Em regime de part-time, Ricardo convive de perto com os ídolos do seu clube. Celebrou o título de 2017/18 ao lado do plantel, estrutura e equipa técnica (ficou com Pinto da Costa até às 3h da manhã) e foi o «guarda-costas» de Iker Casillas quando este queria «estar mais sossegado»
Fatos escuros e um sorriso de boas-vindas. Quem visita o Dragão, em trabalho ou lazer, tem sempre um cumprimento dos hospedeiros.
De resto, o estádio é «inundado» por estes funcionários sempre que há jogos: estão à entrada, na sala de imprensa, nos camarotes e na tribuna. Hospedeiro no recinto portista há cinco anos, Ricardo Almeida é presença habitual na tribuna presidencial.
«Temos estar no estádio cerca de três horas ou três horas e meia antes do jogo. Trabalho no lado poente e somos cerca de vinte, cada um responsável por uma porta. Estou na porta 1, que é a porta do lugar do presidente. Faço a preparação das áreas para os convidados VIP e estou responsável pelas aberturas das portas de vidro. Hora e meia antes do início do jogo, começa o trabalho com o público», explica ao Maisfutebol.
«Acompanho as os jogadores que não estão a jogar, as suas famílias e as restantes pessoas para os respetivos lugares. O estádio tem cinco pisos no interior, há salas para as famílias, salas de brincar, etc. Numa primeira fase só encaminho as pessoas, mas o meu trabalho é essencialmente tratar de convites ou encaminhar alguém do clube ou das famílias dos jogadores e levá-los aos sítios que precisem. Os jogadores que não estão a jogar querem movimentar-se e eu ajudo-os a fugir da confusão», acrescenta.
Ricardo interrompe a conversa e aponta um exemplo para esclarecer qual a verdadeira função do seu trabalho. «Acontece muito com o Casillas, sobretudo desde que não está a jogar. Nos intervalos do jogo ele queria estar mais sossegado e isso não acontecia. Nessas situações, eu acompanho o Casillas a um dos pisos inferiores, ajudo-o a sair da confusão e volto com ele. É um pouco por aí.»
Após os encontros, Ricardo Almeida tem de fazer o contrário: dirigir as pessoas à saída, acompanhá-las e fechar as portas da tribuna.
«No final faço o inverso. Temos uma hora para as pessoas saírem do estádio e temos de garantir que o fazem durante esse período. Fechamos as portas e vamos para o piso -3, onde são os nossos balneários, o dos jogadores e a sala de imprensa», refere, de forma sucinta.
O part-time como hospedeiro já permitiu a Ricardo assistir a centenas de jogos e estar perto dos seus ídolos. Acaba por juntar o útil ao agradável, visto que é adepto do FC Porto. Portanto, há episódios que ficaram gravados na sua memória.
«Há uma história que aconteceu no ano em que o Casillas veio para o FC Porto. Estava de costas e, entretanto, uma colega pergunta-me: ‘Não te importas de acompanhar esta senhora?’. É uma situação perfeitamente normal. Quando olho para trás, percebi que era a Sara Carbonero. Mostrei-lhe a sala das famílias, a sala onde podia deixar os filhos, enfim, apresentei-lhe o estádio. Foram cinco minutos muito longos, porque é uma daquelas pessoas que nunca esperas ver na vida e de repente estás a acompanhá-la», lembra.
O outro episódio ocorreu aquando da conquista do título do FC Porto, na primeira época de Conceição ao comando da equipa.
«Desde que trabalho no Dragão, o FC Porto só foi campeão por uma vez. Talvez dê azar (risos). Quando o FC Porto foi campeão, fizemos o mesmo trabalho só que fora de horas. A equipa técnica e os jogadores foram à varanda e estiveram lá até por voltas das 2h ou 3h da manhã. Fizemos acompanhamento dos jogadores e encaminhámos as famílias. Eu, por exemplo, estive com o presidente até às 3h da manhã e só vim embora depois de o deixar no carro», recorda.
Porém, há questões que os hospedeiros não podem solucionar e têm de solicitar a intervenção de forças de segurança. Ricardo Almeida volta a recorrer a um exemplo concreto para transmitir a mensagem.
«Os jogos grandes são mais complicados. No último FC Porto-Benfica houve um tipo num camarote do FC Porto que festejou um golo do Benfica. Um adepto que estava na bancada reagiu e subiu para o camarote. Por acaso, conseguimos reagir rapidamente e separámo-los. Nesse caso fomos obrigados a chamar a segurança e a polícia», conta.
Um sorriso à chegada e outro à saída. Parece simples, não é? E devia ser. Ainda assim, tantas e tantas vezes, absortos nos nossos pensamentos, nem os vemos.
«Quem vê de fora não imagina toda a logística que há à volta de um jogo ou como é o estádio por dentro. Acabas por ver que os jogadores são pessoas como tu, com as mesmas necessidades e carências com a diferença de serem reconhecidos por muita gente», conclui.
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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.