Sequenciação de ADN resolve o mistério da identidade do primeiro animal híbrido

CNN , Katie Hunt
2 fev 2022, 08:00
“Painel de Guerra” do “Estandarte de Ur”, exposto no Museu britânico em Londres, onde estão representados kungas a puxar carroças.

Investigação a partir de esqueleto revela animal majestoso, o mais antigo animal híbrido.

Os bioengenheiros da Idade do Bronze criaram o mais antigo animal híbrido – uma criatura majestosa chamada kunga, parecida com um cavalo, cuja mãe era um burro fêmea, o pai era um burro-selvagem da Síria, e que viveu há 4500 anos, segundo uma nova pesquisa baseada na sequenciação do ADN do esqueleto do animal.

As descrições e imagens presentes nos textos e obras de arte da Mesopotâmia mostram-nos um animal forte que puxava as carroças de guerra para as batalhas e as viaturas reais nos desfiles. Porém, a sua verdadeira identidade há muito que confundia e dividia os arqueólogos. Só há 4 mil anos é que os cavalos domesticados chegaram à região, por vezes referida como Crescente Fértil.

Jill Weber, uma das autoras do estudo, a escavar sepulturas de equinos em Umm el-Marra, na Síria.

Esqueletos intactos das criaturas eram enterrados junto a pessoas de estatuto elevado – a camada superior da sociedade da Idade do Bronze – no complexo funerário de Umm el-Marra, no norte da Síria, o que sugere que os animais ocupavam uma posição muito especial. As análises aos dentes dos kunga mostraram que eles usavam freio na boca e eram bem alimentados.

No entanto, os ossos de cavalos, burros, mulas e outros equídeos são muito semelhantes e difíceis de diferenciar, o que torna impossível identificar o animal apenas pelo exame dos esqueletos.

Agora, a análise ao ADN extraído dos ossos enterrados em Umm el-Marra revelou que o animal era um cruzamento entre um burro, que na altura era domesticado, e o já extinto burro-selvagem da Síria, por vezes chamado zécora ou onagro.

Isso faz com que sejam os indícios mais antigos do cruzamento híbrido de animais de duas espécies diferentes, de acordo com o estudo publicado no jornal “Science Advances”, na sexta-feira. Provavelmente, era criado de propósito, adestrado e depois trocado pelas elites da época.

“Uma vez que os híbridos costumam ser estéreis, significa que havia uma quantidade de energia notável dedicada a estar constantemente a capturar e criar ónagros selvagens, fazê-los procriar com burros domesticados e depois treinar estas parelhas dos prestigiados kungas (que só duravam uma geração)”, disse-nos Benjamin Arbuckle, arqueólogo antropologista da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, por e-mail. Ele não participou na investigação.

“Isso demonstra realmente a natureza inovadora e experimental dos povos antigos, que julgo que algumas pessoas só associam ao mundo moderno, e também a sua disposição para investirem muitos recursos na criação artificial de um animal dispendioso que era usado apenas por e para as elites.”

Animal de guerra

Antes do aparecimento do cavalo, encontrar um animal disposto a avançar para a batalha era um desafio, disse Eva-Maria Geigl, diretora de investigação do CNRS (Centro Nacional de Investigação Científica de França) da Universidade de Paris, autora do estudo.

Apesar de o gado bovino e asinino conseguir puxar carroças, não conseguia investir contra o adversário, segundo nos disse.

“Eles não eram usados para travar guerras, e não havia cavalos domesticados na altura. Os sumérios, que queriam travar guerras porque tinham cidades-estado muito poderosas, tinham de encontrar outra solução.”

Ela pensa que o primeiro kunga surgiu naturalmente quando um burro-selvagem da Síria acasalou com um burro fêmea.

“Eles devem ter reparado que o animal era mais robusto e domável. Devem ter observado o resultado deste cruzamento natural e pensaram: ‘Muito bem, vamos fazer isso. Pela primeira vez na história humana, vamos usar bioengenharia para criar um animal’.”

No entanto, não deve ter sido fácil. O burro-selvagem da Síria era considerado agressivo e extremamente rápido, disse-nos ela.

Geigl disse que um estudo anterior do ADN mitocondrial, que revelou a linhagem da fêmea, descobriu que o kunga era um híbrido. Foi apenas com a análise do ADN nuclear que os cientistas conseguiram precisar a paternidade do animal.

Para chegarem às suas conclusões, os investigadores sequenciaram e compararam os genomas de um kunga com 4500 anos enterrado em Umm el-Marra, na Síria, um burro-selvagem da Síria com 11 mil anos encontrado em Gobekli Tepe (o local de culto humano mais antigo que se conhece na Turquia contemporânea) e dois dos últimos burros-selvagens da Síria que ainda sobrevivem, após a espécie se ter extinguido no início do séc. XX.

Arbunkle disse que a maioria dos textos que refere os kungas data de meados dos anos 2000 a.C., e que era improvável que fossem reproduzidos antes de 3000 a.C., quando os burros surgem nos registos arqueológicos. Em 2000 a.C., segundo nos disse, eles foram substituídos como animais de carga pelos cavalos e mulas – um cruzamento entre um burro macho e uma égua.

“Este trabalho deixa como assente a ideia de que os híbridos foram de facto criados na antiga Mesopotâmia, o que é muito fixe”, disse Arbuckle.

“Mas ainda não sabemos qual era a difusão do animal e também não responde a questões adicionais relativas a outros tipos de equídeos híbridos criados na Idade do Bronze. Por isso, ainda restam muitas questões.”

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