Ativista que interrompeu Costa manifesta em tribunal confrangimento por ser julgado pela "liberdade de expressão"

Agência Lusa , BCE
13 jan 2022, 19:21
Início do julgamento do ativista Francisco Pedro por desobediência (Manuel de Almeida/LUSA)

Em abril de 2019, Francisco Pedro interrompeu um discurso do secretário-geral do PS para contestar a expansão do aeroporto de Lisboa e a construção de um novo no Montijo

O ativista ambiental que interrompeu um discurso do primeiro-ministro e foi acusado de desobediência qualificada manifestou esta quinta-feira em tribunal o “sentimento algo confrangedor” de ser julgado por “uma ação espontânea” de “liberdade de expressão” e “denúncia de um crime”.

Francisco Pedro, ativista conhecido por Kiko, lamentou, perante a juíza Sofia Claudino, estar em tribunal a “usar recursos e tempo” da Justiça para “julgar um crime destes, quando existe um crime tão grave a acontecer que é a expansão do aeroporto [de Lisboa]”.

O ativista ambiental ligado ao coletivo ATERRA começou a ser julgado por desobediência qualificada, depois de em abril de 2019 ter interrompido um discurso do secretário-geral do PS, António Costa, numa cerimónia de aniversário do Partido Socialista, em Lisboa, tentando chegar ao microfone para tomar a palavra e contestar a expansão do aeroporto de Lisboa e a construção de um novo no Montijo.

Na altura, em menos de meio minuto, os jovens foram retirados do palco e António Costa prosseguiu o seu discurso. De forma inesperada e durante a cerimónia, os ativistas da ATERRA aproximaram-se do palco e lançaram aviões de papel, mostrando também um cartaz onde se lia "Mais aviões só a brincar".

Na sessão desta quinta-feira, Francisco Pedro, negou a acusação de ser organizador do incidente.

O ativista recusou ainda tratar-se de uma manifestação organizada - e não autorizada pela Câmara de Lisboa, como argumenta a acusação -, mas sim uma “ação espontânea” de liberdade de expressão e para denúncia de um crime.

“Não me revejo na narrativa dos factos [da acusação]. Parece uma narrativa montada. Havia a necessidade de expressar este crime que foi falado. Participei numa ação, cordialmente, pacificamente. Num momento que senti oportuno subi ao palco para tentar ler um comunicado”, disse Francisco Pedro, sublinhando que sente que o comunicado continua atual e que gostaria de ter oportunidade de o ler outra vez.

Quer a juíza, quer o procurador do Ministério Público, André Canelas, insistiram na tese da existência de uma organização no incidente em causa, tendo Francisco Pedro negado ser organizador ou ter conhecimento de alguém assumir esse papel, algo corroborado por Luís Marinho Falcão, ouvido como testemunha, um dos três ativistas que se aproximaram do palco.

Nem sequer no grupo de WhatsApp onde a participação na cerimónia do PS começou a ser discutida houve alguém a assumir o papel de organizador, disseram, sublinhando que não houve distribuição de tarefas e que as ações tomadas no interior do espaço foram decisão de cada um.

Ativista diz ter sido agredido por segurança de António Costa

Francisco Pedro revelou ainda ter sido agredido por um elemento do corpo de segurança do primeiro-ministro depois de ter sido retirado do palco e ser levado para o exterior, onde foi depois entregue à Polícia de Segurança Pública (PSP), que o identificou em alternativa a ser transportado para a esquadra.

“O que senti em relação ao ter sido agredido é o que sinto em relação ao julgamento. São questões menores”, disse Francisco Pedro, justificando assim não ter apresentado queixa da agressão.

À saída, o advogado de defesa Sérgio Figueiredo, sublinhou que o objetivo é “tentar esclarecer” que Francisco Pedro não organizou a ação de protesto, “o facto que é imputado [pela acusação] e criminalizável” e que quem tem o ónus de o provar é o Ministério Público.

“No nosso entender não existe prova nenhuma que justificasse que o processo chegasse a julgamento, mas isso é agora na fase de julgamento e com a prova produzida em julgamento que vamos tentar confirmar isso e deixar isso bem claro”, defendeu.

Francisco Pedro reiterou o confrangimento com um julgamento para “reprimir a liberdade de expressão e a denúncia de crimes graves, quando existem tantos outros que passam sem ser julgados”, e defendeu que a acusação de que é alvo “nunca teve fundamento”, não lhe parecendo haver “um grande trabalho a fazer” para o provar.

Não quis ainda comentar a agressão que relatou em tribunal, dizendo que a agressão de que se sente alvo é a da prática de crimes ambientais.

Encenação teatral no exterior do Campus de Justiça

O coletivo ATERRA marcou presença antes e no final do julgamento.

No início foi retirado pela PSP um cartaz a uma mulher que estava próxima da entrada do tribunal, no Campus de Justiça (Lisboa), e foi pedido a um conjunto de ativistas que se afastassem 100 metros da entrada do tribunal quando estes ensaiavam as deixas da peça de teatro que pretendiam encenar para denunciar o julgamento em curso.

Segundo os ativistas, a sua ideia era fazer um “julgamento sério” que senta no banco dos réus, entre outros, a multinacional Vinci (detentora da ANA Aeroportos), os partidos que defendem os combustíveis fósseis e a aviação e as companhias aéreas.

No final, já fora do perímetro do Campus de Justiça, cerca de uma dezena de ativistas aguardaram a saída do arguido, sob vigilância de cerca de uma dezena de agentes da PSP e tocando tambores.

O julgamento prossegue a 20 de janeiro com a audição das duas restantes testemunhas, que não puderam ser ouvidas nesta quinta-feira.

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