O filho de Ferdinand e Imelda Marcos pode ser hoje eleito presidente das Filipinas

9 mai 2022, 07:10
Ferdinand Marcos Jr.

Sondagens dão vantagem a Ferdinand Marcos Jr., mas vitória não está garantida. Ligações à China do filho do antigo ditador preocupam os EUA

 


Ferdinand Marcos Jr., o filho mais velho do antigo ditador das Filipinas Ferdinand Marcos, pode esta segunda-feira ser eleito para o lugar que o seu pai exerceu com mão de ferro durante 21 anos. 

Cerca de 67 milhões de eleitores (num país de 110 milhões de habitantes) começaram a votar às 6 da manhã (hora local, menos oito horas em Portugal), numas eleições em que também estão em causa, para além do presidente e vice-presidente (que são eleitos separadamente), 18 mil lugares políticos, desde Senado e Congresso até presidentes de câmara, governadores e conselheiros.

Marcos Jr. tem liderado quase todas as sondagens, com intenções de voto na ordem dos 56%, cerca de 30 pontos à frente da sua principal adversária, a atual vice-presidente Leni Robredo. Apesar da tendência para liderar de forma destacada as sondagens, dois estudos de opinião publicados no final da semana passada davam conta de uma grande recuperação de Robredo nos últimos dias - uma dessas sondagens colocava a candidata em primeiro lugar, com 57% (38% para Marcos); a outra apontava para um empate entre os dois mais votados. 

 

Em nome do pai

 

Ex-governador, ex-congressista e ex-senador, Marcos - popularmente conhecido pela alcunha de criança, “Bongbong” - é um peso pesado oriundo de uma família com história na política das Filipinas, recursos quase ilimitados e ligações poderosas. Os críticos dizem que se Marcos Jr. ganhar a presidência será o último ato de um processo de branqueamento do passado da sua família, cuja história é marcada por autoritarismo, desvio de fundos e vida opulenta.

Imelda Marcos, a mãe do candidato e antiga primeira-dama, ficou famosa pela coleção de milhares de sapatos que acumulou ao longo das duas décadas de luxo e desvios de fundos em que o seu marido governou. Desde que regressou às Filipinas em 1991, depois de cinco anos de exílio, a família Marcos tem procurado limpar a imagem, manchada por uma governação muitas vezes brutal e pelo saque de milhares de milhões de dólares dos cofres do Estado.

Uma comissão estatal que ao longo de anos tem investigado as suspeitas sobre enriquecimento ilícito da família Marcos ao longo dos 21 anos em que o patriarca esteve no poder poderá ter os seus dias contados caso “Bongbong” seja eleito presidente. Estão em causa suspeitas de que o ditador Marcos teria desviado algo como dez mil milhões de dólares ao longo dos seus 21 anos de poder - cerca de metade desse valor já terá sido recuperado, mas Marcos e a sua família têm desafiado as ordens do tribunal e recorreram de decisões que exigiam a entrega de bens. Há ainda uma disputa fiscal relativa a 3,9 mil milhões de dólares de impostos por pagar. E o clã ainda é arguido em pelo menos 40 processos civis relacionados com a sua riqueza.

Com uma presença muito forte nas redes sociais, o filho mais velho do antigo ditador tornou-se muito popular entre muitos jovens que nasceram depois de Marcos sénior ter sido derrubado do poder, na sequência de uma revolta popular em 1986. Marcos diz que a sua liderança terá uma "marca unificadora", e tem sido incansável nos elogios ao seu falecido pai, pelo seu "génio" económico e capacidade de liderança. 

Há seis anos Marcos já se havia candidatado a vice-presidente, então formando um ticket com Rodrigo Duterte, que viria a ser eleito presidente. Mas os dois cargos são escolhidos separadamente, e Marcos perdeu para Robredo, uma advogada e ativista dos direitos humanos, que acabou por se tornar uma das vozes mais críticas da presidência de Duterte.

Agora, Marcos e Robredo voltam a defrontar-se, mas pelo cargo mais alto do país. E o filho do antigo ditador conta com um apoio de peso: a “sua” candidata a vice-presidente é Sara Duterte-Carpio, filha do atual chefe de Estado. O seu apoio no sul - historicamente um ponto fraco para a família Marcos - pode garantir o sucesso eleitoral da dupla. 

Rodrigo Duterte não apoiou explicitamente nenhum candidato à presidência, mas declarou apoio à sua filha. Entretanto, o partido do presidente deu apoio formal a Ferdinand Marcos e a Sara Duterte.

