O adeus à última Rainha de Inglaterra que a maioria de nós alguma vez conhecerá (opinião)

CNN , Rosa Prince
21 set 2022, 19:00
Funeral da rainha Isabel II (Associated Press)

OPINIÃO Tem havido um ambiente de trepidação em relação aos 10 dias de luto pela Rainha, estimulado por duas perguntas: o que irá o futuro reservar ao Rei Carlos III, e o que significa a partida da sua mãe para o lugar da Grã-Bretanha no mundo?

Nota do editor: Rosa Prince é editora da revista The House. É antiga editora política assistente do jornal The Daily Telegraph e autora dos livros "Theresa May: The Enigmatic Prime Minister" [à letra, “Theresa May: A Enigmática Primeira-Ministra”] e "Comrade Corbyn: A Very Unlikely Coup" ["Camarada Corbyn: Um Golpe Muito Improvável"]. As opiniões expressas neste comentário são as suas.

Foi uma cerimónia para uma grande Rainha, uma líder mundial cuja longa sombra pairava sobre a nossa era - e ao mesmo tempo uma homenagem comovente e quase íntima a uma mãe, avó e bisavó amada.

Um funeral de pompa e esplendor para a Rainha Isabel II parou a Grã-Bretanha. Levou 100 chefes de Estado a viajar até Londres - juntando-se a uma congregação de 2.000 pessoas na Abadia de Westminster - e inspirou milhões de pessoas em todo o mundo a fazer uma pausa e assistir ao desenrolar das cerimónias para uma soberana que partiu.

Com a falecida Rainha agora sepultada ao lado do seu marido, o Príncipe Philip, na Capela de São Jorge no Castelo de Windsor, a Grã-Bretanha encerra um capítulo sobre o seu passado, num adeus aos membros da geração do tempo de guerra que viram o melhor momento deste país, encapsulando o espírito de 1940, quando a Grã-Bretanha permaneceu sozinha contra o fascismo, destemida e sem se vergar.

O sino da abadia tocou 96 vezes quando os dignitários chegaram, um por cada ano de vida da monarca, numa contagem que para os seus súbditos foi muito mais do que um número.

As suas sete décadas no trono significavam que apenas os mais velhos se lembravam de uma era antes da idade de Isabel. No entanto, o falecimento de uma mulher que tinha alcançado tal longevidade significou que o funeral foi marcado pelo respeito e pela admiração e não pela tragédia; não houve nenhum dos lutos cruéis que acompanharam a morte da sua antiga nora, a Princesa Diana, que perdeu a vida em circunstâncias chocantes um quarto de século antes, num desastre de automóvel num túnel de Paris, aos 36 anos.

Tem havido um ambiente de trepidação em relação aos 10 dias de luto pela Rainha, estimulado por duas perguntas: o que irá o futuro reservar ao Rei Carlos III, e o que significa a partida da sua mãe para o lugar da Grã-Bretanha no mundo?

A Rainha Isabel II herdou do seu pai, o Rei Jorge VI, um país que ainda reivindicava um império, com 70 territórios em todo o mundo. Por tudo o que ela supervisionou numa transição bem sucedida para uma Comunidade de nações mais igualitária, é difícil não ver o seu reinado como tendo sido de constante diminuição do lugar do Reino Unido na cena mundial.

A sua morte anuncia talvez outro abaixamento da escala. O poder suave que a monarquia com Isabel conferiu ao Reino Unido foi poderoso - que outro líder global poderia comandar para o seu funeral tal alinhamento de estadistas mundiais, desde o Presidente americano, Joe Biden, ao Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ao líder brasileiro, Jair Bolsonaro, e à primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern?

Mas com o sentimento republicano a crescer em toda a Comunidade - e, sendo sussurrado talvez até em casa -, será o mesmo verdade quando chegar o momento de dizer adeus ao Rei Carlos III?

Ou mais abaixo na linha de sucessão, o seu filho William, o seu neto George? Será que eles (poderão eles - poderá alguém?) merecer a admiração universal e a aclamação inspiradas pela Rainha Isabel II?

