Fóssil "extraordinário" faz revelação curiosa sobre o mundo das formigas

CNN , Katie Hunt
25 abr, 12:00
O fóssil de 113 milhões de anos de uma formiga-do-inferno preserva pormenores minúsculos das asas do inseto (Anderson Lepeco via CNN Newsource)

Um fóssil quase esquecido, descoberto numa coleção de um museu brasileiro, revelou o mais antigo espécime de formiga conhecido pela ciência, de acordo com uma nova investigação.

A formiga pré-histórica viveu entre os dinossauros há 113 milhões de anos - vários milénios antes das formigas encontradas anteriormente - e tinha uma forma invulgar de matar as suas presas. Anderson Lepeco, investigador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, encontrou o “extraordinário” espécime em setembro de 2024, enquanto examinava uma coleção de fósseis alojada no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.

O museu tem uma das maiores coleções de insetos fossilizados do mundo e contém espécimes da Formação do Crato, no nordeste do Brasil, um depósito geológico conhecido pela sua excecional preservação de fósseis.

Preservado em calcário, o inseto extinto recém-descrito é o que se conhece como formiga-do-inferno, membro de uma subfamília chamada Haidomyrmecinae, que viveu durante o período Cretáceo, entre 66 milhões e 45 milhões de anos atrás, e não é parente de nenhuma formiga viva hoje, de acordo com um estudo publicado na revista Current Biology. A espécie fóssil, que recebeu o nome de Vulcanidris cratensis, tinha mandíbulas semelhantes a foices que provavelmente usava para prender ou empalar as presas.

“Fiquei chocado ao ver aquela estranha projeção na frente da cabeça [do inseto]”, explica Lepeco, o autor principal do estudo. “Outras formigas do inferno foram descritas com mandíbulas estranhas, mas sempre como espécimes de âmbar”.

É raro encontrar insetos preservados em rocha. Outras formigas do inferno do Cretáceo foram encontradas enterradas em âmbar de França e Myanmar, mas datam de há cerca de 99 milhões de anos. O facto de uma formiga-do-inferno ter vivido antes disso, no atual Brasil, significa que as formigas já estavam amplamente distribuídas pelo planeta numa fase inicial da sua evolução, observaram os autores do estudo.

A descoberta lança luz sobre a forma como as formigas evoluíram durante o início do Cretáceo, uma época de mudanças significativas. Também oferece alguma informação sobre as caraterísticas invulgares das espécies de formigas deste período que não sobreviveram à extinção em massa que pôs fim à era dos dinossauros, disseram os investigadores.

Foi utilizada uma tomografia computorizada para visualizar o aspeto da formiga (Odair M. Meira via CNN Newsource)
Foi utilizada uma tomografia computorizada para visualizar o aspeto da formiga (Odair M. Meira via CNN Newsource)

Caraterísticas anatómicas perdidas no tempo

Hoje em dia, as formigas são um dos grupos de insetos mais conspícuos e abundantes do planeta, encontrando-se em todos os continentes, exceto na Antártida, refere o estudo.

No entanto, as formigas nem sempre foram dominantes. A sua evolução ocorreu no final do Jurássico e no início do Cretáceo, há cerca de 145 milhões de anos, quando os antepassados das formigas divergiram do mesmo grupo que viria a dar origem às vespas e às abelhas.

Foi só depois de um asteroide ter condenado os dinossauros e outras espécies à extinção, há 66 milhões de anos, que as formigas se tornaram o inseto mais comum encontrado no registo fóssil, segundo o estudo.

O fóssil é “muito importante”, diz Phil Barden, professor associado do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey que estuda a história evolutiva dos insetos.

“Esta nova descoberta representa agora a formiga mais antiga que se conhece, alargando o registo fóssil conhecido para as formigas em cerca de dez milhões de anos”, acrescenta Barden, que não esteve envolvido no estudo, por correio eletrónico.

“Embora as formigas fósseis tenham sido descritas desde o século XIX... até agora, não era claro se a ausência de formigas com mais de 100 milhões de anos se devia ao facto de não existirem ou de não estarem preservadas em depósitos onde as pessoas procuravam”, reitera.

A espécie recém-identificada também tinha algumas caraterísticas semelhantes às das vespas, indicativas da ancestralidade comum entre as duas criaturas. Por exemplo, as asas da formiga tinham muito mais veias do que as das formigas vivas, explicou Lepeco.

As imagens de tomografia micro-computada - uma técnica de imagem 3D que emprega raios X para ver o interior da formiga - revelaram que o inseto estava intimamente relacionado com as formigas do inferno, anteriormente conhecidas apenas a partir de fósseis de âmbar birmanês.

O que mais chamou a atenção na formiga foram as suas caraterísticas anatómicas invulgares. As formigas modernas têm mandíbulas que se agarram lateralmente - de um lado para o outro. No entanto, esta formiga possuía mandíbulas em forma de foice que corriam paralelamente à sua cabeça e se projectavam para a frente a partir da proximidade dos olhos, observaram os investigadores no estudo.

“Poderá ter funcionado como uma espécie de empilhador, movendo-se para cima” à medida que a formiga se alimentava de outros insectos extintos, referiu Lepeco por e-mail.

“A morfologia complexa sugere que mesmo estas formigas mais antigas já tinham desenvolvido estratégias predatórias sofisticadas, significativamente diferentes das suas congéneres modernas”, acrescentou Lepeco.

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