"Quem és tu?" Esta artista confrontou-se com fotografias de antigas paixões do pai

CNN , Jacqui Palumbo
5 out, 17:00
Caroline Furneaux foi surpreendida, mas acabou por ficar cativada, pelas fotografias de mulheres desconhecidas que encontrou entre os slides de 35 milímetros do falecido pai. Transformou-as num livro, “The Mothers I Might Have Had” [As Mães Que Poderia Ter Tido] (Caroline Furneaux)

Caroline Furneaux foi surpreendida, mas acabou por ficar cativada, pelas fotografias de mulheres desconhecidas que encontrou entre os slides de 35 milímetros do falecido pai. Transformou-as num livro, “The Mothers I Might Have Had” [As Mães Que Poderia Ter Tido]

Chegamos a conhecer verdadeiramente os nossos pais? Quando somos crianças, é difícil imaginarmos que os nossos pais tiveram vidas complicadas e repletas de experiências antes de nos terem tido. Mesmo quando nos tornamos mais velhos, há algumas partes que permanecem envoltas em mistério. Os primeiros romances e as opções que não tomaram são meras notas de rodapé.

A fotógrafa Caroline Furneaux, a trabalhar a partir de Londres, enfrentou estas questões depois de vasculhar caixas de slides de 35 milímetros do pai, nos anos que se seguiram à sua morte repentina, aos 70 anos. A artista tinha uma relação complexa com o pai e sentiu que a morte dele, em 2011, deixou várias coisas por resolver, segunda explica num telefonema. Caroline Furneaux não mexeu neste artigo durante algum tempo, esperando encontrar nele fotografias tiradas durante o serviço militar obrigatório, ou mesmo documentação sobre as colheitas durante o período em que o pai trabalhou como engenheiro agrónomo na Suécia.

Em vez disso, ao explorar os slides do pai, encontrou imagens de mulheres que nunca tinha visto a serem beijadas pelo sol, sentadas em descapotáveis, posando em rochas ou colhendo flores silvestres perto do mar. Os retratos - tirados na década de 1960, antes de o pai da artista se ter casado, e muitos tendo a Suécia como pano de fundo – podem pertencer a antigas namoradas, amantes mais casuais ou mesmo a estranhas.

Quem praticamente não aparecia nesses retratos era a mãe de Caroline Furneaux, à exceção de duas imagens captadas pouco depois de o casal se ter conhecido.

“Quem és tu? E tu? E tu?”, pensou a artista enquanto se cruzava com cada novo slide.

Caroline Furneaux sentiu que tinha tropeçado numa versão diferente do próprio pai e da vida que ele teve (Caroline Furneaux)
A fotógrafa esperava encontrar imagens das colheitas do tempo em que o pai trabalhou como engenheiro agrónomo, não de mulheres com quem ele tinha namorado (Caroline Furneaux)

Confrontada com os sorrisos tímidos das mulheres, ampliados e tornados vibrantes através do pequeno visor, Caroline Furneaux sentiu-se como se tivesse estado presente durante um período da vida do pai que ela nunca pensou ter existido. E que também tinha descoberto uma nova versão do pai, nova e desconhecida.

“Quando vi aquelas imagens, de repente tive um vislumbre da vida dele – de uma vida anterior – e de uma versão dele que não conhecia. Foi maravilhoso”, explica.

“O meu pai, que era complicado, difícil, até mesmo frustrante… de repente era um jovem despreocupado, que parecia estar a divertir-se como ninguém”, junta.

Caroline Furneaux joga com detalhes das fotografias do pai, apresentando-as como memórias fugazes (Caroline Furneaux)

Agora, alguns anos depois, Caroline Furneaux publicou as imagens num livro, intitulado “The Mothers I Might Have Had” [As Mães Que Poderia Ter Tido], onde mostra essas figuras maternas imaginadas que poderiam ter dado um rumo diferente à sua vida. É uma espécie de colaboração póstuma, onde a artista evoca eventuais memórias que tem do pai em textos que acompanham os registos visuais. A artista dá a cada mulher um nome (alguns encontrados em cartas, outros totalmente fictícios) e corta detalhes dos seus retratos, apresentando-os como momentos e memórias fugazes. Num deles, vê-se a dobra do cotovelo enquanto a mulher ajusta a parte de cima do biquíni com as unhas pintadas com um vermelho do tom das cerejas. Noutro, vê-se o olhar agitado e um pequeno sorriso nos lábios.

