Autoridades registaram 550 manifestações e 262 bloqueios em todo o país. Governo diz que esta não foi uma mobilização de cidadãos, mas antes "monopolizada pela extrema-esquerda"
Cerca de 175 mil pessoas, segundo o Ministério do Interior, 250 mil nas contas da Confederação Geral de Trabalhadores, participavam nas 550 manifestações e 262 bloqueios contabilizados até às 17:45 desta quarta-feira em França, no âmbito do protesto Bloquons tout (Vamos bloquear tudo). Foram contabilizados “267 incêndios em vias públicas”.
No total, 473 pessoas foram detidas, das quais 203 em Paris, e 339 pessoas foram colocadas sob custódia policial, das quais 106 na capital, de acordo com balanço oficial, que constata “a presença de numerosos militantes radicais nos desfiles”, provocando “perturbações da ordem pública”. “A situação foi particularmente tensa em Rennes, Nantes e Paris, onde foram realizadas detenções na sequência de ataques a agentes da polícia”, refere o ministério. Pelo menos 13 membros das forças da ordem ficaram ligeiramente feridos.
Na capital, os distúrbios continuavam à medida que a noite caía sobre Paris, com os manifestantes a incendiar vários caixotes do lixo. Pelas 19:00 centenas de pessoas, na sua grande maioria jovens, permaneciam na Praça da República, cantando e gritando palavras de ordem ou simplesmente conversando sentadas no chão.
A crise económica francesa deu origem a uma crise política e está a um passo de se tornar uma crise social. O protesto foi convocado durante o verão nas redes sociais, prometendo ser semelhante ao dos "coletes amarelos" em 2018. Os franceses manifestam-se contra o plano de austeridade proposto pelo governo de François Bayrou - que deixou o cargo na segunda-feira - e nem a nomeação do novo primeiro-ministro demoveu os protestos.
A Confederação Feral de Trabalhadores (CGT) considera que a greve foi muito participada em muitos setores, com dezenas de milhares de grevistas nos hospitais, pelo menos 10 mil grevistas no Tesouro francês, 25% de grevistas na ferrovia e dezenas de teatros, museus e serviços públicos culturais afetados. Para a organização sindical, o êxito da mobilização confirma “a exasperação social do país face à estratégia permanente do presidente da República e do patronato”.
A CGT, que também “condenou veementemente a estratégia policial adoptada pelo ministro demissionário do Interior”, convocou uma greve para 18 de setembro.
Entretanto, o gabinete do Ministro do Interior demissionário, Bruno Retailleau, indicou que o primeiro-ministro nomeado, Sébastien Lecornu, estará presente na reunião prevista para o final do dia na unidade de crise da Place Beauvau. Os dois deverão informar a imprensa no final do dia, naquela que será a primeira intervenção pública do novo chefe de governo de França.
Marselha, Lyon, Toulouse, Bordéus, Rennes e Valence foram algumas das cidades onde as ruas centrais se encheram de manifestantes. Em alguns casos a polícia foi forçada a recorrer a jatos de água ou a gás lacrimogénio para dispersar os manifestantes, que atacavam lojas, lançavam projéteis contra os elementos da polícia (sobretudo garrafas de vidros), destruíam mobiliário urbano e incendiavam baldes de lixo.
“A mobilização não é uma mobilização cidadã. Foi monopolizada pela extrema-esquerda”, disse ao início da tarde Bruno Retailleau, referindo-se à posição de apoio do partido França Insubmissa (LFI, esquerda radical).
O antigo candidato presidencial da LFI Jean-Luc Mélenchon acusou Retailleau de incentivar “as provocações”, pelo que pediu aos manifestantes prudência e vigilância perante as ações da polícia.
As mobilizações são precedidas pela queda do governo de François Bayrou, que perdeu uma moção de confiança no parlamento, e pela nomeação do até então ministro da Defesa, Sébastian Lecornu, como novo primeiro-ministro na terça-feira à noite, numa manobra do presidente de França, Emmanuel Macron, que não agradou à oposição.
O coordenador nacional da LFI, Manuel Bompard, já anunciou que o partido vai promover uma moção de censura, na sequência de uma nomeação que também não agradou ao outro extremo do espetro político, onde se situa o Reagrupamento Nacional (RN, sigla em francês).
O líder do Partido Socialista francês, Olivier Faure, propôs a Lecornu que renunciasse a invocar o artigo 49.3 da Constituição para levar adiante as suas propostas sem necessidade de serem submetidas a votação na Assembleia Nacional (câmara baixa do Parlamento francês).
“Seria a demonstração de que o método muda”, disse Faure, que numa entrevista à rádio Franceinfo, pediu para romper com a política dos últimos anos.
Sébastien Lecornu é o quarto primeiro-ministro em apenas 12 meses, depois de Gabriel Attal (2024), Michel Barnier (2024) e Bayrou (2024-2025), e terá de lidar com um novo movimento de greves e paralisações, organizado pelos sindicatos e apoiado pelos partidos de esquerda daqui a nove dias, enquanto tenta compor o futuro governo que não seja censurado pelo menos pelo PS e aprovar um orçamento do Estado para 2026.