FIFA dá razão a jogadora e condena Lyon a pagar salários do período da gravidez

17 jan 2023, 19:50
Sara Bjork Gunnarsdottir com o troféu da Liga dos Campeões conquistado pelo Lyon, em 2022, já depois da gravidez. Em 2021/22 participou em apenas seis jogos e só fez três minutos na Champions (Getty)

Sara Björk, médio islandesa de 32 anos, ficou grávida no início de 2021, regressou ao país natal para estar mais próxima dos médicos, mas não foi acompanhada devidamente pelo clube francês, que agora tem de pagar mais de 80 mil euros

A FIFA deu a conhecer esta terça-feira uma decisão histórica e que poderá mudar o panorama do futebol feminino, bem como o tratamento das mulheres no desporto: o Lyon foi condenado a pagar mais de 80 mil euros a Sara Björk Gunnarsdóttir, islandesa de 32 anos que ficou grávida em 2021 e a quem o clube privou parte dos ordenados.

Estávamos em março de 2021 e a vida corria bem a Sara Björk. A médio islandesa jogava no Olympique Lyon, à data bicampeão europeu de futebol feminino e desfrutava de um clube que proporciona todas as instalações e recursos necessários para que as mulheres possam ter o melhor rendimento desportivo.

Até que engravidou.

«No início, a única coisa que eu sentia era felicidade, mas então a realidade atingiu-me. Como é que a equipa vai reagir a isto? Não foi planeado, mas eu sabia que estava com a pessoa com quem queria começar uma família e nem sequer pensei que não teria o meu bebé. Mas, no fundo da tua mente, ainda te sentes culpado de alguma coisa. Como se estivesses a dececionar as pessoas», recordou ao The Players Tribune.

Sara viveu um período «stressante», no limbo entre encontrar o momento ideal para contar a novidade à equipa e o receio da reação das pessoas. Numa primeira fase, com cinco semanas de gravidez, partilhou com o médico e fisioterapeutas do clube aquilo que se estava a passar.

Antes de um jogo diante do Paris Saint-Germain, no treino, a islandesa vomitou três vezes. Já no dia da partida, o treinador solicitou que entrasse ao intervalo, mas Sara teve de dizer «não».

«Foi horrível. Essa [pessoa] não sou eu, eu nunca faria isso», frisou.

Aí, decidiu que era o momento de contar a verdade às colegas.

«Foi engraçado ver as reações delas porque algumas ficaram muito chocadas. Acho que houve muitas emoções contraditórias - quando uma jogadora diz que está grávida, é um momento especial, mas também vem com algumas incógnitas. Eu acho que, uma vez que a ficha realmente caiu, todas ficaram felizes por mim. Mas elas, naturalmente, tinham muitas perguntas porque fui a primeira pessoa na história do Lyon a engravidar e com a intenção de voltar a jogar», lembrou.

Era hora, então, de definir os próximos passos. Naquela altura, várias colegas de equipa já tinham contraído covid-19 e Sara só pensava em regressar à Islândia, onde pudesse entender os médicos e estar perto da família.

A direção do clube autorizou e a jogadora garantiu que queria regressar depois do nascimento do bebé.

«Eu acreditava que ser a primeira jogadora do Lyon a voltar da gravidez seria algo que todos nós poderíamos comemorar juntos.  Então, a equipa assinou o meu plano, ajudou-me com a papelada do seguro e voei para a Islândia no primeiro dia de abril.»

O pior veio depois. O primeiro salário falhou, o segundo também e por aí em diante.

Os representantes da jogadora entraram com o contacto com o clube, que pediram desculpa pelo lapso nos dois primeiros meses, mas referiram que não iriam pagar o terceiro pois «estavam a seguir a lei francesa» e não lhe deviam «mais nada».

Aí, Sara lembrou-se das novas regras da FIFA que tinham entrado em vigor no início de 2021 e que salvaguardavam os direitos na maternidade.

«Essas regras eram bem novas, mas eu conhecia-as vagamente por causa de uma conversa aleatória que tive com algumas jogadoras um dia», observou.

