ou os anéis de fumo?”

Às vezes, a realidade parece um concurso de televisão. O poder reside em quem decide qual é a resposta considerada correcta. 

“Ooo, eu vou seguir-te.
Afora nos pântanos e dentro na cidade.
Abaixo da calçada
Vou localizar-te.
Doo doo doo doo doo doo doo.”

 

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