"Uma sociedade fraturada com pessoas que se assumem racistas": o que é preciso saber sobre os assassínios e os confrontos violentos em Paris

24 dez 2022, 17:28

Um homem matou três pessoas sexta-feira. Há um ano, foi acusado de usar uma espada para ferir outras duas. Elemento em comum: as vítimas são migrantes

Os protestos em homenagem aos três curdos assassinados sexta-feira perto de um centro cultural em Paris estão a ser marcados por vários episódios de violência depois de terem eclodido confrontos entre manifestantes e autoridades policiais. Os embates, que marcaram esta véspera de Natal, têm lugar perto da Place de la République, no coração da capital francesa, não muito longe do centro cultural curdo Ahmet-Kaya, onde um homem de 69 anos foi preso após matar a tiro três curdos e feriu três outras vítimas num ataque em que há suspeitas de haver motivações racistas.

Tensão nas ruas de Paris entre a comunidade curda e a polícia (AP Photo)

O que está a acontecer?

Uma larga manifestação com milhares de pessoas no centro de Paris foi marcada para este sábado no rescaldo dos assassinatos, mas acabou por ser cancelada antes do previsto pelo Conselho Democrático Curdo em França (CDKF), por causa dos confrontos com a polícia.

Os distúrbios começaram no Boulevard du Temple, por volta das 13:00 horas, uma hora após o início da manifestação na Place de la République. Algumas dezenas de manifestantes atiraram projéteis contra as forças de segurança enquanto ecoavam gritos de "viva a resistência do povo curdo". As autoridades responderam com gás lacrimogéneo.

"Para evitar danos na Place de la République e mais feridos, nós (o CDKF) pusemos fim à marcha", disse ao canal BFMTV o porta-voz do Conselho, Berivan Firat, acrescentando que a partir de agora o grupo não será responsabilizado pelas ações dos manifestantes.

Que tipo de danos foram feitos

Até ao momento, de acordo com os órgãos de comunicação social, há 11 detidos

Segundo aquilo que a CNN Portugal conseguiu apurar no local, manifestantes atiraram pedras e garrafas contra a polícia e há registo de pelo menos sete pessoas feridas. Não se sabe, no entanto, se são civis ou agentes da polícia. 

Até ao momento pelo menos quatro carros foram derrubados e um incendiado. Há também caixotes do lixo queimados na Boulevard du Temple, perto da Place de la République.

As estações de metro de Bastille, Chemin-Vert e Sébastien-Froissant foram encerradas ao público e os comboios não param ali "por razões de segurança".

Existem muitas pessoas refugiadas dentro de cafés com medo dos protestos. 

Há também manifestações em Marselha 

Várias centenas de pessoas também se reuniram este sábado à tarde no centro de Marselha, após o apelo da associação para a defesa dos direitos dos Curdos, Solidariedade e Liberdade.

Um pouco antes da manhã, representantes da comunidade curda tinham sido recebidos pelo chefe da polícia parisiense, Laurent Nunez. "Não há dúvida de que se trata de crimes com motivos políticos. O facto de as nossas associações serem um alvo é de natureza terrorista e política" , afirmou Agit Polat, porta-voz do Conselho Democrático Curdo em França (CDKF), após a reunião - e lamentou existir "falhas a nível de segurança" .

Que dimensão tem a comunidade curda em França

França tem a segunda maior diáspora curda, com cerca de 240 mil pessoas, um pouco abaixo da comunidade existente na Alemanha.

O assassinato de três membros desta comunidade reavivou memórias trágicas de quando, há cerca de 10 anos, na mesma zona de Paris, três ativistas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão proscrito (PKK), incluindo uma das fundadoras do grupo, foram mortas a tiro num centro curdo, naquilo que foi observado como um ataque direcionado.

Mais tarde, um homem de nacionalidade turca foi acusado posteriormente de ser o autor do triplo assassinato, mas acabou por morrer sob custódia em 2016 antes de ser julgado.

O vereador dos assuntos internacionais da câmara de Paris, Hermano Sanches Ruivo, assume que os incidentes são causa de uma "sociedade fraturada com pessoas que se assumem racistas" e que "isso tem de ser combatido". À CNN Portugal, garante que é preciso questionar porque é que o governo francês deixou passar dez anos sem dar explicações sobre o assassinato de 2013 e reforça que a comunidade turca é composta por "pessoas que atravessaram dificuldades e podem também começar a não se sentir bem-vindas em França".

Por seu lado, o jornalista da Rádio Alfa Didier Caramalho considera que o tiroteio em Paris foi o limite para a comunidade curda, que quer acabar com o estereótipo "terrorista". Em entrevista, acrescenta que a polícia parisiense tem sido surpreendida pelos protestos.

Violência racista?

Apesar das suspeitas na comunidade, não há ainda provas de que os tiros de sexta-feira tivessem motivos políticos e as autoridades francesas têm sido extremamente cautelosas ao sugerir um motivo, sendo as primeiras suspeitas de racismo.

O suspeito é um maquinista de comboio francês reformado de 69 anos com um historial de violência contra migrantes. Em dezembro do ano passado, foi acusado de atacar com uma espada migrantes que viviam em tendas no leste de Paris, ferindo pelo menos dois deles.

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