"Se ainda lá estivessem esta fuga não tinha acontecido". As barreiras que falharam e que podiam ter travado a evasão de Vale de Judeus

10 set, 07:00
Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus (Lusa)

Os especialistas não têm dúvidas: se ainda estivessem ativas, estas barreiras teriam sido capazes de alertar e, em último caso, travar qualquer tentativa de fuga da prisão de alta segurança

Uma após outra, todas as barreiras criadas para evitar a fuga de cinco reclusos de uma prisão de alta segurança falharam. Apoiados por três cúmplices que executaram o plano com precisão militar no lado de fora do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre, na região de Lisboa, cinco criminosos “altamente perigosos” conseguiram escapar sem deixar rasto. Os especialistas acusam os responsáveis políticos de substituirem os guardas prisionais por tecnologia e apontam um “erro monumental” de gestão que teria evitado esta fuga.

“Falharam todos os elementos. Falhou a componente tecnológica e falhou a componente humana, uma vez que não havia meios suficientes. As pessoas que lideram os serviços prisionais não têm qualquer entendimento sobre segurança. Uma prova disso é a decisão de demolir as torres de vigia. Foi um erro monumental. Se ainda lá estivessem não tenho a menor dúvida de que esta fuga não tinha acontecido”, diz à CNN Portugal Hugo Costeira, especialista em segurança.

Desativadas há nove anos e trocadas por um sistema de videovigilância, devido à falta de efetivos, estas torres controlavam não só os prisioneiros, como permitiam detetar qualquer movimento estranho no exterior da prisão.

Quando existiam, estas instalações estavam ocupadas 24 horas por dia, por guardas armados. Sem este “elemento de vigilância” de pouco serviu o muro de sete metros de altura com pescoço de cavalo. Lençóis e uma escada foram suficientes para os criminosos ultrapassarem estas barreiras. Para substituir a ausência das torres, foram também instalados pilares com sensores de movimentos entre as pistas. O sistema de infravermelhos é capaz de detetar o movimento, acender uma luz e disparar um alarme para o operador. No entanto, segundo o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Frederico Morais, “há muitos anos” que estes dispositivos estão avariados.

“A torre de vigia controla mais de 80% da segurança da cadeia. Tinha um homem armado 24 sob 24, controlava quem se aproximava. Do exterior ninguém se aproximava, mal chegassem às imediações era logo dado o alerta. A desativação deixou de ter qualquer controlo humano para o exterior”, explica Frederico Morais.

Mas pela frente existia ainda uma rede com arame farpado e laminado, que tem o intuito não só de travar a aproximação de quem está a tentar escapar, como também procura criar uma zona de segurança para evitar que terceiros arremessem objetos para o interior da prisão. Só que sem o apoio e sem observação de polícias nas torres de vigia, três cúmplices do grupo aproximaram-se desta rede e, com recurso a alicates profissionais, cortaram a rede, permitindo que o grupo ultrapassasse esta última barreira que os separava da liberdade.

Era esta rede que Rui Abrunhosa Gonçalves, diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, disse ser elétrica, mas que não podia ser ativada porque isso deitaria abaixo a luz da prisão. Em todo o caso, os líderes sindicais dos guardas garantem não ter conhecimento de que exista qualquer rede eletrificada em Portugal. “Alguma vez, num país da União Europeia podia haver redes eletrificadas? A lei não permite, nem a constituição. Não estamos na Rússia ou na China”, sublinha o presidente da Associação Sindical de Chefias do Corpo da Guarda Prisional, Hermínio Barradas.

Ultrapassar esta última barreira teria sido muito mais complicado sem a ajuda dos três elementos que, com dois veículos, apareceram à hora exata para apanhar os prisioneiros em fuga. As autoridades acreditam que esta coordenação “quase militar” só foi possível graças à incapacidade dos guardas prisionais de conseguirem impor uma das primeiras barreiras de segurança: conseguir detetar e retirar os telemóveis aos reclusos. A polícia acredita que foi graças à utilização de telemóveis que estes criminosos conseguiram coordenar a operação de fuga. Mas, para os guardas prisionais, o problema prende-se com o elevado número de tarefas que têm de cumprir e com a falta de profissionais. Ainda assim, os profissionais acreditam que a situação era facilmente resolvida, se os decisores políticos tivessem “a coragem necessária” para o fazer.

“Com o envelhecimento do pessoal e a falta de pessoal, as revistas são feitas com muito mais dificuldade. Mas o problema era fácil de resolver com a instalação de inibidores de sinal. Nós temos um sistema rádio para comunicar, ligado à rede SIRESP, que funciona bastante bem”, garante Hermínio Barradas.

E a falta de guarda prisionais fez-se sentir no sábado em que se deu a fuga. Para gerir os mais de 500 reclusos que se encontram detidos, estavam de serviço apenas 33 guardas prisionais, de acordo com o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Por esse motivo, os cinco reclusos que fugiram não tinham qualquer vigilância presencial dos guardas. “Simplesmente não há guardas. Os que poderiam estar a controlar estão com outras funções”, insiste Frederico Morais.

Isto acontece devido ao período das visitas à prisão, que acontece aos fins de semana e feriados, das 09:15 às 11:30. Durante estas horas, o reduzido número de guardas concentra a sua presença no acompanhamento dos reclusos e das visitas até à sala. A vigilância das restantes áreas é feita através das mais de 200 câmaras que estão espalhadas pelos vários edifícios do complexo. Todas estas imagens são transmitidas em tempo real numa sala com oito monitores, por um operador que faz um turno de dez horas.

Só que durante a hora das visitas quase toda a atenção dos guardas está voltada para os encontros entre os reclusos e os familiares. Este é um momento crítico para a segurança da prisão e, muitas vezes, é através destes encontros que são introduzidos telemóveis ou substâncias ilícitas no interior da prisão.

“Este guarda só é rendido para ir almoçar e ainda há a hipótese de ser mandado desativar o CCTV para que ele vá cumprir outras funções, como a reinserção social. É humanamente impossível controlar aquilo tudo tantas horas. Está provado cientificamente que mais de meia hora a olhar para uma câmara deixamos de ter noção do que estamos a ver”, defende Frederico Morais.

A falha destas barreiras permitiu a fuga de dois portugueses, Fernando Ribeiro Ferreira e Fábio Fernandes Santos Loureiro, um cidadão da Geórgia, Shergili Farjiani, um da Argentina, Rodolf José Lohrmann, e um do Reino Unido, Mark Cameron Roscaleer, com idades entre os 33 e os 61 anos.

Mas o alerta só foi dado 40 minutos depois da fuga. Os reclusos começaram a fuga às 09:56 e o alerta inicial só começou foi dado às 10:36. Porém, o alerta tem de percorrer uma longa hierarquia que atrasa ainda mais a velocidade de resposta das autoridades, demorando-se mais cerca de duas horas: o guarda que deteta a fuga alerta o chefe de equipa; este, por sua vez, tem de avisar o chefe da cadeia; depois, a palavra tem de chegar ao diretor do Estabelecimento Prisional que reporta a ocorrência ao diretor-geral. A duração de todo este processo depende de “toda a gente atender o telemóvel”, refere Frederico Morais.

“Eles conseguiram perceber tudo. Eles conseguiram perceber que havia alturas do dia que não havia guardas. Conseguiram perceber que as câmaras são para controlar as visitas porque não há guardas para os controlar. Seria bom que o Governo percebesse isso também”, pede o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.

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