«Se fosse para consumir cocaína, fazia-o 20 vezes ao dia para matar o meu ego», confessa Flávio Donizete
Vencedor da Libertadores e do mundial de clubes pelo São Paulo, há duas décadas, Flávio Donizete, hoje com 41 anos, viu a vida desabar por causa das drogas, cuja dependência o levou até a vender a medalha recebida pelo título mundial. «Quanto mais você usa, mais preso fica. Vendi aquilo que desejei tanto conquistar», desabafou, em entrevista ao Globoesporte.
Donizete atingiu cedo o auge na carreira. Cedo demais, talvez. Com apenas 21 anos, viu do banco o São Paulo, de Rogério Ceni, Cicinho e Amoroso, derrotar o Liverpool (1-0), no Japão, e tornar-se campeão do mundo, menos de meio ano depois de o Tricolor ter conquistado a Libertadores.
Mesmo pouco utilizado, sublinha que «ninguém pode tirar isso» do seu currículo. «Flávio Donizete, de Itapecerica da Serra, 20 e poucos jogos pelo São Paulo e campeão mundial. É uma marca positiva, porque fui coroado com isso», diz.
Os problemas começaram quatro anos depois, quando viu o seu contrato com o São Paulo ser rescindido. «Comecei a ir para a noite, a beber e a sair com os amigos. Depois de estar alcoolizado, vi um grupo de pessoas a drogar-se e experimentei». Iniciou-se aí um ciclo angustiante, vicioso, que lhe virou a vida do avesso.
«Fiquei quase dois anos no vício. Se fosse para consumir cocaína, fazia-o 20 vezes ao dia para matar o meu ego. Estava sempre a usar para suprir a necessidade de voltar a jogar. Claro que tudo isso era uma ilusão. Cada vez que usava, mais me afundava», recorda.
Entretanto, o dinheiro começou a faltar para alimentar o vício, o que o levou a opções desesperadas. Decidiu vender aquilo que tinha, incluindo a medalha de campeão do mundo, conquistada em 2005.
«Vendi sem consciência. Claro que, depois, me arrependi. Foi algo que consegui com muito suor e que vendi por "migalhas" para poder matar essa vontade. Depois de passar o efeito, pensava: “que m****, o que fui fazer? Como é que pude fazer isso?”. É revoltante e até me emociona», desabafou.
Flávio Donizete ainda voltou ao futebol, tendo terminado a carreira em 2019, na Portuguesa. «Poderia ter chegado um pouquinho mais longe, principalmente se não fosse a droga. Não teria sido um fenómeno do futebol, mas tive muitas possibilidades», atira.
Hoje, continua a recuperar de um período sombrio da sua vida. Cafu entregou-lhe uma réplica da medalha de campeão de mundo vendida, um ponto de partida animador. A família virou prioridade, e é por ela que continua a lutar: «Não preciso estar sempre a chorar e a recordar o meu passado. Sei que, às vezes, é doloroso, triste, porque queria estar noutra situação, mas Deus tem-nos lapidado para poder contar (este testemunho) a outras pessoas, para fazer a coisa certa e andar direito».