Quando ela subiu ao trono, o grande líder da guerra Winston Churchill estava de volta a Downing Street; com serendipidade, ele tornar-se-ia o seu primeiro primeiro-ministro. Quando Churchill morreu mais de 10 anos depois, foi dito que dois rios corriam por Londres - além do Tamisa, um outro era feito das pessoas que se encontravam nas ruas para prestar o seu respeito enquanto o seu corpo jazia na Westminster Hall do Parlamento do século XI.

Nos cinco dias que antecederam o seu funeral, aquele rio correu novamente para Isabel II, a jovem rainha de Churchill que era uma encarnação viva de uma ligação de volta à guerra, um lembrete de que a Grã-Bretanha já tinha sido grande - e poderia voltar a sê-lo.

Durante aqueles dias e noites, o foco da nação fixou-se na fila de muitas horas a passar pela sua urna, deitada onde Churchill tinha estado quase seis décadas antes.

“A Fila” - ganhou letra maiúscula por volta do segundo dia - tornou-se algo como um microcosmo do reinado da Rainha e das atitudes em relação à monarquia.

Foi estóico, sem queixas, auto-sacrificial e acima de tudo longo - muito, muito longo. Os que faziam fila esperaram até 24 horas para prestar a sua homenagem.

Quando a fila foi fechada, cerca de 300 mil pessoas tinham passado pela urna da Rainha, tendo o espírito jovial da fila recuado subitamente quando as carpideiras chegaram à caverna ecoante sob o telhado de madeira de Westminster Hall, onde Carlos I foi julgado e condenado à morte, Henrique VIII poderá ter jogado ténis e os próprios pais e avós de Isabel tiveram o seu velório antes ela.

Um refrão repetido por aqueles que fizeram fila foi o de que a falecida rainha tinha dado 70 anos de dever e serviço; para eles, sacrificar um dia ou uma noite em ligeiro desconforto era uma justa homenagem.

As sondagens sugerem que, no final do seu reinado, cerca de 25% do público já não desejava viver numa monarquia, com os jovens menos interessados do que os mais velhos num chefe de Estado não eleito.

Esse foi um ponto de vista largamente ausente do debate nacional durante os 10 dias de luto oficial.

Mas mesmo se o republicano mais ardente confessasse admiração pelos longos anos de serviço da Rainha, e simpatia pela sua família, não foi difícil detetar uma sobrancelha coletivamente franzida para o que alguns viram como sendo elementos de reação exagerada - os restaurantes e as lojas de animais de estimação que emitiam mensagens de luto nas redes sociais eram suficientemente inofensivas, mas era realmente necessário que os bancos alimentares fechassem e que os tratamentos do cancro fossem cancelados?

O conceito de Grã-Bretanha sem monarquia estava ainda assim longe dos pensamentos da maioria no dia do funeral da Rainha. Muitos afirmaram sentirem-se comovidos, muitas vezes inesperadamente, com milhões de pessoas a ver desenrolar-se o luto nacional: e com a igreja, a política e os militares, todos a desempenhar os seus papéis ao lado da família de luto.

No final do funeral, na magnífica abadia onde entrou como noiva em 1947 e, tal como os reis e rainhas de Inglaterra que remontam ao Rei Edgar no século X, coroado em 1953, ressoou o ainda estranho hino nacional na versão “Deus Salve o Rei”.

No banco da frente, o homem que saudavam, o Rei Carlos III, estava de olhos vermelhos, quase chocado com o peso da responsabilidade que agora recai sobre os seus ombros.

Depois, a falecida monarca deixou a capital pela última vez, partindo na carruagem de armas para Windsor, onde as cerimónias continuariam durante a tarde.

Isabel II foi a maior rainha que a nossa era conheceu, uma figura marcante do século XX e início do século XXI. Um pouco do prestígio da Grã-Bretanha foi enterrado com ela - os seus herdeiros e o seu povo esperam que algo novo, diferente, mas não menos poderoso, possa surgir da sua memória.

 

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