Podem os jogadores do FC Porto alegar liberdade de expressão em relação aos cânticos contra o Benfica? “Seria gozar com o juiz”

27 jul 2022, 07:00
FC Porto-Mónaco (LUSA/MANUEL FERNANDO ARAÚJO)

"Chamaram o pior nome que podiam chamar. Se tivessem dito 'palhacinhos' ou 'totós', aí não, mas, neste caso, vão ter de levar com o castigo", explica um jurista ouvido pela CNN Portugal. A propósito deste caso, o comentador Rui Santos lamenta "a visão doentia" que impera no futebol português

A sanção aplicada a quatro jogadores do FC Porto por terem proferido palavras ofensivas contra o rival Benfica é um dos temas que estão a marcar o arranque da nova época do futebol nacional. Durante um convívio privado, transmitido nas redes sociais, Diogo Costa, Wilson Manafá, Fábio Cardoso e Otávio entoaram o cântico “filhos da puta, SLB”. Além de terem de cumprir um jogo de suspensão devido às “injúrias e ofensas à reputação”, como definiu o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, o ato valeu também uma multa de 15 mil euros ao clube.

À CNN Portugal, o jurista João Diogo Manteigas afirma que um eventual recurso do FC Porto dificilmente faria sentido por se tratar de um delito claro. Aliás, o clube decidiu mesmo não recorrer. “É uma questão altamente objetiva porque eles injuriam. Estamos a falar de nomes impróprios, que são injuriosos para as pessoas”, refere o jurista. “O Código Penal prevê o crime de injúria, que consiste em insultar, chamar nomes a alguém. Qual é o nome conhecido mais lesivo? É filho da puta, não há outro. Chamaram o pior nome que podiam chamar. Se tivessem dito 'palhacinhos' ou 'totós', aí não, mas, neste caso, vão ter de levar com o castigo. Não se livram da suspensão”, afirma. 

João Diogo Manteigas lembra um exemplo fora do mundo do futebol para explicar as diferenças relativamente à à intensidade e contexto dos insultos. “Há uns anos, o jornalista Miguel Sousa Tavares teve uma ação movida contra ele por ter chamado ‘palhaço’ a alguém [o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva] e, quando se defendeu no âmbito do processo, explicou que a expressão tinha um determinado contexto, pois tinha escrito um artigo relacionado, com um tom jocoso e de alguma forma irónica. Jogou com esse sentido”, menciona o jurista. “Neste caso [dos jogadores do FC Porto], é completamente ao lado. O próprio Benfica, se quisesse, poderia fazer uma queixa-crime contra os jogadores, porque efetivamente eles injuriam a instituição, um crime que está previsto no Código Penal. Os jogadores do FC Porto cantaram ‘filhos da puta, SLB’, não há outra interpretação possível a ter, é injúria, têm de ser punidos. Tanto que eu acho que eles nem vão recorrer, assumiram o castigo para o cumprirem o mais depressa possível.”

Podem os jogadores do FC Porto alegar que as palavras se enquadram no direito à liberdade de expressão? O jurista ridiculariza essa hipótese. “No dia em que um país democrático tenha um tribunal ou um Conselho de Disciplina a aceitar que uma expressão como 'filho da puta' se enquadra no conceito de liberdade de expressão, mais vale encerrar logo os tribunais e as federações. Não estou a dizer que não possam defender-se com isso, mas não é plausível, nem razoável, nem argumento legal. Não são palavras sobre as quais um juiz possa ter dúvidas quanto à intenção ou contexto.”, considera João Diogo Manteigas, que teoriza como os quatro jogadores se poderiam defender caso o queiram fazer.

“Os jogadores podem dizer que as palavras tiveram um contexto. Estavam num jantar, a confraternizar com os adeptos através das redes sociais. Podem alegar que se emocionaram, que se deixaram levar pela corrente e que não pretendiam ofender ninguém, mas as palavras simplesmente saíram. Foi numa altura festiva, os sócios e adeptos do FC Porto começaram a insistir ‘canta, canta, canta’ e eles não queriam deixar mal os adeptos. Então, de forma inconsciente e negligente, proferiram aquelas palavras, sem que com elas tenham querido ofender ou prejudicar. Não têm outra defesa, só pode ser esta.”

João Diogo Manteigas reforça, no entanto, que alegar liberdade de expressão não é possível neste caso. “Se forem para um tribunal dizer que chamar ‘filho da puta’ a uma pessoa ou entidade não é injuriar, é meio caminho andado para levarem um não. Seria gozar com o juiz.”

“Visão doentia”

O comentador CNN Portugal Rui Santos afirma que o comportamento dos quatro jogadores do FC Porto “é uma extensão de uma visão distorcida sobre o que deve ser a sã rivalidade e a coexistência institucional”. "Em Portugal criou-se o hábito de pouco ou nada se fazer para cultivar o desportivismo entre rivais. Isso fica a dever-se em grande parte à 'guerra' Norte-Sul, desencadeada e promovida há décadas no futebol português.  Não se trata de rivalidade, em termos daquilo que seria razoável", diz à CNN Portugal. "Trata-se de uma visão doentia sobre o que deve ser o desporto, mesmo na sua versão mais competitiva no futebol. A ligeireza com que os jogadores portistas gravaram os vídeos em que insultaram os seus congéneres benfiquistas é apenas um (mau) exemplo resultante do ambiente que se criou no futebol em Portugal."

Na opinião do comentador, o castigo atribuído na sequência de uma participação do Benfica justifica-se pois “cabe à justiça desportiva pugnar pela defesa de alguns dos mais importantes valores associados ao desporto e ao futebol, como preceituam os estatutos e os regulamentos da FPF (que aplicou o castigo) e da Liga".

Rui Santos comenta ainda a notícia avançada pelo Porto Canal de que o FC Porto não vai recorrer dos castigos atribuídos pelo Conselho de Disciplina da FPF, afirmando que tal decisão se pode dever a uma tentativa de “controlo de danos”. “Há muito a fazer para que situações destas não se repitam e isso passa por lideranças presidenciais mais responsáveis e, por extensão, por direções de comunicação que ajudem a pacificar o futebol português”, concluiu o comentador da CNN Portugal.

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