Agora o problema é mesmo Macron: extrema-direita esfrega as mãos perante uma decisão impossível

9 out, 18:00
Emmanuel Macron (EPA via LUSA)

Nenhum candidato à nomeação para primeiro-ministro se afigura popular o suficiente para evitar legislativas antecipadas em França, defende um analista à CNN Portugal. De acordo com as sondagens, a figura mais popular do momento é Jordan Bardella, líder do partido de extrema-direita de Marine Le Pen, que voltou a exigir a Macron que se demita. O presidente, esse, mantém o finca-pé perante pressões até dos centristas, que dizem que chegou a hora de abrir caminho a novas eleições presidenciais

Entre todas as dúvidas sobre o que vai acontecer em França nos próximos dias e semanas, uma grande certeza: "A confiança nos políticos está no fundo do poço." A análise é de Julien Hoez, editor do The French Dispatch, em conversa com a CNN Portugal a partir de Paris. A entrevista dá-se a dois tempos: a primeira antes de uma antecipada aparição televisiva de Sébastien Lecornu, o primeiro-ministro demissionário que abandou o cargo na segunda-feira, 14 horas depois de ter apresentado o seu governo; a segunda já depois desse discurso à nação.

"O que acho que provavelmente vai acontecer é que eles conseguem aprovar o Orçamento do Estado e depois teremos eleições legislativas antecipadas, possivelmente já em novembro", dizia Hoez na quarta-feira. E na quinta-feira, depois de Lecornu falar à nação: "Disse que havia um acordo ou que achava que havia uma possibilidade de acordo para um novo primeiro-ministro. O problema é que, logo a seguir, o PS veio dizer que não, que não é esse o caso. Ou seja, a situação ficou ainda mais confusa."

No meio da confusão, o gabinete de Emmanuel Macron emitiu um comunicado alinhado com o que Lecornu, o quinto primeiro-ministro de França em três anos, disse. "A maioria dos deputados opõe-se à dissolução [do parlamento], existe uma plataforma para a estabilidade e é possível adotar um orçamento até 31 de dezembro. Com base nisto, o presidente da República nomeará um primeiro-ministro nas próximas 48 horas."

Quem poderia, então, qualificar-se para um cargo que parece cada vez mais amaldiçoado? A resposta vem adensar ainda mais o caos. De acordo com as sondagens mais recentes, compiladas num gráfico pelo The French Dispatch, não há um único candidato suficientemente popular para evitar legislativas antecipadas - algo que Macron tem conseguido desde que as antecipou em 2024, no rescaldo da enorme derrota do seu partido nas europeias de junho desse ano.

O mais bem colocado é Jordan Bardella, o atual líder do Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen, sobre o qual cerca de 39% dos inquiridos diz ter uma imagem muito positiva ou algo positiva. Mas sendo o rosto da extrema-direita francesa, é impossível que Macron o nomeie primeiro-ministro. "Votarei contra tudo", prometeu Le Pen após o discurso de Lecornu, acusando os líderes políticos de "montarem a cavalo não para ir a algum lado, mas para participar num rodeo". A três vezes candidata à presidência também repetiu a exigência a Macron para que se demita e abra caminho a presidenciais antes de 2027.

fonte The French Dispatch

Le Pen não está sozinha nas pressões a Macron. Desde que Lecornu apresentou a demissão na segunda-feira, foram várias as figuras centristas a sugerir que o presidente perdeu o rumo e até mesmo que deve demitir-se. Primeiro veio Gabriel Attal, o jovem protegido do presidente que chefiou o governo durante breves meses no ano passado, que não pediu a renúncia do mentor mas que fez questão de sublinhar: "como muitos franceses, já não compreendo as decisões do presidente". Depois surgiu o antigo primeiro-ministro Édouard Philippe, atual autarca de Le Havre, a alinhar com Le Pen na defesa de que Macron deve antecipar as presidenciais.

"Todos o culpam pela situação atual, mas isso não importa para Macron", refere Julien Hoez. "Gabriel Attal apareceu na televisão a dizer que já não compreende as decisões do presidente, o que é um comentário muito significativo tendo em conta que lidera o partido dele. Mas Macron não vai demitir-se, não é o tipo de pessoa que desiste, por mais pressões que possa haver, ele gosta de lutar até ao fim."

Lutar até ao fim é o que Macron promete, ou seja, até à primeira metade de 2027, quando França terá eleições presidenciais nas quais o atual chefe de Estado não pode ser candidato. Isso ajuda a explicar o pedido de demissão feito por Philippe, neste momento o mais bem colocado entre os centristas para vencer as presidenciais, ainda que longe de ser consensual.

Os receios de Macron é que quaisquer eleições antecipadas, sejam elas legislativas ou presidenciais, abram caminho à extrema-direita para pular do Parlamento para verdadeiros cargos de poder, um receio que é partilhado por muitos em Bruxelas. Como referia o Politico ontem, "o pior pesadelo da UE nunca pareceu tão real".

"Temos um continente que passou por uma guerra, um confinamento, uma espécie de ditadura leve em Budapeste, estamos habituados a continuar a funcionar com muitos choques, mas Le Pen é diferente", diz ao mesmo site um funcionário da Comissão Europeia sob anonimato, invocando as ondas de choque radicais para o bloco europeu de ter a extrema-direita ao leme de um dos seus Estados-membros fundadores.

"Tudo isto faz-nos parecer realmente estúpidos enquanto país", lamenta Hoez. "Os franceses queixam-se cada vez mais da sua classe política – e por causa disto, França não tem sido capaz de contribuir para a UE há muitos anos, particularmente na área da Defesa, que é a sua principal força."

fonte The French Dispatch

Com um Macron em queda livre nas sondagens mas a fazer finca-pé na presidência, a grande questão por ora é quem irá receber a sua nomeação para chefiar mais um governo e conseguir aprovar um pacote de medidas fiscais extremamente impopular, numa altura em que França regista o maior défice de toda a Zona Euro.

Depois do que foi dito nos últimos dias, Hoez, como outros analistas, não acredita num milagre. "O centrista mais popular de todos, Édouard Philippe, disse a Macron para se demitir, portanto não vai ser ele. Attal disse que não entende Macron, portanto também já foi, e [Macron] não pode ir mais para a direita, então Gerald Darmanin também está fora", aposta o analista, reforçando que qualquer solução imediata será a prazo.

"Talvez Raphaël Glucksmann?", questiona Hoez sobre o eurodeputado que, em 2018, fundou o partido de centro-esquerda Place Publique. "A questão é que Glucksmann não é suicida... É o que é. Temos de esperar para ver quem será nomeado, de onde virá, quais serão as reações – mas não creio que nada tenha mudado, de forma alguma. Os problemas mantêm-se e, francamente, parece tudo um ato desesperado, que não acho que vá resultar em nada concreto. É hora de Macron, Lecornu e os centristas decidirem o que querem fazer."

Europa

Mais Europa