Folhetim de voto | Oito promessas eleitorais que não serão cumpridas nem que a vaca tussa

16 mai, 07:40
Luis Montenegro _ mosaico

Este ano foi anunciar à tripa-forra. Ou os partidos perderam a máquina de calcular ou então calcularam que ninguém lhes irá cobrar promessas como o Estado cobra impostos: implacavelmente

Foi um bocado tudo-ao-molho-e-fé-em-deus: os programas eleitorais foram feitos à pressa e apressaram-se a prometer sol na eira (menos impostos) e chuva no nabal (mais despesa pública). Enfim, não são todos iguais, mas tratando-se este texto de uma rubrica declaradamente opinativa, aqui percorremos os principais delírios com concretização marcada para quando os porcos andarem de bicicleta. Estaremos cá antes do dia de são nunca à tarde para verificar se eles o enganaram a si com tanta promessa, ou se nos enganámos nós com tanto cepticismo. 

1. Chega: pensão mínima igual ao salário mínimo

É a promessa mais cara, mais irreal e mais delirante de todas e pertence ao Chega... que tem um dos programas eleitorais mais caros, mais irreais e mais delirantes de todos. 

A proposta promete aumentar a pensão mínima (que neste momento é de cerca de 332 euros) numa primeira fase para um valor idêntico ao IAS - Indexante dos Apoios Sociais (que está nos 553 euros), para mais tarde igual o salário mínimo nacional (que o Chega propõe que seja de 1150 euros em 2029). E que contas fez o Chega? Nenhumas. Ou várias: em 2024 chegou a dar três valores para esta proposta. Chegou-se ainda assim a estimativas próximas dos dez mil milhões de euros de aumento da despesa. Ou seja, era preciso uma nova receita de IRC só para este aumento. 

Só que o Chega não quer mais IRC, quer menos: descer a taxa para 15%. E descer também a receita de IRS, criando duas taxas  (de 15% e 30%) e isentando de pagamento de impostos rendimentos até 14 IAS. Além disso, quer acabar com as portagens, aumentar isenções de IMI, etc. etc. etc. A AD chegou a calcular o custo total das medidas do Chega em 40 mil milhões, um estudo do ISEG estima-o em até 24 mil milhões. Nós calculamo-lo não num número mas numa palavra: esqueça. 

2. AD: economia vai crescer 15,4% até 2029

A equipa económica da AD adormeceu ao sol e foi substituída por um grupo de humoristas: desenhou projeções económicas para os próximos anos que nenhuma outra instituição sustenta e em que ninguém acredita, entre 2,6% este ano e 3,2% em 2029.

O problema não é o crescimento económico em si, mas o facto de, sem estas previsões de crescimento, muitas propostas da AD deixarem de ser possíveis, por razões orçamentais. Nomeadamente a descida de vários impostos. 

Tanto o Banco de Portugal como o Conselho de Finanças Públicas já lançaram avisos ou reprimendas ao governo, nomeadamente por causa do aumento da despesa pública em 2024, resultante sobretudo de aumentos salariais a várias carreiras. As mesmas instituições têm previsões económicas bastante mais modestas. E falta saber a evolução das economias internacionais, ameaçadas que estão pela instabilidade das ameaças protecionistas da política norte-americana.

3. Vários: descer fortemente IRS e IRC

Não é impossível descer o IRS ou o IRC, é uma questão de opções. Mas é muito improvável conseguir descer fortemente o IRS e o IRC, como propõem o Chega, a AD ou a IL.

A AD, aliás, já baixou o seu objetivo de descer o IRC para 17%, quando antes queria descê-lo para 15%, o que já mostra consciência da dificuldade orçamental futura. Mas, no IRS, se antes das eleições o ministro Miranda Sarmento não se comprometia com uma descida adicional do IRS, na campanha garantiu-o: reduzir taxas, especialmente para a classe média, reduzindo a receita em 500 milhões este ano e até dois mil milhões em 2029.  Os 500 milhões este ano não parecem impossíveis. Já as promessas para 2029 parecem demasiado otimistas. 

4. PS: rearmamento sem custos 

É das maiores patranhas da campanha eleitoral e não é exclusiva do PS, também a AD se esquiva ao assunto. E o assunto é: defender que é preciso investir fortemente na defesa garantindo que isso não implicará cortar noutras despesas (como as pensões) porque... a Europa paga. Como se houvesse uma nova bazuca. Só que não há: a União Europeia prevê co-financiamento de um programa total estimado em 800 mil milhões de euros, dos quais 650 mil milhões devem ser suportados pelos orçamentos nacionais.

O PS tem um programa mais contido em matéria de promessas eleitorais. Mas no que toca à defesa, das duas uma: ou o PS e a AD estão a enganar a UE e a NATO e não pretendem aumentar decisivamente o orçamento nacional de defesa, ou estão a enganar os eleitores porque omitem o custo futuro que terão de suportar, ou pagando mais impostos ou cortando noutras despesas do Estado. 

5. IL: redução do IRS para dois escalões

Mesmo que a Iniciativa Liberal faça uma coligação com a AD, e portanto negoceie infiltrar medidas suas num futuro governo, dificilmente esta proposta poderá avançar. Não apenas por condições políticas, também por razões orçamentais.

O que a IL defende: um sistema de duas taxas de IRS, de 15% para rendimentos brutos de 26.768 e de 28% para rendimentos acima desse valor. Fica o elogio à IL por ter sido o partido que mais contas apresentou no seu programa eleitoral. E esta medida é calculada numa perda de 2,4 mil milhões de euros até 2024.

Tudo isto num programa que, para empresas, também propõe descer a taxa de IRC para 15% e eliminar a derrama. É muita fruta.

6. BE, renacionalização de empresas

O Bloco de Esquerda propõe a recuperação da soberania do país em áreas fundamentais, através do controlo público de empresas como a Galp, EDP, REN, ANA ou CTT. Propõe ainda a criação de instrumentos de reforço da propriedade e intervenção públicas no sistema bancário.

Mais uma vez, a proposta é uma miragem do ponto de vista de condições políticas. Mas também orçamentais: admitindo que as empresas teriam de ser compradas, os valores fariam disparar a dívida pública.

7 . CDU: aumentos salariais de 15%  

A CDU tem o programa eleitoral mais caro, a par do do Chega. Contas feitas pelo professor António Silva do ISEG, e divulgadas esta semana, contabilizam o custo do programa da CDU em até quase 25 mil milhões de euros. As medidas mais caras dos comunistas são o aumento do investimento público para 5% do PIB, atualizações extraordinárias para todas as pensões e um aumento generalizado dos salários em 15%. Nem em sonhos.

8. Livre: 5 mil euros para cada bebé

O custo seria de qualquer coisa como 400 a 500 milhões de euros por ano. Seria possível, sim, mas só em troca de outras medidas, cujo sacrifício dificilmente se justificaria politicamente.  

E muitas mais...

Ficamo-nos por estas oito promessas em que não acreditamos porque o objetivo não é listar tudo, mas sublinhar a falta de contas apresentadas pelos partidos, que este ano prometeram mundo e fundos. De muitas outras promessas desconfiamos, incluindo dos eternos novo aeroporto e TGV, sempre anunciados, sempre adiados.

Faremos mais tarde a verificação das promessas e dos agoiros deste texto. Apostando que as medidas prometidas para o primeiro ano de legislatura poderão ser cumpridas, ao contrário das dos anos seguintes.

Claro que haverá um argumento fácil para cancelar ou adiar promessas: dizer que o mundo mudou. Muda sempre.

 

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