Num primeiro momento, Caroline Furneaux tentou identificar as mulheres, perguntando a familiares se as reconheciam. Contudo, sem nenhuma pista, tomou consciência de que o seu trabalho não era tão importante pelo lado factual, antes pela descoberta de uma nova faceta do próprio pai.

“Tive a sensação de fazer uma nova e derradeira viagem com ele”, explica.

Fragmentos de um todo

Ao recordar o pai, que se chamava Colin, Caroline Furneaux descreve um homem que era carismático e brincalhão, um pai muito imaginativo enquanto ela era pequena.

“Ele era um ótimo contador de histórias. Conseguia ser muito divertido. As pessoas gostavam da companhia dele”, conta.

Mas também conseguia ter um temperamento forte, junta. À medida que se tornava mais velha, as conversas de ambos costumavam acabar em discussões. A artista olhava para o pai como alguém emotivo, embora não fosse capaz ou estivesse disponível para relevar na totalidade o que motivava o seu humor inconstante. Contudo, Caroline Furneaux sabia que o pai tivera um passado doloroso com os seus próprios pais. O homem tinha perdido a mãe aos 19 anos e acabou por ter uma relação turbulenta com a madrasta, que era secretária do pai.

Num primeiro momento, a fotógrafa queria encontrar mais informação sobre as mulheres que apareciam nos retratos. Contudo, agora está satisfeita com esse mistério (Caroline Furneaux)

Caroline Furneaux explora esses fragmentos da vida do pai ao longo do livro. A artista escreve sobre uma pequena caixa que encontrou no armário dele quando era criança, que continha telegramas, postais e cartas de quando o progenitor era jovem. Era uma coleção de inestimável valor porque a madrasta dele tinha queimado todas as fotografias de família e outras recordações do passado, segundo conta Caroline Furneaux à CNN.

Esse gesto criou uma sombra duradoura na vida de Colin, algo que contrasta com a reação da própria mãe da artista no momento em que a fotógrafa lhe perguntou como se sentia ao descobrir esses romances do passado do antigo marido.

“Devias ter visto os namorados que eu tive”, respondeu-lhe a mãe. A artista inclui a mãe, Barbro, no arranjo final das fotografias, mostrando-a num biquíni leve, junto a um carro vermelho, descalça no meio de uma floresta.

A mãe de Caroline Furneaux, Barbro, numa das raras aparições nas imagens (Caroline Furneaux)
Colin, o pai da artista, também aparece nas imagens, apesar de não ser claro quem tirou esses retratos (Caroline Furneaux)

Apesar de Caroline Furneaux e da sua família não estarem à procura de informações sobre as mulheres nas fotografias do pai, a artista explica que, quanto mais expõe e divulga o trabalho, mais se questiona se alguma das mulheres, ou dos seus familiares, poderá um dia vir à procura dela.

“Penso muito nisso – uma filha que reconheça a própria mãe ou a avó”, diz. “Isso ia ser um bocadinho estranho”.

É provável que a maior parte do arquivo se mantenha um enigma, uma vez que os olhares das retratadas revelam muito, mas não o suficiente para contar toda a história. Um dos olhares que gera maior curiosidade será o da pessoa que tirou uma fotografia ao pai de Caroline Furneaux sentado, de cuecas de banho, com o seu corpo esguio a fingir uma pose casual enquanto olha para as ondas do mar. Pareceu equilibrado incluí-lo, justifica a artista, para mostrar os “olhares à volta dele”. É uma das duas imagens de Colin presentes no livro. Quem a tirou é um mistério. Talvez não seja, de todo, uma amante. Caroline Furneaux não inclui, de propósito, qualquer fotografia de casal, por continuar a achar estranho imaginar o pai com as suas antigas paixões.

“Fiquei feliz ao mantê-los separados”, resume.

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