 

A vice que fez frente a Duterte

 

Leni Robredo, de 57 anos, bateu Marcos nas eleições para vice-presidente em 2016, mas, apesar do cargo, não conta com o apoio do presidente cessante, com quem teve uma relação muito tensa e por vezes de conflito aberto. O vice-presidente filipino praticamente não tem poderes, mas compete-lhe suceder ao presidente em caso de morte ou impedimento deste. O facto de os dois cargos serem eleitos separadamente permite, como foi o caso nos últimos seis anos, que os dois mais altos postos políticos do país sejam ocupados por adversários. Liberal convicta, a vice-presidente liderou campanhas contra a pobreza e a desigualdade de género. Foi também muito crítica da política de justiça popular implementada por Duterte, que promoveu assassinatos à margem da lei de traficantes de droga, consumidores, e outros indivíduos vistos como criminosos (embora sem direito a julgamento).

Uma vitória de Robredo traria uma abordagem mais liberal e menos autoritária. Marcos dificilmente poderia copiar o autoritarismo do seu pai, mas deverá exercer uma liderança em estilo de “homem forte”, à semelhança de Rodrigo Duterte.

A campanha de Robredo focou-se na educação, saúde, pobreza e igualdade de género, bem como no reforço das instituições democráticas. Marcos pouco foi além do discurso sobre unidade nacional e a sua capacidade de liderança - pouco se sabe sobre o seu programa político. O facto de ter recusado participar em debates e em entrevistas que pudessem ser complicadas adensou o mistério sobre as suas propostas. Nenhum dos candidatos trará uma reestruturação económica significativa, embora ambos tenham prometido dar prioridade à recuperação pandémica e possam visar reformas de investimento.

 

EUA ou China?

 

No plano externo, pode haver diferenças significativas caso a vitória seja de Marcos ou de Robredo. A ainda vice-presidente tem uma atitude bastante firme em relação à China, que nos últimos anos tem procurado conquistar posições no Mar do Sul da China e em particular nas águas a que Manila chama Mar do Oeste das Filipinas. Robredo tem afirmado que o seu país não pode pactuar com o comportamento “bully” das autoridades de Pequim em relação a disputas marítimas entre os dois países.

Robredo tem defendido um reforço da cooperação das Filipinas com os EUA, atinga potência colonial, que historicamente é o grande parceiro de segurança e defesa de Manila. Essa relação histórica, no entanto, esfriou durante a presidência de Rodrigo Duterte - apesar da boa relação que tinha com Donald Trump, que nunca lhe regateou elogios, Duterte anunciou em 2016 a “separação” em relação a Washington - e fê-lo durante uma visita… a Pequim, apostando numa nova relação estratégica com a China. 

Apesar de alguns sinais de hostilidade em relação aos EUA, nunca houve uma rutura. E observadores ouvidos pela Reuters apostam que os laços com Washington dificilmente serão ameaçados por qualquer dos candidatos, mesmo que Marcos Jr. tente reforçar as relações com o regime de Xi Jinping. 

A aliança de defesa entre Filipinas e EUA é crucial para a segurança interna e a capacidade militar, e a sua preservação é vital para a relação de um presidente filipino com as forças armadas. Apesar disso, há alguma preocupação face à proximidade de Marcos com a China. "No meio de todas as muitas coisas que temos de corrigir, devemos começar com a nossa aliança com a China", disse Marcos, apontando essa relação bilateral como prioritária.

Esse elo ficou claro logo no início da sua campanha: segundo o jornal South China Morning Post, em Outubro a embaixada chinesa em Manila apresentou Marcos Jr. como convidado de honra para cortar a fita numa exposição fotográfica que incluía uma fotografia do seu pai. A embaixada emitiu mais tarde uma foto comemorativa, com o embaixador chinês e Marcos Jr., ladeados das respetivas bandeiras, quase como se fosse uma visita de Estado. 

E em 2007 a China abriu um consulado em Ilocos Norte, a província de origem dos Marcos, no norte do país, e utilizou-o como um canal para investimentos e ligações comerciais naquela região.

"Uma administração Bongbong é suscetível de reforçar a capacidade da família Marcos de redireccionar as oportunidades comerciais chinesas para as elites que [Marcos] favorece", escreveu Alvim Camba, especialista no Sudueste Asiático, no jornal Nikkei Asia.

Há também uma dimensão pessoal na relação de “Bongbong” com os EUA: Ferdinand Marcos Jr, está proibido de entrar nos Estados Unidos, bem como a sua mãe (agora com 92 anos) e boa parte da sua família, devido a vários processos, relacionados com desvio de fundos mas também com violações dos direitos humanos no tempo em que o pai Marcos governava as Filipinas. Parte da fortuna que os Marcos levaram quando fugiram de Manila para o Havai foi apreendida pelas autoridades norte-americanas, por ter sido desviada de cofres públicos.

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