Rui Pinto e a tentativa de extorsão: «Sinto-me envergonhado, uma trapalhada»

17 out 2022, 13:57
Rui Pinto

Criador do Football Leaks manifestou vergonha pelos emails enviados a Nélio Lucas e negou autoria dos primeiros acessos ao sistema informático da Doyen

O português Rui Pinto rejeitou, esta segunda-feira, em tribunal, ter sido o responsável pelos primeiros acessos ao sistema informático da Doyen, atribuindo esse papel a um «amigo» da plataforma eletrónica Football Leaks e assumindo que apenas «tinha conhecimento» da situação.

Na segunda sessão consecutiva do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, em que o principal arguido do processo presta declarações, o criador do Football Leaks revelou que o interesse no fundo de investimento então liderado por Nélio Lucas começou a materializar-se com uma viagem a Londres de «um dos amigos do Football Leaks».

«Ficou combinado que tentaria aceder à rede wifi das instalações da Doyen Capital. No último dia passou a noite num hotel perto das instalações, comprou um equipamento específico para captação de redes wifi a longa distância, mas houve um problema: Londres é uma cidade extremamente populosa e aquela é uma das zonas mais movimentadas. Era praticamente impossível ter uma conexão estável, mas conseguiu estabelecer acesso», recordou Rui Pinto, esta segunda-feira.

Rui Pinto disse que o amigo conseguiu detetar as credenciais de acesso para convidados na rede informática da Doyen e que mais tarde foi possível descobrir outras senhas, permitindo «exponenciar o acesso» ao sistema. «Estava em contacto com ele. Tentei aceder a partir da Hungria, mas não fui bem-sucedido», notou, rejeitando, de seguida, a responsabilidade pelo acesso ao computador de Adam Gomes, antigo diretor informático da Doyen. «Ele já estava no computador de Adam. Isto não foi feito por mim. Eu não era informado ao pormenor, era só quando ele encontrava algum entrave ou descobria alguma coisa interessante. A única coisa que fiz foi a criação do endereço doyen@inbox.ru. Todas as mensagens de correio eletrónico eram encaminhadas para esse email», afirmou Rui Pinto, assinalando que «não existiu qualquer exfiltração», mas sim o reencaminhamento automático de emails, depois de 20 de setembro.

Por outro lado, Rui Pinto avançou que os documentos relativos à Doyen Sports Investment Ltd e Vela Investment Ltd tiveram três origens diferentes - duas em Espanha e uma em Malta - mas não entrou em pormenores sobre a obtenção da informação, por se tratarem de factos que fazem parte do outro caso em que o próprio está a ser investigado e no qual foi constituído arguido há cerca de uma semana.

Questionado pela presidente do coletivo de juízes, Margarida Alves, sobre o suposto interesse na Doyen Capital e nas origens do dinheiro e a posterior publicação de documentos de natureza desportiva da Doyen Sports Investment, Rui Pinto vincou que «não se pode exigir a um grupo de miúdos que, em 15 dias ou um mês, consiga analisar informação bastante complexa».

Rui Pinto manifestou ainda, em tribunal, a sua vergonha pelos emails enviados a Nélio Lucas e que se traduziram na tentativa de extorsão à Doyen. O português referiu que o email enviado sob o nome Artem Lobuzov «não foi criado especificamente para o contacto com Nélio Lucas», mas que acabou por ser utilizado somente nessa situação.

«Sinto-me envergonhado por esta situação. Custa-me imenso ler este tipo de emails. Hoje em dia não me reconheço nisto, foi uma trapalhada de todo o tamanho. Infelizmente, isto foi aproveitado pelos críticos para tentarem reduzir os méritos do Football Leaks», afirmou, pedindo ainda desculpa ao outro arguido, Aníbal Pinto, o advogado que foi envolvido nesta interação com a Doyen e que diz ter conhecido no âmbito do processo em que tentou tirar dinheiro de um banco nas Ilhas Caimão.

«Foi tudo uma infantilidade, nem imaginava que Nélio Lucas ia responder a isto. Isto começou como uma provocação», declarou, frisando que queria apenas mostrar a Nélio Lucas o tipo de documentação a que tinha acesso. «Estava a “dar-lhe música” para o apertar um bocadinho», resumiu. «Nunca devia ter acontecido, mas aconteceu. Ele foi respondendo e as coisas foram escalando», considerou, assegurando aos juízes que sugeriu «aleatoriamente» o valor entre 500 mil euros e um milhão de euros para resolver a questão da informação da Doyen. «Já que Nélio Lucas me deu conversa no início, queria ver até onde ia chegar. Foi o valor que me veio à cabeça naquele momento», garantiu.

Sobre o possível encontro pessoal com Nélio Lucas, o arguido revelou que essa intenção foi espoletada pelas informações que encontrou sobre o FC Porto e a revolta que disse ter sentido por ver o clube do qual é adepto envolvido com a Doyen em práticas que reprovava. «Na minha ingenuidade não fazia a mínima ideia que o FC Porto tinha este tipo de práticas e, como adepto portista, senti-me traído. O facto de ser adepto do FC Porto e ver-me confrontado com esta situação feriu-me. Nunca pensei que haveria um desvio de fundos a serem entregues ao filho do presidente [ndr: Alexandre Pinto da Costa]. Nem queria acreditar», sublinhou.

Rui Pinto, de 33 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto. O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 7 de agosto de 2020, «devido à sua colaboração» com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu «sentido crítico», mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

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