Entrou em cena o Sindicato dos Jogadores franceses e ainda a FIFPRO. Sara foi ameaçada de que «não teria futuro no Lyon» se levasse o caso adiante, mas não temeu e foi em frente, já que o clube ficou em autêntico silêncio perante o assunto.

«Estou na Islândia. Grávida. E agora estou a pensar, espera, acabei de perder o meu emprego? Eu estava seriamente zangada.  Este deveria ter sido o momento mais feliz da minha vida. Tudo o que eu queria era aproveitar a minha gravidez e trabalhar duro para voltar a ajudar a equipa e o clube. Mas, em vez disso, senti-me confuso, stressada e traída», sublinhou.

Sara continuava a treinar e mantinha a forma física, mas tudo era pago do seu bolso. Além das preocupações inerentes à gravidez, ainda tinha de se preocupar com toda a sua situação profissional.

«As preocupações continuaram a acumular-se. Uma noite, disse a Árni [n.d.r. companheiro]: 'Talvez  tenha de desistir. Quando contei pela primeira vez sobre a minha gravidez ao clube, eles pareciam muito felizes por mim e disseram que fariam de tudo para me apoiar, e eu acreditei nisso. Mas agora, não tinha tanta certeza.»

Sara regressou à Islândia em abril e, até agosto, ninguém da direção do clube ou equipa técnica a tentou contactar ou sequer tentou verificar como estavam os seus treinos.

Sara Bjork Gunnarsdottir com o filho, Ragnar, à margem do Bélgica-Islândia, durante o Europeu 2022 (Getty)

Até que chegou o tão aguardado dia do nascimento de Ragnar. «Foi a sensação mais incrível e indescritível, tornar-me mãe. Sentes-te como um super-herói depois de um parto.»

Em janeiro de 2022, Sara regressou a Lyon e tentou dar «110 por cento» para mostrar que estava em forma e pronta a ajudar a equipa. Porém, diz, foi «tratada de forma diferente».

A treinadora Sonia Bompastor e respetivo staff impediram-na de viajar com o bebé nas deslocações da equipa, pois «poderia incomodar no autocarro» e, numa altura em que ainda amamentava, Sara rejeitou essas condições.

Eles sempre me fizeram sentir que era uma coisa negativa eu ​​ter um bebê», vincou.

O clube insistia em transmitir que «não era nada pessoal, apenas negócios», mas a médio islandesa sentiu a relação a deteriorar-se.

«Eu estava tão exausta de todas as lutas. Ficou claro que, independentemente do que foi dito, a essência era verdadeira: Como mãe recente eu não tinha futuro com este clube», lamentou.

E assim deixou Lyon.

Sara Bjork Gunnarsdottir cumpre a primeira época na Juventus, depois de ter jogado no Lyon, Wolfsburgo, Rosengard e Breidablik (Getty)

Em maio, veio a decisão tão aguardada. O Tribunal da FIFA condenou o clube a pagar o valor respetivo aos salários que não tinham sido pagos até então.

«Tive direito ao meu salário integral durante a gravidez e até ao início da minha licença maternidade, de acordo com os regulamentos obrigatórios da FIFA. Isto faz parte dos meus direitos e não pode ser contestado, mesmo por um clube tão grande quanto o Lyon», vincou.

«A vitória parecia maior do que eu. Parecia uma garantia de segurança financeira para todas as jogadoras que desejam ter um filho durante a carreira. Que não é um 'talvez' ou uma incógnita.»

«Ragnar tem quase um ano e estamos num ótimo lugar como família. Estou na Juventus agora e estou muito feliz. Mas quero ter a certeza de que ninguém terá que passar pelo que passei. E eu quero que Lyon saiba que isto não está certo. Isto não é 'apenas um negócio'. Trata-se dos meus direitos como trabalhadora, como mulher e como ser humano», rematou.

O tribunal do organismo que tutela o futebol mundial, note-se, condenou o Lyon a pagar os 82.094,82 euros que estavam em atraso e destacou ainda que o clube autorizou que Sara regressasse à Islândia, mas não a acompanhou devidamente nem solicitou que continuasse a atividade desportiva de uma forma alternativa, embora a atleta se tenha disponibilizado a isso mesmo.

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