Folhetim de voto | A saúde de André Ventura: e de repente, tudo muda

14 mai, 07:15
André Ventura apresenta programa eleitoral do Chega (Lusa/ António Pedro Santos)

Numa campanha em que não se está a discutir absolutamente nada, há uma tensão muito maior do que parece

Rescrevemos este artigo já de madrugada, para incluir as últimas informações sobre o estado de saúde de André Ventura e excluir as cápsulas de sarcasmo e ironia que, como noutros dias, de outra forma aqui traríamos hoje.

Ficam para amanhã.

Hoje, supondo que o dia começará com boas notícias sobre Ventura depois de uma noite em observação no hospital, seguem-se linhas menos folhetinescas. Para dizer mais uma vez que esta é uma campanha em que não se está a discutir praticamente nada, mas acrescentar que nela há uma tensão muito maior do que parece.

Começando pelo Chega.

O que se segue não é um relatório médico, mas é um relato de intensidade política. Uma intensidade que chega a ser altíssima, sobretudo à volta de André Ventura.

 

ENTRE A AGRESSÃO E A HISTERIA.  As reportagens de televisão tendem a mostrar a realidade em zoom-in, em primeiros planos e a plenos gritos. Muitas arruadas não existem se não para as televisões, com multidões ensaiadas e falsamente populares encarreiradas atrás de líderes que acenam e riem para figurantes, entram num café e dizem umas piadolas, saem e dão uns beijinhos, sempre em modo de projeção de imagem. As reportagens escritas, contudo, têm a capacidade (e até a obrigação) de fazer zoom-out, mostrar o retrato panorâmico e saber ver com distanciamento os atores, a ação e as ironias em ambos.

Quem lê as reportagens do nosso jornalista Tiago Palma, que acompanha o Chega desde o início da campanha, percebe não apenas a operação plástica diária com um botox de força – coisa em que o Chega não se diferencia muito de outros partidos -, como sobretudo entrevê o clima de agressividade – e de agressão - que tanto existe no centro da campanha (de dentro para fora), como é gerado à sua volta (de fora para dentro).

Até à chegada ao Algarve, as arruadas do Chega foram de umas poucas dúzias de gatos pingados. E mesmo no Algarve, as ruas não se encheram em todos os lugares. Mas Ventura tem total noção de espetáculo e de televisão: fala aos jornalistas normalmente à chegada trazendo a revolta do dia em formato de pronto-a-comer e depois percorre as ruas em passo apressado, rodeado dos seguidores e guarda-costas, faz-se ao beijinho sempre que vê um apoiante e chega a acenar para varandas onde não está rigorosamente ninguém. Um show.

Mas há mais do que show. Há agressividade, intolerância e violência verbal, que gera exatamente o mesmo tipo de reação à sua volta, agressividade, intolerância e violência verbal. O Chega vive em grande parte disso, da agressividade e da vitimização. É de longe a campanha em que há mais insultos, mais violência verbal, mais ódio. Acontece sempre um momento no dia em que algo parece prestes a explodir – e o Chega parece não se ralar nada com isso. Pelo contrário, parece desejá-lo.

A contrapartida deste cheiro a paiol são depois momentos de quase transe. Há também todos os dias pessoas que revelam por Ventura uma espécie de fanatismo, não tanto da índole do divino, mas como se tem por um músico popular. Querem vê-lo, querem tocar-lhe. E essas pessoas já não são do aparelho, são essencialmente pensionistas que o conhecem... da TV. Para elas, Ventura é uma espécie de neto querido, nimbado de destino.

Nenhuma destas coisas acontece nas outras campanhas, que têm outras idiossincrasias. E Ventura, que é tantas vezes acusado de fazer de one-man show num one-man party, é ele próprio o protão rodeado de eletrões nesta carga política elétrica quotidiana.

Desejamos-lhe todas as melhoras.

 

MELHOR CRER DO QUE SER CÍNICO.  Um pequeno parêntesis sobre coisas que se veem e leem e não dá para acreditar. Coisas que ontem alguns disseram sobre fingimentos de dores. Sinceramente, é melhor acreditar e correr o risco de se ser enganado uma vez na vida, do que ser cínico toda a vida porque uma vez haverá em que não se é enganam.

Pedimos desculpa pelo breve moralismo. Não resistimos.

 

TENSÕES ELETROMAGNÉTICAS.  Só um cego ou um cínico achará que é pera-doce fazer uma campanha. O desgaste físico é brutal, há candidatos que perdem quilos, há desidratados, há desmaios, há doses de vitaminas e comprimidos apoiantes. Mas o stress e a ansiedade podem ser muito mais devastadores. Mesmo quando uma campanha é fraca, como esta está a ser, a tensão é forte. Neste caso, muito forte.

Por mais autoconfiança que tenha – e parece tê-la-, é impossível que Luis Montenegro não sinta que toda a sua carreira política se joga nesta eleição, que ou ganha bem e limpa a nódoa Spinumviva ou passa a andar com a camisa sempre suja. É impossível que André Ventura não tenha já receado a contaminação reputacional do partido pelos deputados larápios ou bebedolas. Que Rui Rocha não receie ver escapar entre os dedos os sonhos de um crescimento que lhe parece quase garantido.

É impossível que, perante as sondagens, Pedro Nuno Santos não sinta a sombra do fracasso e o medo de ter uma das piores votações de sempre no PS. E que Mariana Mortágua não tenha o receio lhe bastar a mota para passar a transportar toda o grupo paramentar do BE. Que Paulo Raimundo não se sinta por vezes só, Rui Tavares não receie a vitória esmagadora da direita e Inês Sousa Real não sinta no pescoço o bafo quente do perigo de extinção.

As sondagens dizem que a esquerda pode ter a maior derrota de sempre e que a direita pode ter dois terços do Parlamento. As eleições na Madeira mostram que os eleitores se podem fartar de casos e haver maiorias absolutas. A maioria absoluta de Costa em 2022 faz sonhar ou temer volte-faces surpreendentes.

Há líderes partidários que podem acabar a carreira no domingo, há partidos políticos que se podem eclipsar, joga-se este fim de semana não apenas quem ganha e quem perde, mas possivelmente a revalidação de um sistema democrático que não cessa de liquidar as suas precárias soluções governativas – e a paisagem política e partidárias subsequente.

Calma? Tranquilidade? Relaxamento? Mas como pedir-lhes tanto, se andam todos com uma faca nos dentes e outra encostada ao pescoço?

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