Associações alertam que os povoamentos em que os proprietários plantaram outras espécies arbóreas para “compensar” os de eucalipto também não podem ficar ao abandono e carecem de uma gestão contra os incêndios
As associações ambientalistas defenderam este sábado uma gestão mais integrada da produção de eucalipto com vista a um melhor ordenamento da floresta portuguesa contra incêndios, para se conseguir conciliar com os interesses deste setor económico.
“Temos uma indústria em Portugal instalada, temos eucaliptos na paisagem, temos necessidade da matéria-prima que produz valor e cria emprego, por isso não queremos a erradicação das plantações e da indústria do eucalipto. Agora, temos de ter uma gestão equilibrada do território que possibilite que também existam outras espécies e isso não está a acontecer”, afirmou Paulo Lucas, da Associação Zero, à agência Lusa.
Considerando que “há um certo descontrolo da plantação do eucalipto”, com a espécie a crescer em áreas “pouco produtivas” de minifúndio e sem qualquer gestão, o ambientalista defendeu que os limites legais à plantação ou replantação desta espécie “não devem ser ultrapassados”.
“Nos casos em que o eucalipto está abandonado e não tem uso produtivo, tem de ser forçado a deixar de existir com o Governo a promover a reflorestação com espécies autóctones”, preconizou por seu turno à Lusa Miguel Jerónimo, do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).
Para o coordenador de projetos de reflorestação em Monchique e Leiria, é preciso “evitar ter dezenas de quilómetros de uma só espécie, intercalar o eucalipto com bosques de espécies autóctones para promover o ordenamento e proibi-lo em zonas de alta perigosidade de incêndio”.
Várias espécies
Tendo o eucaliptal um ambiente mais seco do que o de outras espécies arbóreas, o que propicia uma maior propagação e projeção do fogo, o dirigente alertou que, para haver essa descontinuidade da mancha florestal, a área de eucalipto tem de ser reduzida.
A mesma posição é assumida pela Associação Zero.
Ambas as associações defenderam que os povoamentos em que os proprietários plantaram outras espécies arbóreas para “compensar” os de eucalipto também não podem ficar ao abandono e carecem de uma gestão contra os incêndios, sob pena de constituírem uma “bomba-relógio” sempre que existe combustível por limpar.
Por todos estes motivos, preconizaram, não basta apostar na certificação do eucalipto que, além de cara, não constitui um verdadeiro avanço para o ambiente e para a defesa da floresta contra incêndios, quando o problema é o desordenamento florestal, o abandono da terra e a falta de gestão.
É urgente o ordenamento florestal, alternando a mancha florestal com várias espécies, frisaram.
“Não basta decretar a proibição da expansão do eucalipto e o apoio à reconversão e depois ficar à espera de que sejam as próprias pessoas a fazê-lo, quando não têm meios”, disse Miguel Jerónimo, para quem é necessário passar dos planos às ações concretas no território, com áreas integradas de gestão da paisagem, e investir na prevenção dos incêndios neste quadro de alterações climáticas, com fenómenos climáticos extremos cada vez mais frequentes.
“Este Governo trouxe uma nova visão com um plano de transformação da paisagem, mas basta ir a áreas ardidas como em Pedrógão [2017] ou Monchique [2018] e ver que a floresta continua exatamente na mesma ou até pior”, exemplificou.
Falta "músculo político"
O especialista em direito do ambiente José Trincão Marques considerou que falta músculo político e fiscalização para travar a proliferação de eucaliptos em Portugal, um dos fatores que levam ao despovoamento e ao abandono dos territórios, sobretudo no interior.
José Trincão Marques salienta que só se fala nos incêndios florestais quando há crises como a desta semana, mas já se poderia ter feito “mais alguma coisa relativamente ao reordenamento florestal”, nomeadamente contra a proliferação de eucaliptos, pelo menos desde a tragédia de Pedrógão Grande.
“Esta é a principal questão. Acho que é mais eficaz, mais inteligente e mais económico combater o problema a montante, no ordenamento florestal, com mais resultados, do que propriamente a jusante, quando os problemas acontecem”, disse.
Para Trincão Marques, o problema da floresta não são só os eucaliptos, mas “toda uma conjugação de fatores como de alterações climáticas, desordenamento florestal, despovoamento do interior e abandono da agricultura e da pastorícia nos termos em que havia há uns anos”.
No entanto, embora sem dados atualizados e fidedignos, os eucaliptos “estão em expansão descontrolada pelo país todo”, apesar das leis que estabelecem limites à sua plantação.
“O problema é mais de fiscalização e de monitorização do que propriamente, se calhar, até de lei”, considerou.
Trincão Marques destacou ainda que há um ‘lobby’ muito forte das celuloses, que faz o seu trabalho e que agora até vem com o argumento de que os eucaliptos são dos maiores sumidouros de carbono, contribuindo para o combate às alterações climáticas.
“Pode ser verdade, mas a que preço?”, questionou.
“É necessário músculo político, porque o poder é um principio constitucional. O poder económico deve estar subordinado ao poder político. Este é um princípio fundamental da nossa Constituição da República. E, volto a repetir, o ‘lobby’ das celuloses é fortíssimo em Portugal”, sublinhou.
Já o Código Civil de 1966 impunha cuidados nas plantações de eucaliptos e acácias, por serem espécies que, com a sua capacidade de reprodução, abafam completamente as restantes.
“Tivemos várias fases de desflorestação intensa. A nossa floresta de hoje não é a mesma de há 200, 300, 400 anos. Os descobrimentos causaram uma desflorestação intensa, sobretudo de carvalhos, para construir naus. A construção do caminho-de-ferro também foi outra altura de grande desflorestação, para construção das sulipas para as linhas. Houve progressiva introdução de árvores exóticas, mas esta questão da cultura intensiva de eucaliptos só se põe nos últimos 50 anos”, contou.
Admitindo que “há florestas de eucalipto que estão bem ordenadas e bem cuidadas”, salientou que “o problema é o descontrolo”.
O eucalipto ocupa 26% da floresta portuguesa.