Folhetim de Voto | A anasalopização de Pedro Nuno Santos

22 abr, 08:00
Pedro Nuno Santos (José Sena Goulão/Lusa)

A morte do Papa não deixou espaço nem tempo (nem coração) para muito mais, mas ainda assim encontrámos um novo padrão no PS. Faltam 26 dias para as eleições

O Papa que veio do fim do mundo para mudar a Terra antes de ascender numa grande delicadeza do Céu

Foto de 2008: o então cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio nos transportes púbicos de Buenos Aires (AP Photo / Pablo Leguizamon)

“Ser Francisco foi um campo de batalha”. Tiago Palma, 21 de abril

Uma batalha contra o preconceito e contra o ultraconservadorismo, uma batalha pela tolerância e pelo ecumenismo, uma batalha pelas pessoas, pelos pobres, pelos migrantes, pelos refugiados, pelos fracos, uma batalha porque nada nesta Terra cai do céu, nem sequer o que ascenderá, sobretudo o que ascenderá, uma batalha pelo amor e pela alegria e pela paixão, uma batalha que se fez de dentro para fora e foi buscar forças de fora para dentro. Uma batalha de Francisco, que morreu depois da Páscoa e se despediu numa volta à Praça de São Pedro numa “grande delicadeza do Céu”.

Esta rubrica é sobre eleições, sobre campanha eleitoral, mas ontem a morte do Papa ocupou o tempo, o espaço, os corações e as orações, pelo que aqui prestamos esse testemunho sobre um largo gesto coletivo de gratidão, até dos candidatos desta campanha – e até pelo católico Presidente da República Portuguesa. Houve, em quase todos, um módico de humildade nas palavras para que não houvesse risco de usurpação. Aqui ao lado no Bestiário, o Filipe Santos Costa fala da exceção. Ou da contradição.

 

A AÇÃO, A REAÇÃO E A ANASALOPIZAÇÃO. A notícia saiu na sexta no Observador: o presidente da Câmara de Vizela e líder do PS/Braga está a ser investigado por violência doméstica. Na sexta, nenhuma reação do PS. No sábado, nada. No domingo, silêncio. Até que, na segunda, Ana Sá Lopes provocou diretamente Pedro Nuno Santos no Público e perguntou se “a violência doméstica deixou de ser crime público para o PS”. É que o casal em causa emitira um comunicado criticando qualquer “tentativa de instrumentalização da vida privada para fins de combate político” e tanto silêncio parecia a conveniente-conivente falta de colher entre marido e mulher. “Não vi nenhum socialista em qualquer cargo de direção do partido a insurgir-se contra isto”, escreveu Ana Sá Lopes. “A próxima vez que algum dirigente do PS vier fazer discursos sobre violência doméstica, este silêncio putrefacto vai diminuir-lhe a autoridade”.

A putrefação acabou num ápice. Depois de três de dias de silêncio, às três da tarde saía a notícia de que “Pedro Nuno Santos pede que presidente do PS/Braga renuncie ao cargo e informa que não o apoiará nas autárquicas”. Pouco depois, o candidato desistiu.

Ana Sá Lopes fez a diferença entre indiferentes, quebrou o silêncio generalizado em grande parte da classe política (e em grande parte da classe jornalística) e assim mostrou que andamos todos com tensão a mais e atenção a menos. O jornalismo tem também esta função: identificar iniquidades, denunciar covardias, revelar contradições.

E assim, depois do excesso de orgulho de Luís Montenegro ao criar o elogio em causa própria de “montenegrização dos adversários”, Pedro Nuno Santos revela-se sob o efeito da anasalopização: reage não ante a denúncia mas sob a pressão do protesto. Mas adere, também, à venturização...

Esta decisão tem vários problemas:

  • Pedro Nuno segue os passos de André Ventura e retira a confiança a militantes do seu partido que são suspeitos da justiça antes de trânsitos em julgado, de condenações ou mesmo de acusações. A corda ao pescoço dispensa o acórdão do juiz e inverte-se o ónus da prova. É um novo PS.  
  • Pedro Nuno Santos será mais tarde ou mais cedo confrontado com este seu critério. Quais são os crimes em que suspeitas justificam esta decisão política pré-judicial? E quais são os crimes em que suspeitas não justificam a mesma decisão? E quando estiverem em causa queixas sobre militantes próximos do líder ou mesmo queixas contra o líder, como se agirá e como se justificará a ação ou a inação? Será o velho PS?

Passámos da padronização à pedronunização: livrou-se de um problema ontem, encomendou problemas para amanhãs. Felizmente, Ana Sá Lopes continuará alerta.

 

LEGOS A LEIGOS.  Não é a primeira vez, não será a última: usar peças de Lego é uma forma visual de mostrar proporções. Em 2015, o deputado do PCP Paulo Sá pôs a ministra Maria Luís Albuquerque a rir no Parlamento quando usou uma pilha de peças para mostrar como o governo continuava a subir a carga fiscal aos portugueses (vale a pena rever o vídeo aqui); em 2022 o deputado bloquista José Soeiro irritou a ministra Ana Mendes Godinho quando usou peças de legos para mostrar um “truque nas pensões” (pode rever aqui). E ontem, no debate eleitoral, Mariana Mortágua surpreendeu André Ventura mostrando as exportações portuguesas com… peças de Lego (ver aqui).

 

A PROPÓSITO. 

“A economia não é um modelo do Lego. A economia sente-se na caixa do hipermercado. (…) A ideóloga do liberalismo, Ayn Rand, dizia que uma sociedade estava sentenciada quando os homens não transacionam bens, mas sim favores.” Fernando Sobral, Jornal de Negócios, 20 de outubro de 2008

 

VENTURA PERDE, PNS GANHA.  André Ventura e Pedro Nuno Santos já fizeram seis dos sete debates eleitorais. Nas notas médias dos comentadores (da CNN, SIC N, Expresso e Observador), o presidente do Chega perdeu todos os debates e o secretário-geral do PS ganhou todos. Por exemplo, ontem, 17 comentadores avaliaram o debate Ventura-Mortágua. Só Filomena Martins, do Observador, atribuiu a vitória a André Ventura. E houve quatro empates. A maioria elegeu, pois, a prestação de Mariana Mortágua. Eis as notas:

 

 

 

A ABUNDÂNCIA DA FORMIGA COM CATARRO.  Rui Tavares anunciou que o Livre está preparado para desempenhar funções executivas. “Estamos preparados”, disse em Olhão, até porque o partido “tem abundância de quadros” no ambiente, na ciência, na investigação, em questões europeias e internacionais. Obrigado, Rui Tavares. Futuros governos vibram de excitação com tanta abundância.

 

HOJE HÁ MAIS (POUCO MAIS).  A campanha segue como a primavera, ainda fria e murcha. Hoje há mais um debate, apenas um, às 18h, entre os líderes do Livre e do PAN. Estamos na reta final dos debates, consulte o calendário aqui.

Até amanhã!

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